sexta-feira, 10 de maio de 2013

AFINAL, QUE TEM MEDO DA DEMOCRACIA NO BRASIL?



Por Emir Sader









Uma imensa disputa ideológica e política se dá em torno da democracia? Quem é democrático e quem não é? Uma disputa para se apropriar do termo, com a pretensão de que quem apareça como democrático, será automaticamente hegemônico.



Ocorre que tudo depende do conceito predominante de democracia. Quem poderia dizer que as oligarquias familiares, proprietárias monopolistas dos meios de comunicação tradicionais no Brasil, apareçam como as mais defensoras da democracia, supostamente ameaçada pelo Estado que promove o maior processo de democratização na sociedade brasileira, com o apoio maciço da grande maioria da população, em consultas eleitorais amplas e abertas, com a participação majoritária da população?



Isso ocorre porque falamos de coisas distintas quando falamos de democracia. A concepção dominante, de que se valem aqueles órgãos e os partidos da oposição, remete à concepção liberal de democracia. Esta nasceu fundada nos direitos dos indivíduos, contra o Estado, considerado a maior ameaça à liberdade e à democracia.



É uma concepção fundada nos indivíduos, considerados a única realidade efetiva nas sociedades. Margareth Thatcher chegou a afirmar que: “Não há mais sociedade, só indivíduos”- utopia maior do liberalismo. É em torno dos direitos individuais que se estruturaria a sociedade.



Numa sociedade como a norte-americana, entre os direitos inalienáveis expressos na Constituição, está o direito do porte de armas, para que os indivíduos se defendam do Estado. (Não importa se as armas terminam nas mãos de crianças, que matam os colegas na escola ou o seu irmãozinho.) De tal forma os direitos individuais se sobrepõem aos direitos coletivos, que Obama não conseguiu, mesmo esgrimindo o massacre de crianças naquela escola dos EUA, limitar esse direito inalienável que os norte-americanos se reservam.



Segundo os preceitos liberais, se há separação de poderes, se há eleições periódicas, se há pluralidade de partidos, se há imprensa livre (atenção: para eles imprensa livre quer dizer imprensa privada), então haveria democracia. O liberalismo utiliza critérios institucionais, políticos, formais, para definir democracia. O próprio Brasil foi, durante muito tempo, o país mais desigual do mundo, porém passou a ser considerado democrático, quando passou a respeitar aqueles cânones, não importando que fosse uma ditadura econômica, social e cultural.



Hoje, quando o Brasil passa por um processo inédito de democratização social, as oligarquias se sentem ameaçadas. Já não controlam o governo nacional, perdem sistematicamente as eleições em nível nacional, sentem que camadas sociais que eram sempre postergadas por eles veem reconhecidos seus direitos e reagem de forma violenta.



Para que se torne efetivamente uma democracia, o Brasil precisa passar por um processo de democratização econômica, política e cultural. Precisa democratizar a economia, quebrando a hegemonia do capital especulativo, promovendo o predomínio dos investimentos produtivos, que gerem bens e empregos. Precisa promover amplamente a pequena e a média produção no campo, aquela que gera empregos e produz alimentos para o mercado interno.



Precisa democratizar as estruturas de representação política, promovendo o financiamento público das campanhas eleitorais, para que os parlamentos representam efetivamente a população, sem a intermediação falseadora do dinheiro.



Precisa democratizar o Judiciário, para que seja um órgão eleito e controlado pela cidadania e não pelas oligarquias do poder e da riqueza.



Precisa democratizar os processo de formação da opinião pública, quebrando o monopólio privado das poucas famílias que dominam de forma monopolista os meios de comunicação. Não se trata de que se impeça alguém de falar mas, ao contrário, que se permita que todos falem, pela multiplicação e diversificação dos distintos meios de comunicação.



A democracia é a maior ameaça ao poder das oligarquias tradicionais. Por isso reagem de maneira tão irada aos processos de democratização em curso na sociedade brasileira. 



