quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Veja e suas capas eleitorais - 1994/2010


Washington Araújo

Há algum tempo nutri a curiosidade de saber como Veja – a revista semanal de informação com maior circulação no país – produziu suas capas nas duas últimas semanas dos pleitos presidenciais de 1994, 1998, 2006 e este mais recente de 2010. Parece que o baú de Veja não guarda truques novos. Apostar no medo, no pânico da população está sempre ao alcance de suas mãos. Também soa extemporâneo declarar o óbvio sobre quem “dividiu o país” e quem “fará o país funcionar”.


Vez por outra sinto-me inclinado a observar como a história do Brasil é contada através do cotejo de capas e manchetes dos principais jornais e revistas do país em momentos singulares de nossa história política e social. Há algum tempo nutri a curiosidade de saber como Veja – a revista semanal de informação com maior circulação no país – produziu suas capas nas duas últimas semanas dos pleitos presidenciais de 1994, 1998, 2006 e este mais recente de 2010.

A edição de Veja n° 1389, de 28/9/1994, trazia um macaco na capa e a manchete “O elo perdido” e o educativo subtítulo “pesquisadores descobrem na África o ancestral do homem mais próximo dos macacos”. O sucesso do Plano Real era de tal magnitude que a revista se abstinha de tratar do assunto mais impactante (e palpitante!) do ano, do mês e da quinzena: a eleição presidencial. Mas, faltando apenas uma semana para o dia da eleição, a revista da Abril não conseguiu controlar sua ansiedade e resolveu transformar em panfleto sua última edição antes de os votos serem lançados na urna. É emblemática a capa da Veja (1360, de 5/10/1994) trazendo a ilustração de uma mão colocando o voto em uma urna e a manchete “O que o eleitor quer: Ordem, Continuidade e Prudência – O que o eleitor não quer: Salvador da Pátria, Pacotes e Escândalos”.

Todo o palavreado poderia ser descrito em apenas nove letras: Vote em FHC.

Quatro anos depois, novo pleito presidencial. A grande novidade dessas eleições – e também o maior escândalo político-financeiro do ano – foi a introdução na política brasileira do instituto da reeleição. A penúltima capa de Veja antes das eleições (1566, de 30/9/1998) trazia a imagem de um executivo engravatado e com a cabeça de madeira. Ou sejam, óleo de peroba é bom quando é para lustrar a cara-de-pau dos outros. A manchete colocava todos os políticos no mesmo balaio de gatos: “Por que o Brasil desconfia dos políticos” e o subtítulo “Os melhores e os piores deputados e senadores às vésperas das eleições”. Desnecessário dizer qual o critério de valoração utilizado pela revista. Se a capa anterior tratava de fincar o prego, na semana das eleições a revista tratava de lhe entortar a ponta.

E assim, sem qualquer melindre, sem ninguém para lhe chamar de governista ou para denunciar seu jornalismo como típico daquele produzido em comitê de campanha, a capa de Veja (1567, de 7/10/1998) trazia a foto de um sorridente Fernando Henrique Cardoso, fazendo o sinal de positivo com o polegar e a manchete “Agora é guerra”. Dificilmente uma imagem contraria tanto a mensagem escrita quanto esta. É que ninguém vai para a guerra sorrindo de orelha a orelha e cheio de otimismo. Mas foi essa a imagem escolhida pelo carro-chefe das revistas da Abril. A opção preferencial da revista ficava bem em alto relevo nos subtítulos: “O desafio de FHC reeleito é impedir que a crise afunde o Brasil do Real – A mexida secreta na Previdência – As outras medidas que vêm por aí – Em maio ele pensou em desistir da reeleição”. Bem no estilo Jean-Paul Sartre para quem “o inferno são os outros”, Veja acenava com o paraíso a ser conquistado com a reeleição de seu presidente e carregava na cores do medo ao pintar um cenário em que o Plano Real afundaria e com este o país como um todo.

Nada como a constatação do filósofo contemporâneo Cazuza (1958-1990) de que realmente “o tempo não para”. Novo pleito presidencial. Estamos em 2002. Na semana em que se realizaria o primeiro turno a capa de Veja (1773, de 16/10/2002) trazia fotomontagem de dinossauros com cabeças de políticos simbolizando Quércia, Newton Cardoso, Brizola, Collor e Maluf. A manchete foi “O parque dos dinossauros” e uma tabuleta com o subtítulo “Estas espécies foram tiradas de circulação”. Como aprendiz de clarividente a revista não foi aprovada como os anos seguintes iriam mostrar: Quércia sempre manteve seu poder político em São Paulo (e em 2010 estava em vias de se eleger senador caso não tivesse enfrentado grave problema de saúde na reta final da campanha); Newton Cardoso foi eleito Deputado Federal em 2010; Brizola morreu; Collor foi absolvido pela Supremo Tribunal Federal dos vários episódios que culminaram com seu impeachment em 1992 e em 2006 foi eleito senador por Alagoas; Paulo Maluf foi eleito Deputado Federal em 2006 com a maior votação proporcional do país e reeleito em 2010 com a terceira maior votação de São Paulo.

