terça-feira, 26 de abril de 2011

DESENVOLVIMENTO E SUTENTABILIDADE


Joaquim Cartaxo



Mudanças tecnológicas, novos padrões de competitividade nos mercados, declínio econômico de regiões e surgimento de outras marcaram as últimas décadas do século XX. A tendência é a persistência dessas marcas no século XXI, desafiando teorias e políticas de desenvolvimento. Agrava esse desafio, a noção de desenvolvimento sustentável enquanto referência de diminuição dos desequilíbrios territoriais e de equacionamento das desigualdades sociais.

A ideia de sustentabilidade surgiu de estudos sobre a interdependência de uma determinada população e os recursos de seu ambiente; depois se ampliou para relações entre desenvolvimento e meio ambiente, em que as dimensões econômica, cultural, ambiental e social foram consideradas indissociáveis. Assim, benefícios e custos de uso e conservação dos recursos ambientais devem ser compartilhados pelos diferentes grupos de interesses, por pobres e ricos, entre a geração atual e as gerações vindouras.

Só será sustentável, o desenvolvimento que estabelecer compromissos entre gerações quanto ao equilíbrio das políticas de crescimento econômico, de conservação, de proteção e de preservação dos recursos socioambientais (natureza e cultura). Compromissos que se realizam por meio de movimentos políticos e culturais de transformação da sociedade.

Sob essa compreensão, o desenvolvimento sustentável é muito mais do que a conservação, a proteção ou a preservação do meio ambiente. É uma referência no campo das possibilidades de transição para uma nova sociedade e para qualificar políticas públicas, práticas sociais ou empreendimentos com base nos princípios da sustentabilidade.

Em suma, promover o desenvolvimento social (qualidade) e crescer economicamente (quantidade), ao mesmo tempo, requer o aproveitamento das potencialidades dos recursos com precaução e respeito às fragilidades e aos limites de sustentabilidade dos sistemas naturais e culturais.


Joaquim Cartaxo é arquiteto e mestre em planejamento urbano e regional.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O MOVIMENTO DOS CONSERVADORES EM FORTALEZA


Joaquim Cartaxo


A prefeita de Fortaleza Luizianne Lins vêm sendo alvo de uma campanha ferrenha à sua gestão e de desconstituição da sua imagem pública em que os ataques ultrapassaram a política e apontam para questões de natureza pessoal.

Constata-se isso, por exemplo, na matéria “Grupo de oposição define estratégia” publicada no Diário do Nordeste em sua edição do dia sete de abril que divulgou como irá agir esse grupo formado por vereadores de Fortaleza e deputados estaduais do PSDB, PDT, PHS e de outras siglas de menor relevância. Sem reservas declaram que irão realizar mobilizações contra a Prefeita Luizianne Lins. Pretendem se reunir quinzenalmente para “uniformizarem seus discursos” e planejarem suas ações.

Programaram realizar um diagnóstico de todos os setores da administração e visitas a locais da cidade para colherem informações sobre as possíveis falhas do governo municipal.

Os ataques desse grupo são retóricos, sem elementos concretos e têm objetivo meramente eleitoreiro. Utilizam questões pontuais e tentam transformá-las em algo generalizado com a intenção de produzir um senso comum de que a cidade está um caos administrativo. Lançam mão do surrado artifício de tentar substituir o todo pela parte.

Esse discurso tende a sensibilizar os setores de alta renda da sociedade que não aventam qualquer hipótese de utilizar a rede pública municipal de saúde, de educação ou o sistema de transporte público da cidade, por exemplo. Ações e projetos nessas áreas não atendem aos interesses desse segmento social, mas atendem às necessidades e anseios das camadas populares que são a maioria da população.

Os ataques à pessoa da prefeita Luizianne têm o objetivo de tentar eliminá-la de sua posição de maior liderança popular de esquerda do Ceará, construída a partir de seus combativos mandatos de vereadora e deputada em defesa dos setores mais pobres da sociedade, bem como de seu mandato de prefeita, eleita contra tudo e todos em 2004 e reeleita no primeiro turno em 2008, que prioriza também esses setores.

Para as forças conservadores – à esquerda e à direita - a prefeita Luizianne incomoda política e ideologicamente. É uma pedra no caminho que precisa ser dinamitada; farão de tudo para impedir que ela eleja seu sucessor e não toleram a hipótese de que ela possa vir a disputar o governo do estado em 2014; o que é uma opção competitiva e com forte apoio do PT.

Causa desespero a essas forças o fato do PT administrar Fortaleza, o principal pólo irradiador da geopolítica estadual em que a cidade se destaca por sua posição de terceira metrópole do país em influência, segundo o IBGE; o fato de congregar 1/3 da população total do estado e o maior colégio eleitoral; por concentrar 65% do Produto Interno Bruto (PIB) e consequentemente ser o maior centro econômico, financeiro e gerador de emprego do estado.

Esses aspectos socioeconômicos marcam a centralidade de Fortaleza e revelam que um projeto para o Ceará necessariamente passa por um projeto para Fortaleza.

Para além da disputa eleitoral, à influência socioeconômica estadual e regional de Fortaleza soma-se a condição de mais importante território de disputa de hegemonia política do Ceará. Portanto, o lugar onde ocorrem, com maior grau de acirramento, as disputas das oportunidades e a administração das contradições políticas e ideológicas do projeto democrático e popular em implantação no Brasil, no Ceará e em Fortaleza.

Projeto que se inicia no plano federal em 2003 com o presidente Lula; no ano de 2005 em Fortaleza com Luizianne Lins, reeleita em 2008, e em 2007 com Cid Gomes no Ceará, reeleito em 2010. Portanto, a partir de 2007, há uma conjunção dos governos federal, estadual e municipal em torno de um mesmo projeto político que agrega forças progressistas, populares e socialistas do país, organizadas partidariamente no PT, no PSB, no PCdoB e no PMDB que em escalas e dinâmicas diferenciadas se opunham ao projeto neoliberal do PSDB/DEM e que governou o Brasil de 1995 a 2002.