Fonte: www.cartamaior.com.br







quarta-feira, 8 de maio de 2013

POR UMA REFORMA POLÍTICA DEBATIDA NAS RUAS


Por Rui Falcão

A história tem mostrado que o PT é um partido que luta pelo que acredita. E a luta tem sido boa para nós. Há 20 anos, quem apostaria em um operário, sem diploma universitário, presidente da República? E, com toda a carga de preconceito que enfrentamos, na eleição de uma mulher como presidenta? No caso da reforma política não será diferente.

Já está nas ruas uma campanha nacional em busca do apoio da sociedade. Com 1,5 milhão de assinaturas de aprovação à nossa proposta, sustentaremos um projeto de lei de iniciativa popular.

Não aceitamos que a reforma política se limite à coincidência de datas das eleições. E temos a convicção de que essa é a hora para um movimento mais amplo.

A coleta de assinaturas permitirá dialogar com a população e mostrar que sem partidos políticos autênticos sofre a democracia. A campanha possibilitará fortalecer o compromisso da sociedade com a gestão da coisa pública, que começa no momento do voto.

O PT tem credibilidade, porque, apesar de todas as campanhas feitas contra nós, as pesquisas mostram que não perdemos a confiança das pessoas. Quando se fala em partido, fala-se em PT -- mesmo com a tentativa de se colocar todos na vala comum.

É fundamental a aprovação do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais, que é a base da nossa proposta de reforma. Trata-se do melhor meio para acabar com a influência do poder econômico, que dificulta o exercício pleno da soberania popular por meio do voto livre. Ajuda, também, no combate à corrupção, ao quebrar a conhecida simbiose entre doação privada de campanha e as contrapartidas de certos políticos, após a eleição, à custa dos cofres públicos.

Existe ainda um efeito colateral benéfico do financiamento público exclusivo: o barateamento das campanhas eleitorais. Sim, porque os recursos serão finitos, cada partido com a sua fatia.

Nossa campanha propõe um avanço: a obrigatoriedade das listas partidárias, elaboradas democraticamente pelos partidos, com a paridade de gênero, alternando homens e mulheres. As listas vinculam o voto a programas partidários e não apenas a pessoas. E a paridade garantirá uma maior participação das mulheres na política, corrigindo uma grave distorção: elas são maioria na sociedade, mas têm presença ainda irrisória na política.

Para garantir uma reforma política ampla, propomos a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte específica. Quem for eleito exclusivamente para aquele fim não ficará apegado à preocupação de alterar o sistema político eleitoral, visto que seu mandato se esgotará ao término da Constituinte.

E ainda será possível corrigir uma distorção gritante no Congresso, onde há uma subrepresentação de alguns Estados. Na democracia representativa, é preciso vigorar o princípio de uma pessoa, um voto.

O PT nunca se curvou ao senso comum. Nunca desertou do bom combate, por mais ingente que parecesse. Foi com esse espírito que saímos às ruas pelas Diretas-Já. Foi com esse espírito que promovemos, em dez anos de governo, transformações profundas para melhorar a vida de milhões de brasileiros e brasileiras. E com esse espírito venceremos o discurso fácil de que a reforma política é impossível.



Rui Falcão é presidente nacional do PT e deputado estadual (SP)



Fonte: Folha de São Paulo

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A EPOPÉIA DO TEIMOSO INTRÉPIDO




Por Romeu Duarte


“Não, a cidade não é assim”, pensou ele, “não do jeito que aquele mau caráter escreveu no jornal”. “Esses intelectuais são uns pessimistas, aves de mau agouro, adoram exagerar o lado ruim das coisas, amam criticar tudo o que lhes aparece na frente, não têm proposta para nada, conheço bem essa raça”, ruminava, enquanto decidia o que fazer naquela tarde. Agenda cumprida pela manhã, tinha agora o período vespertino todinho para provar que aquele cronista enjoado nada mais era que um farsante, um sujeito que esculhambava a pobre Fortaleza para tentar dar ares literários à sua reles prosa. “Um fuleiro, isto sim!”, bradava silenciosamente aos seus invisíveis botões, “Ninguém jogará a minha lourinha na rua da amargura!”.



