Carolina Oms entrevista
Ricardo Berzoini
A
persistência da inflação próxima do teto da meta de 6,5%, combinada com uma
expectativa de crescimento de apenas 1% no PIB brasileiro, neste ano, levou a
economia para o centro do debate eleitoral. Diante desse quadro, o ministro das
Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, diz que o governo deve evitar que a
política monetária seja usada “de maneira demasiada” durante as discussões dos
próximos meses. Engenheiro, nascido em Juiz de Fora, que começou a carreira
política no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Berzoini é também deputado
federal, foi ministro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e é um dos
coordenadores da campanha de reeleição da presidenta Dilma Rousseff. Na visão
do ministro, o governo não deve cuidar apenas da inflação. “Além de olhar para
juros, câmbio e contas, o governo tem metas de emprego e renda dos
trabalhadores”, diz Berzoini nesta entrevista à DINHEIRO.
DINHEIRO
– Existe um projeto em tramitação no Senado que prevê a autonomia formal do
Banco Central (BC). O governo vai apoiá-lo?
RICARDO BERZOINI – Não. Não existe
nenhum espaço no Poder Público que possa ter autonomia absoluta em relação à
soberania popular, que é o voto. O Banco Central tem de ter certo grau de
independência técnica. Mas a pergunta que se coloca é: independente de quem?
DINHEIRO
– Em junho, a inflação estourou o teto da meta, de 6,5%. O governo se conformou
com uma inflação acima de 6%?
BERZOINI – Não. O governo
busca o centro da meta, mas há duas maneiras de se tratar a meta da inflação.
Uma é tratar como objetivo único da economia. Outra é tratar a meta combinada
com outros objetivos como emprego, renda dos trabalhadores, crescimento
econômico, investimento público e privado. Se o governo pudesse trazer a
inflação para 4,5% ao ano, traria, mas temos uma série de pressões inflacionárias.
Se você usar a política monetária de maneira demasiada, vai provocar uma
recessão. É importante ter um olho na inflação e outro na geração de emprego e
renda. A inflação incomoda os trabalhadores. Mas, para o trabalhador, pior do
que inflação é desemprego alto e arrocho salarial.
DINHEIRO
– Alguns analistas dizem que o atual cenário de crescimento baixo e inflação
alta pode levar a uma “estagflação”...
BERZOINI – É um exagero
falar em estagflação. Estamos em uma luta com duas metas. Uma é levar o
crescimento mais para cima; a outra é trazer a inflação mais para baixo. Por
que o Brasil não cresce? Estamos vivendo um cenário de desaceleração na Ásia,
de recessão na Europa, e os Estados Unidos estão em lenta recuperação. Não é
fácil crescer nesse cenário. É muito diferente de seis, sete anos atrás, quando
havia uma conjuntura internacional melhor, da qual a política econômica interna
pôde se aproveitar.
DINHEIRO
– Na política econômica interna, houve desonerações, pacotes de concessões e de
incentivos à indústria. E mesmo assim não foi suficiente.
BERZOINI – O governo agiu para
preservar a competitividade, como fez com a desoneração da folha de pagamentos.
Existem dois modelos para obter o retorno da competitividade. Há gente, que
está assessorando candidatos à Presidência, dizendo que precisamos acabar com o
ganho real de salário mínimo ou que é necessário aumentar o desemprego. Quem
diz isso quer jogar a conta para o trabalhador. Nós procuramos fazer movimentos
tributários ou de incentivo de crédito para permitir maior competitividade, sem
jogar a conta para a população.
DINHEIRO
– A confiança é outro componente importante do crescimento e ela está bastante
baixa. Há um problema no diálogo do governo com o empresariado?
BERZOINI – Uma parte dessa desconfiança
se dá fundamentalmente com o cenário mundial, onde houve queda na demanda e
aumento da competição. A relação entre o governo e o empresariado é de altos e
baixos. Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff reuniu o setor industrial no
Palácio do Planalto para anunciar medidas como a prorrogação do Reintegra, que
aumenta a competitividade, e a reação foi muito boa. O que faz o empresário
investir é a possibilidade de lucro. A presidenta tem inaugurado várias obras
logísticas que buscam a retomada do crescimento.
DINHEIRO
– Então as medidas que podem impulsionar o crescimento já estão sendo tomadas?
BERZOINI – Evidentemente, sempre há
outras medidas a serem tomadas. Por exemplo, quando lançou sua candidatura à
reeleição, a presidenta criou um programa de desburocratização da atividade
produtiva. Ainda há muito a se fazer para que o Brasil seja um país com menos
documentos, menos burocracia e que exija menos tempo para a tramitação de
processos no Poder Público.
DINHEIRO
– O sr. participa da coordenação da campanha para a reeleição. A presidenta não
vai anunciar seus planos para a economia em um possível segundo mandato, antes
das eleições?
BERZOINI – Ela vai
apresentar suas propostas para o País em todas as áreas. Na economia, já tem o
trabalho do governo, em curso, e nossa avaliação é de que temos alcançado um
bom resultado. Temos impedido uma depreciação da massa salarial, do salário
mínimo e do emprego. Isso, para o empresariado, significa mercado interno, que
assegura demanda.