Diante disso, as forças conservadoras da capital e do estado movimentam-se com o objetivo de antecipar a disputa eleitoral de 2012, quando ainda falta mais de um ano e meio de gestão, e, dessa forma, produzir nomes que as unam para enfrentar o candidato da prefeita e do campo democrático-popular.

Incomoda também a essas forças a inversão de prioridades do modo petista de governar que foi implantada na gestão Luizianne Lins, comprovada pelas cifras. Em 2010, as despesas efetivamente pagas somaram um total de R$ 3.150.857.676,87, do qual 71% foram gastos em saúde, educação, urbanismo e previdência social; saúde e educação consumiram 52% desse total.

O PT, por ser o partido preferido por mais de 40% da população de Fortaleza aborrece também as forças conservadoras.

Assim, a força da militância do PT, a liderança e o carisma da prefeita Luizianne Lins e o modo de governar Fortaleza priorizando ações e projetos para a maioria da população, somados, constituem um forte aparato político para manter coesas as forças socialistas, populares e progressistas que constituem o campo democrático e popular.

A coesão dessas forças possui arranjos ideológicos, combinações políticas e é decisiva para se alcançar a vitória nas eleições de 2012 e preparar a sucessão do governador Cid Gomes em 2014, aprofundando as transformações socioeconômicas em desenvolvimento na cidade em consonância com os governos estadual e federal.

Joaquim Cartaxo é arquiteto, mestre em planejamento urbano e regional e 1° vice-presidente do PT/Ce.


Fonte: www.zedirceu.com.br

terça-feira, 12 de abril de 2011

A REFORMA POLÍTICA E O DISTRITO METROPOLITANO



Nelson Rojas de Carvalho



Mais uma vez, o legislativo iniciou seus trabalhos com o compromisso de introduzir na agenda – por iniciativa dos principais partidos e com o estímulo do novo governo - o debate sobre a reforma política, com alterações na forma de financiamento das campanhas eleitorais e nas regras que balizam a conversão de votos em cadeiras legislativas. Se não é novo o diagnóstico segundo o qual o aprimoramento da qualidade de nossa democracia está a exigir ampla revisão nas regras que balizam nosso sistema representativo, o acúmulo na manifestação dos aspectos disfuncionais que marcam a nossa experiência democrática parece indicar que a reforma política trata-se de item da agenda impostergável: o distanciamento crescente entre representantes e representados, o fracasso dos partidos em vocalizarem alternativas políticas consistentes e estruturarem, assim, as preferências dos eleitores, constituem indícios graves e inquestionáveis do caráter disfuncional das instituições que regulam nosso sistema representativo.

Se o diagnóstico sobre o funcionamento precário de nossas instituições representativas adquire mais do que nunca forte consenso entre os atores políticos e segmentos expressivos da sociedade, as principais alternativas de reforma hoje em discussão apresentam sérias limitações e contra-indicações. Embalada por lideranças do governo, a proposta de adoção da lista fechada teria por fim louvável eliminar os efeitos atomizadores do voto personalizado, em que o representante individual se sobrepõe ao partido na instância representativa; por essa via, se é possível se vislumbrar o desejável fortalecimento dos partidos, é igualmente razoável se antever o indesejado fortalecimento dos profissionais das máquinas partidárias. Amparada desde sempre pelo PSDB e por lideranças de expressão no Congresso, a proposta de introdução do sistema proporcional personalizado, batizada entre nós por sistema distrital misto, teria por fim fortalecer os partidos e ao mesmo tempo garantir proximidade entre representantes e representados, por meio dos distritos uninominais. Embora dotada de atrativos, a proposta de adoção do sistema distrital alemão é de improvável implementação; certamente o desenho dos distritos uninominais feriria os interesses dos atuais legisladores.

Mais recentemente, setores do PMDB e nomes da imprensa passaram a embalar uma proposta exótica de sistema eleitoral – adotada no Japão até 1993: o sistema de voto em bloco, batizado entre nós de distritão. Se o sistema ora em discussão, se viu finalmente descartado naquele país por estar na raiz do clientelismo, corrupção eleitoral, entre tantas mazelas, aqui é defendido com base nas supostas virtudes democráticas do modelo, ao lado da simplicidade de sua mecânica: pelos termos do distritão, os estados elegeriam para os pleitos legislativos os candidatos mais votados em número bruto, independente do cociente partidário e do desempenho das legendas. Modalidade bizarra de sistema distrital/majoritário, o modelo proposto obviamente importaria no enfraquecimento dos partidos – os quais se veriam relegados a instâncias de triagem de candidatos com bons antecedentes no que se refere ao desempenho nas urnas; a personalização do processo representativo manter-se-ia intacta, quando não se veria adensada, o que certamente geraria o enfraquecimento das legendas. Por fim, o modelo do distritão prorroga o equívoco de tomar os estados como os distritos eleitorais, fazendo da Câmara do povo transmutar-se em fórum de embates de natureza federativa.

Ora, o apelo do distritão – sistema hoje adotado em não mais do que uma ilhota do pacífico, como lembrou em artigo recente o cientista político Jairo Nicolau - reside em larga medida em não enfrentar o difícil desafio – técnico e político – de se desenharem 513 distritos uninominais, acomodando os interesses dos eventuais promotores da reforma. Se o desafio é inquestionável, talvez por desconhecimento estejamos deixando de examinar uma outra modalidade de sistema eleitoral que não se filia nem ao caminho do bizarro, nem à via do inalcançável. Embora ainda marginal no debate sobre as reformas, é fundamental analisarmos como alternativa a proposta do sistema de distritos de média magnitude, modelo implantado em países como Espanha, Grécia e Portugal, em seus respectivos processos de redemocratização.