“Sabe o que vou fazer para desmascarar esse escritorzinho de meia-tigela?”, disse de si para consigo, “Simples: vou dar uma voltinha aqui no São João do Tauape, que é um bairro simples porém honesto, circulo por algumas poucas quadras, fotografo o que vejo e depois mando um texto para o jornal junto com as fotos. Tiro e queda! A cidade é suja, desordenada, desigual, com engarrafamentos mil etc., ô ladainha chata! Aí dentro, verme, vá azalar o cão! Mando ver no contraditório só de mal. Minha cidade é só a massa!”. Com esse firme propósito no quengo, deu início ao seu vingativo périplo, inaugurando-o com uma violenta topada que bruscamente o lançou ao chão. “Égua, esse desnível na calçada é cruel, lá se foi o chaboque do dedão, ai...”. Levantando-se, seguiu mancando em busca do seu objetivo.



“O diabo é quem anda uma hora dessas por aqui. Calor brabo, mal dei os primeiros passos e já estou todo suado. Também, não tem uma árvore. Em compensação, o que tem de out-door e placa... Eu me abro é do povo esperando ônibus, todo mundo enfileirado aproveitando a sombra do poste. Ô canelau pra sofrer...”. De repente, o bólido prateado do ano, na contramão para escapar de algum engarrafamento, raspou a coxia empoçada com as sujas águas do fim de abril, dando um banho mal-cheiroso no nosso urbano explorador. “Tu vai ver, fidumaégua, tu vai barroar lá na frente com o Circular 2!”, rugiu ele inutilmente para o motorista do veículo, certamente gargalhando da presepada cometida. “A camisa branca zerada toda listrada de lama, igual à do Time do Canal, e eu nem torço pela carniça...”, lamentou-se, xingando a exígua largura do passeio e culpando-a por seu infortúnio: “Calçadinha estreita essa, lai vai, e a negrada ainda bota os carros em cima. Ô povo bom de peia...”.



Mais à frente, dobrando a esquina, deparou com uma obra irregular em pleno curso, cujo canteiro havia incorporado sem cerimônia a calçada. “O que era, hein?”, perguntou-lhe o mestre, grosso que só papel de embrulhar prego. “Tá olhando o quê aqui, cara? Tu é fiscal da prefeitura? Tá querendo bola, né?”, inquiriu-lhe o proprietário do imóvel, do mesmo naipe do mestre. “Não, sou seu vizinho e quero lhe dizer que...”, começou a responder o nosso herói quando foi rispidamente cortado pelo promotor da marmota: “Que vizinho o quê, cara, tu tá querendo é criar problema pra mim. Curiosozinho você, né? Bola aqui não tem, mas bala tem e é muita...”, abarcou, acompanhado do seu disposto operário com um tijolo na mão. A muito custo, caxingando, dali escapuliu sofregamente para lá adiante novamente ir ao chão, ganhando dos seus algozes sonora vaia, no melhor estilo cearense. “Quem foi o miserável que botou essa escada e essa rampa de acesso de carro aqui? Agora, além do chaboque do outro dedão, lasquei os dois joelhos. O celular, só outro, adeus retratos. O que não dirá o povo lá de casa quando vir meu estado. Vão frescar com a minha cara: ‘Joelho ralado, né, bebê?’”, choramingou, quase desistindo do seu épico intento. “Não importa”, convenceu-se, “tenho que continuar, não posso fraquejar agora, isso são reveses episódicos, Fortaleza é um pudim de gentileza urbana, sigamos em frente”.



Outra esquina dobrada, deu com um grupo de catadores de lixo fazendo a coleta seletiva dos despejos de um bar, àquela hora fechado, que também havia tomado o passeio e ali instalado parte do seu salão, coberto por um amplo beiral do telhado. Ávidos por detritos plásticos, metálicos e de papel, espalhavam a esmo os restos orgânicos na via e na calçada-lounge. “Turma boa, isso aí não pode, vai encher de mosquito e depois...”, tentou argumentar, quando foi interrompido pelo líder da tropa: “Qual é, chefia, fica na tua, nós aqui sobrevivendo do lixo e tu ainda vem encher o saco da gente, cara? Isso aqui é social, doido, não fosse isso a gente podia estar aí na rua, assaltando, matando. Vai te lascar, abestado”, largou o manda-chuva, já se preparando com seus colegas para o conflito. Cansado de guerra, nosso infeliz aventureiro resolveu deixar a coisa por isso mesmo, ganhando o caminho de casa.