Na semana em que se realizou o segundo turno para presidente da República em 2002, a capa da revista Veja (1774, de 23/10/2002) trazia ilustração e fotomontagem de cachorro na coleira com três cabeças – Marx, Trotsky e Lênin. A manchete: “O que querem os radicais do PT?”. Na lateral superior esquerda o alerta “Brasil – o risco de um calote na dívida”. Como subtítulo: “Entre os petistas, 30% são de alas revolucionárias. Ficaram silenciosos durante a campanha. Se Lula ganhar, vão cobrar a fatura. O PT diz que não paga”. Ainda assim, é comum que a revista se apresente ao país como revista independente, sem qualquer vínculo político-partidário, plural etc., etc., etc.

Chega 2006 e com ele mais um pleito presidencial. Deixemos de lado as capas nas duas semanas dos primeiro turno. A capa de Veja (1979, de 25/10/2006) trazia a foto (um tanto assustado) do filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e como a lhe fazer sombra a imagem em tons fantasmagórica do pai presidente. A manchete: “O ´Ronaldinho´ de Lula” e o subtítulo “O presidente comparou o filho empresário ao craque de futebol. Mas os dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só apareceram depois que o pai chegou ao Planalto”. As matérias internas eram compostos de livres exercícios de desconstrução da imagem do presidente candidato à reeleição.

Tudo o que podia existir de errado no país ao longo dos últimos quatro anos era creditado na conta de Luiz Inácio Lula da Silva. E o que, porventura, dera certo, estava creditado na conta de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, agora representado pelo candidato tucano Geraldo Alckmin. Este raciocínio, compartilhado não apenas pela revista da Abril, -- mas também pelos principais jornais e emissoras de rádio e tevê do país -- continua vigente até este ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na semana das eleições a capa de Veja (1980, de 01/11/2006) trazia duas cabeças de perfil – Alckmin e Lula, olhando em direções opostas. A manchete “Dois Brasis depois do voto?” Mais o subtítulo alarmista: “Os desafios do presidente eleito para unir um país dividido e fazer o Brasil funcionar”.

Parece que o baú de Veja não guarda truques novos. Apostar no medo, no pânico da população está sempre ao alcance de suas mãos. Também soa extemporâneo declarar o óbvio sobre quem “dividiu o país” e quem “fará o país funcionar”. Isso fica claro nas reportagens internas dessa edição.

Mudemos agora um pouco o padrão de análise a que me incumbi. Em relação ao pleito recém-concluído optei por destacar quatro capas de Veja, em sequência. Elas dizem à larga como a revista tomou partido ao longo dos últimos anos, como explicitou suas preferências partidárias e como encontrou fôlego para manter o discurso que é ‘politicamente independente e sem nenhum compromisso, a não ser perante ela própria e os seus leitores, e que não se identifica com nenhum partido ou grupo social’.

– Veja n° 2181, de 8/9/2010 trazia na capa a ilustração em primeiro plano de um polvo se enroscando no brasão da República. A aterrorizante imagem é realçada pelo fundo negro contra o qual é inserida a medonha ilustração. A manchete “O partido do polvo” e o subtítulo “A quebra de sigilo fiscal de filha de José Serra, é sintoma do avanço tentacular de interesses partidários e ideológicos sobre o estado brasileiro”. A revista pode até ter pudores de não dizer na capa quem é o seu candidato à presidência do Brasil mas não guarda nenhum pudor em satanizar quem, definitivamente, não merece seu respaldo.

– Veja n° 2182, de 15/9/2010 repetia na capa a mesma ilustração sendo que agora o polvo enrosca seus tentáculos em maços de dinheiro. Mudou o pano de fundo que agora é avermelhado. Manchete “Exclusivo – O polvo no poder”. Subtítulo “Empresário conta como obteve contratos de 84 milhões de reais no governo graças à intermediação do filho de Erenice Guerra, ministra-chefe da Casa Civil, que foi o braço direito de Dilma Rousseff”.

– Veja n° 2183, de 22/9/2010 tem novamente na capa o famoso molusco marinho da classe Cephalopoda lançando gigantescos tentáculos dentro do espelho d´água do Palácio do Planalto. Alguns tentáculos já se enroscando nas colunas projetadas por Oscar Niemeyer. A manchete: “A alegria do polvo”, um balão daqueles de revista em quadrinhos e delimitado por raios abarcava a interjeição “Caraca! Que dinheiro é esse?”. Ao lado longo texto explicativo sobre o autor da espantada locução: “Vinícius Castro, ex-funcionário da Casa Civil, ao abrir uma gaveta cheia de pacotes de dinheiro, na reação mais extraordinária do escândalo que derrubou Erenice Guerra”.