Cabe notar inicialmente que no sistema eleitoral adotado pelos países mediterrâneos as circunscrições variam em magnitude (no caso espanhol, enquanto o menor distrito elege três deputados, a maior circunscrição responde por trinta e cinco cadeiras no parlamento) e se mostram sensíveis tanto às peculiaridades histórico-geográficas das regiões, como aos interesses dos legisladores. Numa palavra, a natureza flexível do sistema torna possível sua implantação. Além de exeqüível, tal modalidade de distritamento produziria as conseqüências centrais desejadas pelos advogados da reforma: a aproximação entre representantes e representados, o enxugamento e fortalecimento do sistema partidário, sem a alteração do princípio constitucional da proporcionalidade.

Efeito adicional da adoção desse sistema, que aqui queremos assinalar, seria garantir a justa representação das áreas urbanas, com a possibilidade de introdução do distrito metropolitano. Ora, um dos efeitos perversos do nosso sistema representativo consiste não só na sub-representação dos conglomerados urbanos, mas também no desincentivo à tematização dos problemas metropolitanos, já que os representantes oriundos dessas áreas têm sua votação concentrada em um único município. Em estudos anteriores, verificamos não somente a sub-representação sistemática das áreas urbanas, que se traduz num déficit de cem deputados que deixam de ser recrutados dessas áreas, como também a incidência do que podemos designar de um localismo metropolitano: a quase totalidade dos deputados egressos dos conglomerados metropolitanos tem a votação concentrada em um único município, via de regra a capital do estado. Não é preciso dizer que o efeito combinado da sub-representação das áreas urbanas e do localismo, é o forte desincentivo a introdução por parte dos nossos representantes de temas de natureza metropolitana na agenda pública.

Por meio do distrito metropolitano, distrito que teria seu número de representantes definido a partir do tamanho do eleitorado das metrópoles, a um só tempo se garantiria justa representação dessas áreas, como também se produziriam incentivos à introdução da temática dos grandes aglomerados urbanos na agenda pública. Deputados com base eleitoral nas metrópoles forçosamente se veriam incentivados a tratarem de temas de ordem metropolitana. Ora, se essas áreas consistem no território onde se concentram os grandes ativos e passivos do país no campo econômico e social, e exigem mecanismos de governança específicos, a reforma política que entra em pauta é oportunidade ímpar de se introduzirem distritos eleitorais metropolitanos, base de representantes não mais voltados a demandas das paroquiais dos municípios, mas incentivados ao tratamento daqueles grandes desafios da Nação que atravessam nossos corredores metropolitanos.


Nelson Rojas de Carvalho é professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Pesquisador do Observatório das Metrópoles.

Fonte: http://web.observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_content&view=article&id=1614%3Aa-reforma-politica-e-o-distrito-metropolitano&catid=34%3Aartigos&Itemid=138&lang=pt

segunda-feira, 11 de abril de 2011

POR UMA FORTALEZA CRIATIVA


Joaquim Cartaxo



Em 13 de abril, Fortaleza completará 285 anos que foi tornada vila e sede de poder politico-administrativo. Entretanto, abandonada e pobre, aguardará o início do século XIX para viver os primeiros sinais de prosperidade econômica proporcionados por atividades de comércio e serviço.

Um fator politico - a separação da capitania do Ceará da capitania de Pernambuco - e outro econômico - a transformação do porto da vila em escoadouro da produção algodoeira - são responsáveis pelo surgimento dessas atividades que delinearão a futura função comercial da cidade associada às funções política e administrativa, transformando-se assim em uma comunidade urbana, isto é, uma comunidade com mercado.

Como ponto de escoamento da produção algodoeira do Ceará, Fortaleza insere-se no mundo industrial favorecida pela valorização do algodão no mercado internacional pela indústria têxtil inglesa.

De lá para cá, a vila transformou-se em metrópole. A cidade consolidou seu papel comercial e alcança o século XXI com o enfrentamento de construir ambientes sustentáveis e inovadores, que fortaleçam os fatores favoráveis e removam os que emperram o desenvolvimento com oportunidade para todos.

A Rede de Cidades Criativas da UNESCO é uma idéia para construí-los, pois entende que as cidades cada vez mais centralizam a indústria criativa e a diversidade cultural.

Essa idéia-força se realiza, por exemplo, com um programa de desenvolvimento de longo prazo apropriado pela comunidade; um pacto de governança entre instituições públicas, privadas e do terceiro setor; cultura diferenciadora, educação e investimento em tecnologia.

Daqui a 15 anos, a capital do Ceará comemorará 300 anos. Nesse período, a ser acordado política e socialmente, poderemos realizar estudos e práticas de construção de uma Fortaleza Criativa, uma metrópole para congregar pessoas, diversidades e conectar local e global, passado e futuro.


JOAQUIM CARTAXO é arquiteto, mestre em planejamento urbano e regional e 1° vice-presidente do PT/Ce.


Fonte: http://www.opovo.com.br/opovo/opiniao/



quarta-feira, 6 de abril de 2011

Sartre no Nick’s bar, New York city

O jazz e a imagem das cidades norte-americanas

Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima

Sabe-se que Jean-Paul Sartre era um escritor contumaz e que nos legou uma obra realmente extensa. Os franceses Contat e Ribalka no seu “incontornável” livro – que, ao menos, assim pode ser considerado por aqueles que se dedicam ao estudo da obra do filósofo francês – intitulado, muito propriamente, Les écrits de Sartre, contabilizaram, entre o ano de 1923 e o ano de 1969, nada mais nada menos que 511 “escritos”... (1). Soma realmente impressionante se pensarmos que Sartre faleceu em 1980, e que entre este ano e o ano em que a coleta dos pesquisadores terminou – a primeira e única edição deste livro data de fevereiro de 1970 – Sartre continuou a sua produtiva atividade de escritor. Certamente, nem todas as obras listadas pelos pesquisadores franceses são memoráveis; certamente, muito do que está listado são textos curtos, como reportagens, prefácios etc., e que nem tudo o que Sartre escreveu pode ser comparado aos seus textos mais conhecidos, como O ser e o nada, a trilogia Os caminhos da liberdade, A náusea e a biografia As palavras – obra, aliás, cuja redação lhe valeu a prestigiosa recusa do Prêmio Nobel –, no entanto, se pensarmos que o filósofo francês neste lapso temporal teve uma intensa militância política e uma não menos intensa vida amorosa, a soma de textos coletada pelos pesquisadores franceses é, de fato, ímpar na história intelectual do século XX.