Já no umbral da moradia, refletiu: “Só pode ter sido azar. Peguei meu bairro num dia ruim. É isso, vou dar outra chance a ele. Para o inferno com aquele imitador de Aírton Monte! O que me invoca é eu não ter saído do meu quarteirão e ter passado por tudo isso”. Lá dentro, ouviu fracas palmas vindo de fora. Um mendigo. “Restinho de almoço, patrão, não almocei nem jantei”. Pegou uma palma de bananas-maçãs madurinhas e levou-a ao andrajoso pedinte. “Banana, é? Num tem outra coisa, não? Banana, taí uma frutinha que eu não gosto. É por isso que eu digo que é melhor roubar do que pedir...”.

POLO DE LAZER PRAIA DO FUTURO

Por Joaquim Cartaxo



Vira e mexe, ressurge a ideia de demolir as barracas da Praia do Futuro sem considerar sua transformação, ao longo do tempo, em polo popular de lazer e entretenimento, consumido intensamente nos finais de semana por cearenses e visitantes de outros estados.
Criado e consolidado espontaneamente, sua sustentabilidade está nas barracas que alguns querem destruir sob argumentos legais ou românticos de devolver à Praia do Futuro seu ambiente dos anos 1970, quando as barracas “Cristino” e “Chez Pierre” atraiam os que se aventuravam a frequentá-la e desfrutar de suas dunas em movimento.
Imaginá-la sem barracas é surrealismo socioeconômico e cultural nos dias de hoje. Parece coisa de quem não vivenciou aquele passado, mas o considera uma maravilha; nem frequenta o presente, porém avalia-o desastroso. Melhor dizendo, não comeu e nem come caranguejo na Praia do Futuro.
Ela não é um problema urbano. É uma oportunidade com o desafio de melhorar suas condições socioambientais, econômicas e culturais, bem como superar as carências de infraestrutura e equipamentos do bairro.
Passo importante na direção de vencê-lo é pactuar com os sujeitos políticos, sociais e do setor privado um plano urbanístico com ações e projetos, segundo prioridades de execução.
De imediato, pode-se propor demolição das barracas em ruínas e as abandonadas seguida da urbanização das áreas em que estavam construídas, visando aos frequentadores da Praia do Futuro segurança e conforto.
Outra medida: proibir a construção de mais barracas e as que ficarem será permitido apenas realizarem melhorias necessárias ao desempenho adequado de suas funções comerciais de equipamento de entretenimento. Portanto, não poderão ampliar sua área construída.
Em suma: limita-se número de barracas, demarca-se áreas construídas e cria-se novas áreas livres urbanizadas, solidifica-se o polo de lazer do bairro Praia do Futuro em vez de destruí-lo.


Joaquim Cartaxo é arquiteto urbanista e vice-presidente do PT/Ceará

Fonte: jornal O POVO



domingo, 5 de maio de 2013

O LUGAR DA MAIORIA


Por Paulo Moreira Leite



Depois que até o ministro Joaquim Barbosa denunciou a falta de pluralismo da imprensa brasileira e admitiu sua tendência "à direita," os cidadãos de têm mais um argumento para repensar o que se passa no país.


É preciso ter a coragem de entender que o Brasil ingressou numa fase mais aguda de conflito político, real e duradouro, que irá se prolongar até o final de 2014 e a sucessão presidencial.

E atenção. Caso as urnas confirmem aquilo que dizem as pesquisas de opinião, hoje, nem mesmo a vontade soberana do eleitorado pode ser suficiente para resolver esse conflito e garantir o retorno a um ambiente de paz política e respeito constitucional.


