A morte de um escritor desperta em seus leitores um
lamento pleno de saudade e reconhecimento. Sua voz calada, sua escrita
bruscamente interrompida representam, além da perda e do luto para aqueles que
o pranteiam, uma indagação à língua e à literatura: como estas seguirão adiante
sem a sua contribuição? Neste surpreendentemente aziago julho, já em seus estertores,
perdemos não só um, mas três autores de muito boa cepa. Pela ordem cronológica
de partida, Ivan Junqueira, João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna. Todos, cada
um a seu modo, intérpretes do Brasil, do seu povo, dos seus falares, mestres em
prosa e rima, o erudito e o popular como faces da mesma mestiça moeda. Todos
acadêmicos, no que essa palavra ainda tem de bom. Imortais, mesmo assim o chão
os engoliu.
Poeta e tradutor, Ivan Junqueira quase foi médico e
filósofo. Para muitos, um poeta de poetas, culto e refinado, infelizmente pouco
lido, entretanto multipremiado. Tradutor de Baudelaire, Leopardi e Eliot, fui à
obra poética deste último gigante introduzido por um grande trabalho seu,
“Poesia”, o prazer de saborear os Quatro Quartetos em meio à Terra Desolada.
Sucedendo a João Cabral de Melo Neto, ocupava desde 2000 a cadeira 37 da ABL,
que tem como patrono o árcade Tomás Antônio Gonzaga e Silva Ramos como seu primeiro
ocupante. Canta, bardo, tua canção bela e doída: “...Foram damas tais ossos,
foram reis e príncipes e bispos e donzelas, mas de todos a morte apenas fez a
tábua rasa do asco e das mazelas. E aí, na areia anônima, eles moram. Ninguém
os escuta. Os ossos choram”.
João Ubaldo nunca deixou de ser o morador
despreocupado da ilha de Itaparica, nu da cintura para cima, calção frouxo, a
gaiola com o curió numa mão e o copo de cana na outra. Sucedendo a Carlos
Castello Branco, respondia desde 1993 pela cadeira 34 da ABL, cujo defensor é
Sousa Caldas, tendo sido Pereira da Silva seu primeiro usuário. Polígrafo, fez
também seus personagens e tramas apimentadas incursionarem com sucesso pela
televisão, cinema e teatro. Ganhador do Camões em 2008, o mais importante
prêmio literário do idioma português, dele disse seu colega de academia Antônio
Olinto: “Mas como falar deste país sem o lanho do humor? Em tudo insere João
Ubaldo a visão do humorista, que vê o que não aparece, identifica a nudez das
gentes, entende os pensamentos ocultos”.
Ariano Suassuna foi o inventor do Nordeste
armorial, ponta-de-lança da cultura do agreste e da zona da mata, protetor
perpétuo do ôxente nas refregas deste contra o ok. Último dono da cadeira 32 da
ABL, protegida por Manuel de Araújo Porto Alegre e inaugurada por Carlos de
Laet, substituiu Genolino Amado em 1989. Famoso pelas freqüentadas e polêmicas aulas-espetáculo,
nas quais defendia ardorosamente seus pontos de vista (para alguns,
reacionários) com um sonoro e provocante sotaque pernambucano da gema,
influenciou um sem número de artistas, fazendo tanto discípulos quanto contrários.
João Grilo medievalmente doente pelo Sport, crítico do país dividido entre
privilegiados e despossuídos, dizia: “Arte para mim não é produto de mercado.
Podem me chamar de romântico. Arte para mim é missão, vocação e festa”.
Esse triste cortejo fúnebre de defuntos craques da
pena lança luzes sobre uma misteriosa e mais que centenária instituição, a
Academia Brasileira de Letras. Fundada em 1897 por Machado de Assis e por gente
do naipe de um Joaquim Nabuco e de um Rui Barbosa, o velho sodalício hoje
atravessa um mau momento, marcado por sua irrelevância na vida cultural
brasileira, pelo seu anacronismo e, lamentável, pela presença em seus assentos
de vários membros destituídos da mínima qualificação literária. Antes que Veronika
decida morrer, picada por marimbondos de fogo, e que o feitiço se volte contra
o feiticeiro, quem viver verá: as três vagas abertas irão atiçar a cobiça de mil
bichos-literatos de unha e orelha, de poucas letras e muita empáfia. Teremos
mais uma infausta surpresa na Casa do Bruxo do Cosme Velho?
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