Sartre trabalhava com tanto afinco e de maneira tão sistemática – apesar, naturalmente, da bohème parisiense – que, muitas vezes, não reconhecia o texto que ele mesmo produzia. O ensaio Quand Hollyhood fait penser... Citizen Kane de Orson Welles, publicado no Écran Français em agosto de 1945, teve a autenticidade da autoria posta em dúvida pelo próprio autor, que chegou a duvidar da legitimidade da assinatura... (2). Por outro lado, há os textos que foram publicados postumamente, uma vez que Sartre jamais os concluiu dando-lhes a forma acabada de um livro. Nesta rubrica entram A rainha Albermale ou o último turista, publicada em forma de coletânea de fragmentos por sua filha adotiva Arlette Alkaïm-Sartre apenas no ano de 1991, os seus livros de missivas e o Diário de uma guerra estranha. Por mais insólito que isto possa soar – posto que estamos diante de uma obra cuja aplicação do termo “monumental” seria mais do que pertinente –, ainda há textos de Sartre a serem publicados, uma vez que muitos dos seus manuscritos foram vendidos por ele mesmo a particulares, o que, evidentemente, prejudica a pesquisa e a posterior publicação (3). Ainda por outro lado, há os textos que foram perdidos, obras de juventude ou textos publicados aqui ou acolá e que foram esquecidos nos arquivos de alguma editora ou revista. Um bom exemplo disto são as trinta e duas reportagens que Sartre escreveu em 1945 na condição de jornalista nos Estados Unidos da América, das quais apenas seis foram republicadas em 1949 na coletânea Situations III.

Introduzimos estas questões apenas para colocar no seu devido contexto o objetivo deste artigo, em parte aludido no seu título, que é estudar, a partir de um curto ensaio de Sartre intitulado Nick’s bar, New York city, o papel do jazz na formação da imagem que o filósofo francês teria das grandes cidades norte-americanas. Este texto, convém esclarecer, teve, como muitos outros textos de Sartre, uma longa história de publicação e republicações posteriores. Inicialmente, foi publicado no número especial sobre jazz no Cahiers France-Amérique-Latinité, de junho de 1947, depois foi traduzido para o Inglês e republicado com o título I discorvered jazz in America nas revistas Saturday review of litterature, ainda em 1947, e Saturday review Treasury, dez anos depois. Em Francês este texto tem ainda outra versão com variantes, e que foi publicada com o título Au Nick’s bar à New York, em 1948 na revista Caliban (4). A versão que será objeto de estudo neste artigo será a original, tal como foi publicada pela primeira vez e tal como foi republicada em Les écrits de Sartre. Este breve texto, todavia, seria insuficiente para a realização do nosso propósito, que é, repetimos, o de perceber como o jazz moldou certa imagem das cidades norte-americanas no imaginário de um intelectual europeu nos anos 1930 e 1940 – neste caso específico, Sartre –, portanto, utilizaremos na nossa exposição o livro já referido neste artigo, A náusea (5), no qual se pode encontrar algumas referências a esta música surgida nos Estados Unidos da América e o ensaio new York, ville coloniale. Realizadas estas considerações iniciais, à tarefa, então.

2. O jazz e as bananas

Como já foi aqui aludido, Sartre realizou duas viagens aos Estados Unidos da América. A primeira foi no ano de 1945, a convite de Albert Camus, para divulgar entre os franceses o esforço de guerra norte-americano, e a segunda foi em 1946, na condição de conferencista. No entanto, não foi através destas viagens que o filósofo francês entrou em contato com o jazz, posto que já o conhecia ouvindo-o em discos e nos cabarets parisienses. Aliás, ele era um habitué de cafés nos quais esta música era executada, e, recordam-nos os seus biógrafos, na juventude ele até pensou em seguir uma carreira como pianista em algum combo de jazz (felizmente para a história do pensamento ocidental esta ideia jamais chegou a se tornar um projeto).

Mas o jazz ouvido nos Estados Unidos da América lhe soou diferentemente, como se pela primeira vez percebesse que tudo o que tinha ouvido no seu país natal não era verdadeiro nem autêntico, e no texto Nick’s bar, New York city sentenciou: “A música de jazz é como as bananas, deve ser consumida no local” (6). Com esta curiosa comparação o filósofo francês afirma que o jazz é uma música, por assim dizer, “presencial”, e que, a este título, deve ser ouvida enquanto é produzida pelos músicos, e que o seu registro é uma mera falsificação. O jazz, segundo Sartre, e apenas para parafrasear outro filósofo, teria uma “aura”...