Isso porque assistimos a uma luta que, com o passar dos anos, e sucessivas derrotas da oposição, transformou-se, mais uma vez, numa luta contra a democracia. Não vamos nos iludir. As filigranas jurídicas não estão em debate.


O que se questiona hoje é o lugar da maioria, o direito da grande massa de brasileiros ter a ultima palavra sobre os destinos do país.


A questão é o Poder de Estado, a possibilidade de retrocesso ou de novos avanços no lento, modesto mas real processo de mudanças iniciado a partir de 2003, que envolveu a sexta maior econômica do planeta e o destino de uma região cada vez mais relevante no planeta, a América do Sul.


A fraqueza até agora insolúvel da oposição, sua dificuldade em convencer a maioria da população a lhe dar seu voto explica os movimentos cada vez mais ousados, as denúncias, os ataques sem fim.


Não é de estranhar uma nova radicalização conservadora nas últimas semanas, capaz de envolver personalidades com passado democrático, como Pedro Simon, e mesmo personalidades com um passado digno de um presente melhor, como Marina Silva, capaz de ir à TV dizer obrigado a Gilmar Mendes, tornando-se a primeira candidata presidencial a agradecer a um ministro do STF como se tivesse recebido um favor.


Apesar da agitação em torno de eventuais presidenciáveis, novos, antigos e velhíssimos, a situação não mudou, pelo menos até agora.


A grande maioria do eleitorado continua dizendo monotonamente que está satisfeita com o que vê em sua casa e em seu destino. Pode ser tudo ilusão de ótica. Quem sabe seja puro marketing. Pode ser que tudo fique diferente até 2014.


Agora, isso não importa.


Os números estão ali, seja nas pesquisas encomendadas pelo governo, seja naqueles a que tem acesso a oposição. E este é o dado real, que alimenta cálculos e projetos.


Como uma porta-voz da própria imprensa com tendência “de direita”, nas palavras de Joaquim Barbosa, já admitiu, em 2010, o que se quer é dar oxigênio a políticos e concorrentes que não conseguem andar pelas próprias pernas.


É assim que os  lobos vestem elegantes ternos de cordeiro sem que ninguém se pergunte pelo trabalho dos alfaiates. Mentiras nem precisam ser repetidas mil vezes para se transformar em verdades. Basta que sejam embelezadas de modo falacioso e permanente. Basta que o veículo X repercuta o que disse o Y e que nem A, nem B nem C tenham disposição para conferir aquilo que disse Z – como é, aliás, tradição da imprensa brasileira com tendência “à direita” desde 1964, quando jornais e revistas se irmanaram para denunciar a subversão e a corrupção do governo Goulart.


E aí chegamos ao calendário atual da crise, ao batimento cardíaco de maio de 2013. Ameaçada, pela quarta vez consecutiva, de se mostrar incapaz de chegar ao governo pelo voto, o que se pretende é uma mudança pelo alto, sem o povo como protagonista – mas como espectador e  sujeito passivo.


Faz-se isso como opção estratégica, definida, concebida de modo científico e encaminhada com método e disciplina.


Num país onde o artigo 1 da Constituição diz que todo poder emana do povo, que o exerce através de representantes eleitos ou diretamente, procura-se colocar o STF em posição de supremacia em relação aos demais poderes.


Como se sua tarefa não fosse julgar a aplicação das leis, mas contribuir para sua confecção ou até mesmo para  bloquear leis existentes, votadas e aprovadas de acordo com os trâmites legais.


O STF vem sendo estimulado a tornar-se guardião da agenda conservadora do país, construindo-se  como fonte de poder político, acima dos demais.


Assume um ponto de vista liberal quando debate assuntos de natureza comportamental, como aborto e células tronco. Mantém-se conservador quanto aos grandes interesses econômicos e políticos.


Sua agenda dos próximos meses envolve muitas matérias de natureza econômica e o papel do Estado na economia.  Até uma emenda constitucional que cria subsídios ao ensino privado já chegou ao tribunal. A técnica sem-voto é assim. Já que não se tem força para chegar ao Planalto nem para fazer maioria no Congresso, tenta-se o STF – e azar de quem  tem voto popular. A finalidade é paralisar quem fala pela maioria.