DINHEIRO
– Nas eleições anteriores, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a
presidenta Dilma colocaram a reforma tributária como prioridade. Esse discurso,
hoje, só é visto entre os candidatos da oposição. O PT desistiu de fazer essa
reforma?
BERZOINI – A grande reforma
tributária brasileira passa pelo pacto federativo, que envolve tributos,
competências e prerrogativas. O tributo mais distorcido do Brasil é o Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é arrecadado pelos
Estados. Sem reforma do ICMS, teríamos uma reforma de mentira. Durante dois
governos nós trabalhamos nesse sentido e esbarramos na oposição dos
governadores. Esse é um dos objetivos deste governo, mas não queremos iludir as
pessoas dizendo que reforma tributária é algo genérico.
DINHEIRO
– O governo abandonou o tripé macroeconômico, baseado no regime de metas de
inflação, câmbio flutuante e superávit primário?
BERZOINI – Além de olhar
para juros, câmbio e contas, o governo tem metas de emprego e renda dos
trabalhadores. Temos de olhar para o PIB social, onde o Brasil está muito bem
posicionado. Hoje, temos o menor desemprego da história e 11 anos de
crescimento contínuo da renda dos trabalhadores.
DINHEIRO
– Uma das estratégias para controlar a inflação neste governo tem sido o uso
dos preços administrados. Mas ela tem prejudicado as estatais, principalmente a
Petrobras...
BERZOINI – A Petrobras está
tendo lucro. Talvez não o lucro que o mercado acionário esperava. Mas devemos
deixar uma empresa estatal ao sabor do mercado ou combinar o interesse do mercado
com o interesse público? A alternativa seria aumentar o preço da gasolina
seguindo o preço do mercado internacional. Eu sou contra essa política. A
Petrobras foi criada com dinheiro público para fazer a política de soberania
energética do nosso país. Quando se fala que a empresa está com o caixa
apertado, é porque ela investe. Essa é a questão que diferencia a nossa gestão
de outras que gostariam de colocar a Petrobras a reboque dos interesses do
mercado acionário e não da população.
DINHEIRO
– Essa imagem de intervencionista do governo é correta?
BERZOINI – É um governo
atuante. O governo anterior ao do PT só cuidava da macroeconomia. E mal. O
atual cuida da macroeconomia, da microeconomia, incentiva os bancos públicos a
darem crédito com taxas menores, coloca o BNDES a serviço do emprego, a
Petrobras a serviço da soberania energética no petróleo, a Eletrobras a serviço
da soberania no setor elétrico e investe em novas fontes de geração de energia.
É um governo que busca construir aquilo que está ao seu alcance. Tanto não é
intervencionista que os setores financeiro, imobiliário e de consumo são
regulados pelo próprio mercado. Onde que o governo interveio e distorceu o
mercado? Eu não vejo.
DINHEIRO
– O sr. tem sido um defensor da regulamentação da mídia, mas esse ponto foi
retirado do programa de governo da presidenta Dilma. Esse tema não será tratado
em um segundo mandato?
BERZOINI – No programa, precisamos
colocar aquilo que é consenso entre os partidos da coligação (PT, PMDB, PDT, PC
do B, PP, PR, PSD, PROS e PRB). O PT defende a regulamentação como meio de
garantia à mais ampla liberdade de expressão, sem nenhum veio autoritário ou
intervenção no conteúdo. A Constituição já prevê a função social da mídia e os
direitos do cidadão perante um setor econômico que muitas vezes tem distorções.
Mas nem todos os partidos da base defendem isso, então não dá para colocar no
programa de governo.
DINHEIRO
– A reforma política é uma das prioridades?
BERZOINI – Sim, mas com a
compreensão de que ela não se faz só a partir do Legislativo e do Executivo. É
preciso a mobilização da sociedade civil. A tendência de quem está no mundo
político é quase sempre da inércia, que acaba levando à paralisia. Quem se
elege pelas regras atuais acaba se acostumando com elas. Tem de haver um amplo
processo de mobilização popular e as manifestações do ano passado passaram a
sensação de baixa representatividade. Isso se responde com mais democracia,
mais participação popular, acesso ao poder público e visibilidade. A internet é
um canal maravilhoso para isso.
DINHEIRO – A derrota da Seleção na Copa
pode afetar de alguma maneira a reeleição da presidenta Dilma Rousseff?
BERZOINI – Historicamente, a população sempre soube distinguir bem o
desempenho da Seleção e as eleições. É fato que antes da Copa havia uma
cobrança enorme quanto à capacidade de os governos prepararem o País e as
cidades-sede para receber um evento dessa magnitude. No entanto, o Poder
Público e a iniciativa privada mostraram um resultado que pôde ser sentido no
dia a dia do torneio, que teve mais de um milhão de turistas, pontualidade dos
voos, transporte aos estádios, segurança e até a atuação da polícia na
investigação de fraudes com a venda e repasses de ingressos. Não tenho a ilusão
de que fomos perfeitos, mas o resultado para o Brasil é altamente satisfatório.
Infelizmente, a Seleção esteve muito abaixo da nossa tradição, mas isso não
afeta a decisão política dos eleitores.
Fonte: http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/entrevistas/20140718/pior-que-inflacao-desemprego-alto-arrocho-salarial/172876.shtml