O filósofo francês afirma, ainda, que certos países têm um gozo nacional (réjouissance no original) e outros, simplesmente, não o possuem. Mas o que se esconderia por trás do uso deste termo? Ora, Sartre afirma que há um “gozo nacional” quando a plateia, na primeira parte de uma manifestação, fica sensibilizada e imóvel, como se estivesse, mesmo sensível, petrificada; e na segunda parte, ao contrário, a mesma plateia começa a gritar e saltar, como se estivesse possuída por algum obscuro e violento sentimento. Na acepção do filósofo francês, na Bélgica seriam o gozo nacional as brigas de galo, na Espanha as corridas, e na Itália o furto nas ruas. É quase desnecessário dizer que, para Sartre, a França não possuía nenhum gozo nacional e que o jazz seria o gozo nacional dos Estados Unidos da América. Ou seja, esta música seria ouvida em silêncio pela plateia norte-americana que, em seguida, irromperia com fúria e ânsia, aos gritos. Esta bela cena teria sido vista pelo próprio Sartre no Nick’s Bar em New York city, no ano de 1946. É assim, ao menos, o que ele nos descreve no já citado texto.

Mas Sartre estava bem longe de ser um profundo conhecedor de música, a arte que ele mais conhecia, como sabemos pelos seus textos e pelas entrevistas que ele concedeu, era a pintura. Mas isto não significava, contudo, que ele não fosse tocado pela música – e, neste caso, pelo jazz –, e Sartre foi um dos primeiros intelectuais franceses a tratar o tema. Já em 1946, no seu texto New York ville coloniale, escrito, na origem, para uma revista norte-americana (7), ele comenta sobre esta música, em um misto de decepção e melancolia, nas quais se percebe um acento de desencanto com o futuro:

“Quando nós tínhamos vinte anos, por volta de 1925, nós ouvíamos falar dos arranha-céus. Eles simbolizavam para nós a imensa prosperidade americana. Nós os tínhamos descoberto com estupefação nos filmes. Eles eram a arquitetura do futuro, exatamente como o cinema era a arte do futuro e o jazz era a música do futuro. Hoje nós sabemos o que pensar do jazz. Nós sabemos que ele carrega em si mais passado que futuro” (8).

Deambulando pelas ruas de New York, “a cidade mais rude do mundo” (9), solitário ou com a sua amante Dolorès Vanetti, o filósofo francês permitia-se fazer as considerações de um escritor-viajante que, diante de uma paisagem estrangeira, tende a moralizar. É fato que, em 1946, descobertos e exibidos os crimes perpetrados pelos nazistas, e depois das bombas atômicas lançadas pelos norte-americanos em solo japonês, já não havia muito para se regozijar. Para Sartre, os emblemáticos arranha-céus de New York já eram passado, e, assim como o cinema e o jazz, seriam as ruínas de uma civilização decadente que não poderia mais ostentar os símbolos da sua vitória em uma good fight. Neste sentido, a paisagem urbana das metrópoles norte-americanas teria inspirado um sentimento de melancolia, como se fora uma promessa – de prosperidade e de felicidade – jamais cumprida. Depois da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, a mítica “América” parecia, aos olhos de Sartre, como uma chance desperdiçada.

Nas reportagens escritas no país norte-americano, em 1945, pode-se perceber um tom que é, na maioria dos casos, indulgente em relação aos Estados Unidos da América, e os temas abordados, segundo Jean-Philippe Mathy, são “próprios a toda uma tradição europeia favorável a América” (10). Ora, segundo o filósofo francês, haveria uma espécie de “doçura” a presidir as relações entre as diversas classes sociais naquele país, e este é, sem dúvida, um bom exemplo desta tradição favorável a “América”. Esta relação indulgente e favorável, contudo, mudaria consideravelmente nos anos posteriores. Em relação a esta questão, já em 1948, ele afirmou:

“Enquanto isso, o anti-semitismo e a negrofobia norte-americanas, o nosso colonialismo, a atitude das grandes potências em face de Franco conduzem a injustiças menos espetaculares, porém visam também a perpetuar o atual regime de exploração do homem pelo homem” (11).

Trata-se de um Sartre já um pouco diferente daquele que escreveu sobre a tal “doçura” que, supostamente, presidiria as relações entre as diversas classes sociais nos estados Unidos da América... E no texto escrito em 1946, como vimos, já se pode entrever, no seu pensamento, um desencanto que o conduziria a um atuante antiamericanismo e o tornaria um filósofo gauchiste engajado em quase tudo o que poderia significar situação de dominação injusta “do homem pelo homem”. Mas, hélas, escolher o seu destino pela liberdade, e escolher engajar-se politicamente significa, igualmente, a constante possibilidade de cair e recair naquilo que será julgado posteriormente como um erro, um engodo ou uma ingenuidade.

E quanto ao jazz? “É uma música de inspiração popular negra, suscetível de um desenvolvimento limitado e que degenera suavemente. O jazz mal sobrevive” (12). Certamente que uma simples consulta a qualquer manual da história do jazz no século XX demonstraria, sem muito esforço, o erro de julgamento cometido pelo filósofo francês. O jazz, contudo, compareceu no trecho citado como uma espécie de metáfora para compor uma paisagem urbana em que tudo é sinônimo de pessimismo, em que os arranha-céus são ruínas que mal lembram a prosperidade passada, e na qual o cinema não passaria de um mal disfarçado empreendimento comercial em meio a uma música que nada faz senão degenerar.

No entanto, há um texto mais famoso de Sartre em que o jazz ainda não é nem um “gozo nacional” e nem uma música que degenera; trata-se da novela A náusea, já citada neste artigo. A personagem da novela, uma espécie de alter ego de Sartre, Antoine Roquentin, após ter desistido de escrever o seu livro na cidade de Bouville se prepara para retornar à cidade de Paris. Ao ouvir uma canção de jazz intitulada Some of these days e que soa de um gramofone em um bistrot local, se imagina a seguinte cena:

“Penso em um americano escanhoado, de espessas sobrancelhas pretas, que sufoca de calor no vigésimo andar de um prédio em New York. O céu arde por cima de New York, o azul do céu se inflamou, enormes chamas amarelas vêm lamber os telhados: os meninos do Brooklyn, de calções de banho, se colocam debaixo das mangueiras” (13).