No debate sobre royalties do petróleo, que, mesmo de forma enviesada, traduzia uma forma de conflito entre estados ricos e estados pobres, impediu-se o Congresso de exercer suas funções constitucionais. No debate sobre fundo partidário e tempo na TV, o risco de deixar a oposição sem um terceiro nome para tentar garantir o segundo turno inspirou o PSB, oposicionista, a pedir uma liminar que impede a votação de uma lei que cumpria absolutamente todas as exigências legais para ser debatida e votada. Concordo que a lei em questão pode ser chamada de casuística.  Sou contra restrições à liberdade de organização de partidos políticos, ainda que possa lembrar que o debate, no caso, não envolve risco de prisão para militantes de partidos não autorizados, como no passado, mas TV e $$$ público, mercadorias que não caem do céu.


Sem ser ingênuo lembro que nessa matéria o ponto de vista contrário também está impregnado do mesmo defeito.


A liminar beneficia a oposição em geral e uma presidenciável em particular, que tenta encontrar-se num terceiro  partido político em menos de uma década. Até agora nem conseguiu o numero de mínimo de filiados para montar a nova legenda. Jornais informam que está recorrendo a políticos de outros partidos que, aliados no vale-tudo para o segundo turno, tentam  dar uma mãozinha emprestando eleitores de seu próprio curral. Não é curioso?


O que se quer é atribuir ao Supremo funções que estão muito além de sua competência nos termos definidos pela legislação brasileira. Não adianta lembrar de países desenvolvidos como se eles fossem a solução para todos os males.


Até porque isso não é verdade. Para ficar num exemplo recente e decisivo. Ao se intrometer nas eleições de 2000 nos EUA, impedindo que os votos no Estado da Florida fossem recontados e conferidos pelos organismos competentes, a Suprema Corte republicana deu vitória a George W. Bush – empossando, com sua atitude, o pior governo norte-americano desde a independência, em 1776.


Inconformado com a decisão da Suprema Corte, o democrata Al Gore chegou a resistir por vários dias, recusando-se a reconhecer um resultado que não refletia a vontade popular. Acabou pressionado a renunciar e retirou-se da cena política. Alguém pode chamar isso de vitória da democracia? Exemplo a ser seguido?


Em situações como a do Brasil de hoje, a atuação dos meios comunicação ajuda a criar mocinhos e bandidos, permite desqualificar o adversário e impedir que todas as cartas sejam colocadas à mesa.


O vilão da vez, como se sabe, é o deputado Nazareno Fontelles, do PT do Piauí, autor da PEC 33, que, com base na soberania popular, garante ao Congresso a ultima palavra sobre as leis que vigoram no país.


Fontelles já foi chamado de “aloprado” e até de ser um tipo que faz “trabalho sujo”, além de outras barbaridades feias e vergonhosas, que servem apenas para abafar o debate político e esconder pontos importantes – a começar pelo fato de que o relator da PEC 33 foi um deputado tucano. (Este seria o que?)


Desmentindo outra mitologia sobre o tema, de que Fonteles produziu uma resposta ao mensalão, evita-se lembrar que o texto é de 2011, quando o julgamento sequer havia começado.


Conheço juristas de peso que têm críticas a PEC 33. Outros lhe dão sustentação integral.


O debate real é a soberania popular. E é desse ponto de vista que a discussão sobre a PEC 33 deve ser feita.


A pergunta, meus amigos, é simples. Consiste em saber quem deve ter a palavra final sobre os destinos do país. Vamos repetir: a Constituição diz, em seu artigo 1, que todo poder emana do povo, que exerce através de seus representantes eleitos ou mesmo diretamente.


Até os ministros do Supremo são escolhidos por quem tem voto. O presidente da República, que indica os nomes. O Senado, que os aprova.


Quem não gosta deste método de decisão deveria comprar o debate e convencer a maioria, concorda?


Paulo Moreira Leite, desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.

Fonte: http://www.istoe.com.br