Não é, certamente, uma imagem muito original, e o público leitor francês já deveria tê-la visto em muitos filmes ou lido nos romances modernos norte-americanos, aqueles escritos por, entre outros, Faulkner, Dos Passos e Hemingway. Aliás, o próprio Sartre era um aficionado por cinema e um profundo admirador destes escritores (14). Mas em relação à questão da originalidade, não julguemos mal o filósofo francês, uma vez que a quase banalidade da imagem seria premeditada, posto que o seu público leitor deveria reconhecê-la para compreender a melancolia associada à musica: o calor intenso, o sol que faz arder a cidade, o artista no vigésimo andar da sua “torre de marfim” a criar uma canção e as crianças que procuram escapar ao calor banhando-se nos jatos de água expelidos por algum hidrante. Mesmo em 1938, quando o livro foi publicado pela primeira vez, a imagem já soava um pouco déjà vu.

Deve-se observar-se, igualmente, que a cena não foi colocada em qualquer cidade norte-americana, mas na emblemática cidade de New York, que parecia concentrar todos os mitos que cercavam os Estados Unidos da América: o país das grandes distâncias, da civilização mecanizada, do progresso, da ausência de barreiras sociais. Sartre apenas teve a oportunidade de matizar estes mitos a partir das duas viagens empreendidas ao país norte-americano e poderíamos afirmar, parafraseando o nosso autor, que os mitos são como bananas, devem ser consumidos no local.

2. Últimas considerações

Ora, como vimos, o professor francês Jean-Philippe Mathy evidenciou que as narrativas de Sartre escritas sobre os Estados Unidos em 1945 revelam uma posição favorável em relação a este país, posição esta que ele compartilhava com muitos intelectuais europeus da época. Isto significa que o olhar de Sartre fixado neste país evidenciava sentimentos que estavam já conformados por uma situação cultural pré-existente, como o espanto diante dos arranha-céus, as cidades verticais ou “em pé”, tal como ele leu no romance Viagem ao fim da noite de Céline (15). Neste sentido, quando Sartre faz observações sobre as cidades norte-americanas o seu, por assim dizer, “pano de fundo”, eram as cidades europeias que ele conhecia: Paris, Roma, Veneza, Barcelona, Atenas, apenas para nos restringirmos aos exemplos mais conhecidos.

Ao dizer que uma cidade norte-americana não possuía monumentos ele afirmava, em segunda voz, ou, se preferirem, nas “entrelinhas”, que as cidades europeias possuíam, sim, monumentos... (16). Do mesmo modo, ao narrar o seu espanto em relação ao tecido hipodâmico das cidades novas fundadas nos Estados Unidos da América, ele novamente afirmava em segunda voz o tecido complexo e milenar das cidades europeias. Neste sentido, poder-se-ia afirmar que Sartre não escreveu apenas sobre a cultura norte-americana, mas escrevendo sobre esta ele escreveu, igualmente, sobre a sua condição de um europeu em solo estrangeiro. E, concluamos, não em qualquer solo, mas no solo mítico do país que já conhecia – e imaginava e criava, o que neste caso é o mesmo – quando criança, pela literatura infanto-juvenil, e para o qual, mais tarde, ansiaria em viajar.

Pode-se observar esta ânsia em uma carta a “Castor”, escrita em um navio que conduziria os jornalistas franceses (17) àquele que seria, talvez, o destino mais esperado da viagem, New York. Nesta missiva o nosso autor afirmou: “Eu começo a sentir New York. Os outros também. Começamos a nos contar histórias sobre a América, pressionamos Riboud para que ele nos fizesse uma conferência sobre a vida americana (iniciação dos franceses)” (18).

A partir destas considerações, não estaríamos longe da verdade se afirmássemos que o jazz, assim como a literatura e o cinema, moldou uma determinada paisagem urbana norte-americana no imaginário de Sartre. Esta paisagem, na qual enormes arranha-céus habitados por compositores de jazz se misturam a garotos que se banham livremente nas ruas, é, certamente, uma alegre fantasmagoria. Mas é necessário observar que nos textos que tratamos há, ao menos, três momentos: o primeiro é a novela A náusea, na qual o autor ainda não havia conhecido pessoalmente os Estados Unidos da América; o segundo é o texto New York ville colonial, no qual já se pode observar que não há muito entusiasmo pelo país norte-americano, e, finalmente, o terceiro momento, no qual ele nos fornece uma escrita pungente sobre a sua própria experiência com o jazz. O que une estes diferentes momentos é que todos são perpassados por uma visão em que a paisagem urbana não um mero detalhe residual, mas a própria base da experiência estética.

Notas

1
CONTAT, Michel; RIBALKA, Michel. Les écrtis de Sartre. Paris, Gallimard, 1970.
2
Idem, p. 124.
3
A este respeito ver: CONTAT, Michel. Autopsie d’un livre inexistant: La reine Albermale ou le dernier touriste. Disponível em: http://item.ens.fr/index.php?id=172593. Acessado em 08 de abril de 2010.

4
CONTAT, Michel; RIBALKA, Michel. Les écrtis de Sartre. Op. cit., p. 166

5
Contat e Rybalka, aliás, lograram ver muitas semelhanças de estilo e de tom nestas duas narrativas. CONTAT, Michel; RIBALKA, Michel. Les écrtis de Sartre. Op. cit., p. 166.
6
Nick’s bar, New York city.
Em: CONTAT, Michel; RIBALKA, Michel. Les écrtis de Sartre. Op. cit., p. 680.
7
Este ensaio foi publicado, pela primeira vez, na revista norte-americana intitulada Town and Country, em maio de 1946, com o título Manhattam: the great american desert. Este texto, todavia, teve uma trajetória curiosa: foi republicado algumas vezes, e a sua versão mais conhecida e mais acessível, aquela publicada em Situations III, é uma tradução do Inglês para o Francês realizada por um editor francês e retocada por Sartre. Ora, o nosso autor havia perdido os originais... A este respeito, ver: CONTAT, Michel; RIBALKA, Michel. Les écrtis de Sartre. Op. cit.
8
SARTRE, Jean-Paul. Villes d’Amérique, New York, ville coloniale, Venise de ma fenêtre. Paris, éditions du patrimoine, 2002, p. 42. Tradução nossa do Francês para o Português.
9
Idem, p. 43. Tradução nossa do Francês para o Português.
10
MATHY, Jean-Philippe. “L’ ‘Américanisme’ est-IL un humanisme? Sartre aux Étas-Unis (1945-43)”, In: The French Review, n. 03, v. 62, fevereiro de 1989, p. 456. Tradução nossa do Francês para o Português.
11
SARTRE, Jean-Paul. O que é a literatura? Trad.: Carlos Felipe Moisés. São Paulo, Ática, 2004, p. 210.
12
SARTRE, Jean-Paul. Villes d’Amérique, New York, ville coloniale, Venise de ma fenêtre. Op. cit., p. 43.
13
A náusea.
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, s/d, p. 264.
14
“Havia pensado muito na América, porque... em primeiro lugar, quando criança, os Nick Carter e os Buffalo Bill me remetiam a uma determinada América, que depois conheci melhor através dos filmes; li os romances do grande período moderno, isto é, tanto Dos Passos quanto Hemingway.” Entrevista concedida a Simone de Beauvoir em 1974. BEAUVOIR, Simone. A cerimônia do adeus seguido de Entrevistas com Jean-Paul Sartre (Agosto-Setembro 1974). Trad.: Rita Braga. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982, p. 323.
15
Citamos, neste caso, Simone de Beauvoir: “A atenção que prestávamos ao mundo era assaz rigorosamente dirigida pelos tropismos de que falei; éramos capazes, entretanto, de certo ecletismo, líamos tudo o que aparecia; o livro francês que se nos afigurou mais importante foi Le voyage au bout de la nuit de Céline. Sabíamos de cor uma porção de trechos.” BEAUVOIR, Simone de. A força da Idade. Trad.: Sérgio Millet. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p. 138. A este respeito ver: LIMA, Adson Cristiano Bozzi Ramatis. O fascínio do Novo Mundo: Arquitetos e intelectuais europeus e os arranha-céus de New York. Arquitextos, São Paulo, 10.109, Vitruvius, jun 2009 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.109/47>.
16
A este respeito ver: LIMA, Adson Cristiano Bozzi Ramatis. “Imago mundi: a escritura do mundo - as cidades norte-americanas sob o olhar de Jean-Paul Sartre”, Risco (São Carlos), v. 7, p. 7, 2008.
17
Sartre não viajou sozinho, mas fez parte de uma delegação de oito jornalistas.
18
SARTRE, Jean-Paul. Lettres au Castor et à quelques d’autres. Paris, Gallimard, 1988, p. 330. Tradução nossa do Francês para o Português. Estas cartas trocadas com Castor e com os seus camaradas não são, evidentemente, o “verdadeiro Sartre”, mas são ainda literatura, como nos assevera Genéviève Idt: “Em 1983, os ‘escritos íntimos’ de Sartre, suas Lettres e os Cahiers de drôle de guerre, foram publicados, pareceram ressuscitar Sartre ao natural. Ou quase, pois um escritor, segundo Sartre, não tem natureza! Tão jovem e divertido que ele tenha se mostrado, ele ainda representa, evidentemente: ‘Talvez eu colocasse ali um pouquinho mais de alegria ou de lirismo que se coloca em uma carta escrita a um leitor qualquer quando não se é escritor.’” IDT, Genéviève. “Sartre au naturel”, In: Les collections de Magazine Littéraire, n. 07, mar-mai, 2005, p. 18. Tradução nossa do Francês para o Português.

Sobre o autor

Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima, arquiteto e urbanista, Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo, Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, autor do livro: Arquitessitura; três ensaios transitando entre a filosofia, a literatura e arquitetura. Professor Assistente da Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Arquitetura e Urbanismo.

FONTE: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.130/3774


terça-feira, 5 de abril de 2011

“A cidade ideal é compacta”

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Entrevista com o arquiteto Sir Richard Rogers

Uma cidade não pode se expandir predatoriamente, defende Sir Richard Rogers, 78, um dos reformuladores da arquitetura contemporânea e ganhador do prêmio Pritzker de 2007, considerado o Nobel da Arquitetura. Autor de grandes obras, seu projeto mais famoso é o Centro Pompidou, em Paris. Outros incluem também o arranha-céu Lloyd em Londres, o Terminal 4 do Aeroporto Barajas, em Madri, e a Torre 3 de reconstrução do World Trade Center, em Nova York. Rogers é um dos grande críticos do modelo de expansão predatória das cidades. A cidade ideal é compacta, branda como lema. O arquiteto ítalo-britânico defende a reinvenção da cidade densa sob uma perspectiva de sustentabilidade ambiental, que valorize em primeiro lugar o cidadão. Acredita que essa é a maneira de superarmos o abismo entre ricos e pobres e de diversificar os usos do espaço público, onde vida, trabalho e lazer estejam juntos e não dispersos. O conceito-chave é criar a cidade policêntrica e conectada.

No Rio de Janeiro, Richard Rogers falou ao ((o))ecocidades, em entrevista exclusiva, após o evento ‘As Cidades Somos Nós – Desenhando a mobilidade do futuro’, promovido pelo ITDP (em português, Instituto de Políticas de Transportes e Desenvolvimento).

((o))eco — Qual o desafio das grandes metrópoles, inclusive as brasileiras, no século 21?

A sustentabilidade ambiental e as mudanças climáticas são pontos críticos para a nossa sobrevivência. Todos concordamos que, se continuarmos nesse caminho, não haverá mais humanidade. Estamos no mesmo barco. A cidade é uma forma do desenvolvimento do homem. Ela permite o encontro entre pessoas para trocas de ideias, intercâmbio de cultura e de negócios. Hoje, pela primeira vez a maior parte da população mundial vive nas cidades. Há 100 anos, 10% das pessoas viviam nas cidades, agora são 50% e chegaremos a 80% nos próximos 30 anos. É uma mudança enorme que nos obriga a otimizar as cidades.

((o))eco — Quais são os principais problemas a ser atacados?

Por exemplo, aqui no Brasil há uma forte separação espacial entre ricos e pobres. Isso é inaceitável e a busca de um espaço público de qualidade deveria ser lei. Ele é um direito, assim como o acesso à água potável e ao lazer em áreas verdes. Os pobres devem também viver próximos aos centros urbanos e não nos arredores e periferias. No Rio de Janeiro, por exemplo, de um lado estão as favelas onde as pessoas tem medo de entrar e, de outro lado, há ricos vivendo protegidos por prédios murados. Essa estrutura é decorrente da cultura local. Conectar as cidades e os bairros, além do espacial, tem sentido social. Em Londres, defendemos a ideia de construir em áreas abandonadas e/ou degradadas, preservando as verdes. Ou seja, o objetivo deve ser adensar e transformar áreas de baixo desenvolvimento.

((o))eco — Por que evitar o espraiamento urbano?

Antes que se avance sobre o cinturão verde, é preciso fazer a cidade funcionar bem. No transporte, isso significa empoderar o ciclista, o pedestre e o usuário de transporte público. Cidades como Los Angeles, nos Estados Unidos, onde todos se locomovem de carro, produzem 10 vezes mais emissões de CO2 do que outras, como Amsterdam, na Holanda, compacta e rica em opções de transporte público. Essa vantagem também se traduz em economia energética. Destaco dois pontos: o governo deve intervir para impedir a separação entre pobres e ricos. O segundo é não separar as atividades em setores. Quer dizer, buscar a mistura de moradia, trabalho e lazer. O zoneamento é perigoso. Ter um centro comercial de um lado e casas de outro, como Brasília, obriga a fazer tudo de carro.

((o))eco – Qual é o caminho para uma cidade sustentável?

O primeiro passo é reduzir o nível de CO2 e há muitas maneiras de fazê-lo. Começa por comer alimentos produzidos localmente. Não é preciso enviar abacates e papaia da América do Sul, num navio, para consumidores em outros países, distantes 10 mil milhas. A energia para se consumir o que se planta localmente é menor do que a energia demandada para enviar de navio. Outra medida é usar energia limpa nos edifícios. É possível ter outros sistemas de refrigeração além do ar-condicionado. Na mesma linha, podemos aderir à energia solar para ferver água na cozinha e tomar banho. E temos também a opção do vento. Na Dinamarca quase toda a energia vem de parques eólicos. Nosso principal combustível, o petróleo não é taxado corretamente. A energia eólica só é mais cara porque não se taxa os efeitos nocivos do combustível fóssil. Quem polui deve pagar.

((o))eco — É importante criar e planejar edifícios levando em conta o aquecimento global?

O aquecimento global é crítico, temos que leva-lo em conta inclusive no projeto dos espaços públicos e de convivência. Flexibilidade e adaptabilidade são pontos-chaves. Gosto desses conceitos. Frequentemente construímos algo sem saber que, no futuro, será usado e ocupado de outra forma da planejada originalmente.

((o))eco — O senhor defende o uso de tecnologia de ponta na construção civil como ferramenta de sustentabilidade?

O termo comum é high-tech, mas prefiro usar ‘tecnologia apropriada’. Hoje, estamos cercados de tecnologia, é a característica do nosso tempo. Por isso é importante usar o que temos de melhor nos projetos sustentáveis. Afinal, a arquitetura se resume a solução de problemas de um ambiente, colocando como condição central o bem-estar das pessoas.

((o))eco — Por que uma cidade mais compacta pode ser também menos agressiva ao ambiente?

Uma cidade compacta funciona melhor e tem mais potencial ecológico do que outra espalhada horizontalmente. Veja as cidades japonesas, por exemplo. Claro que a verticalização tem seus próprios problemas e não é a única forma de adensar. É preciso estar no chão também. Na Europa, a cidade mais densamente povoada é Barcelona, na Espanha, e seus prédios têm no máximo oito andares. Ela é bem planejada, eficiente e provê espaço para todos.

((o))eco — O senhor tem interesse em desenvolver projetos para cidades brasileiras?

Conheço o ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner. Somos amigos há pelo menos 15 anos e sei que posso aprender com os projetos que mudaram o uso do espaço público naquela cidade. Nessa minha estada no Brasil vou à Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Adoraria fazer projetos aqui. É um grande país, cheio de cultura própria. O carnaval, por exemplo, é uma demonstração de arquitetura, um ramo que se dedica a pensar a relação entre pessoas e o ambiente, o espaço. Minha equipe trabalha principalmente em Londres, mas também na França, Espanha, e outros países da Europa. Há dois anos, com a crise econômica, começamos a olhar para fora e para o Oriente. Fomos à Malásia, Singapura, Hong Kong e Taiwan. Descobri um mundo novo. Meu escritório de arquitetura está mais espalhado. Não firmamos ainda o pé no Oriente Médio, mas já estamos na Turquia e Líbano. Comecei o percurso para fora da Europa seguindo a rota de Marco Pólo. Agora, quero percorrer a de Cristóvão Colombo. Já temos projetos no México e nas cidades de Bogotá, Colômbia, e Nova York, EUA.

Fonte: Fabíola Ortiz/ Portal O ECO

http://iabce.blogspot.com/2011/03/richard-rogers-cidade-ideal-e-compacta.html