– Veja n° 2184, de 29/9/2010 mostra que os dias de celebridade do predador octopoda haviam terminado. Agora a capa reproduz página da Constituição Federal, onde se podia ler excertos do Art. 220 – Da Comunicação Social. Até aí nada demais. O que chama a atenção é uma estrela vermelha apunhalando a página. Coisa de ninja assassino lançando sua mais letal arma. Manchete: “A liberdade sob ataque”. Subtítulo: “A revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre”. Para uma revista que tanto preza a Constituição do Brasil resta lamenta a falta que fez nessa edição uma boa reportagem sobre a regulamentação dos cinco artigos constitucionais dedicados à Comunicação Social. Especialmente aquele de número 225. Sim, este mesmo!, o que inicia com estas palavras: “Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.”

A grande imprensa brasileira parece usar dicionário bem diferente daquele usado por cerca de 200 milhões de brasileiros. Palavras como isenção, apartidarismo, independência editorial, adesão à pluralidade de pensamento, parecem completamente divorciadas de seu significado real, aquele mais comezinho, aquele que figura logo no início de cada verbete. E quanto mais parte considerável da imprensa mais vistosa – essa que tem maior circulação, maior carteira de assinantes, maior audiência etc. - afirma ser uma coisa mais demonstra ser exatamente o seu bem acabado oposto. O fenômeno parece com crise de identidade tardia, constante e renitente. Quer ser algo que não é. E a todo custo. Custo que inclui credibilidade, responsabilidade.

E não é por outro motivo que ao longo do mês de setembro de 2010 pululavam no microblog twitter mensagens como esta de 16/9/2010 dizendo o seguinte: “Faltam 18 dias, 2 capas de Veja e 2 manchetes de domingo da Folha para as eleições em que o povo brasileiro mostrará sua força política.”

Pelo jeito como a realidade deu conta de dar seu recado os efeitos das capas foram absolutamente inócuas junto à população. Se eram destinadas a produzir um efeito X, terminaram por produzir um efeito Y. Tanto em 2002 quanto em 2006 e há poucas semanas, também em 2010. Talvez tenha chegado o momento de voltar a dedicar suas capas à busca do elo perdido, aquele que deve nos ligar indissoluvelmente ao macaco ou então direcionar suas energias para encontrar algo mais nobre como o Cálice Sagrado, o Santo Graal. Outra opção poderia ser investir na localização de lugares como Avalon nas cercanias das Ilhas Britânicas. Mas como Veja tem mostrado pendores para eternizar seres marinhos talvez tenha mais proveito se buscar vestígios da Atlântida. Uma pista: boas indicações foram deixadas por Platão (428 a.C. – 348 a.C.) em suas célebres obras "Timeu ou a Natureza" e "Crítias ou a Atlântida".

Fonte: wwww.cartamaior.com.br

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Alvenaria alternativa


A obra do arquiteto Vitor Lotufo
Edite Galote R. Carranza e Ricardo Carranza


“A arquitetura é um gesto. Nem todo movimento intencional do corpo humano é um gesto. Nem tão pouco se concebem como arquitetura todos os edifícios construídos de um propósito” (1).
Wittgenstein

Vitor Amaral Lotufo formou-se em 1967 pela FAU Mackenzie em uma década de profunda instabilidade política: otimismo simbolizado pela fundação de Brasília, comprometimento das instituições sob o golpe militar, mercado de trabalho próspero à custa de progressiva dívida externa; tais condicionantes ditaram um debate político truncado entre tradição, facções ideológicas e uma nova geração que viria assumir a ruptura de paradigma em todos os níveis culturais.

O ponto de partida de Lotufo foi, em princípio, previsível, considerando-se a sólida formação modernista legada pelo pai, o engenheiro-arquiteto Zenon Lotufo; entretanto, da construção do Parque do Ibirapuera, que acompanhou ainda menino, pois Zenon Lotufo era um dos arquitetos da equipe, à participação no escritório como arquiteto associado, o paradigma da arquitetura moderna sempre estivera presente no desenvolvimento profissional de Lotufo, embora dele viesse a se distanciar, contrariando o previsível, para investir em suas próprias ideias, tendo como ponto de partida a cúpula geodésica. Espírito inquieto, que a imagem zen parece contradizer, Lotufo irá trabalhar conceitos da arquitetura contemporânea aproximando vernacular e tecnologia sob o arco da techné.

Na década de 1970, o interesse pelo conhecimento levou Lotufo ao ensino e pesquisa. Estudou o dimensionamento da cúpula geodésica sistematizado por Buckminster Füller, incluindo detalhes construtivos, economia de meios e reciclagem de materiais. Da teoria à prática, seu binômio constante, empreende em 1979 o projeto da Casa de Botucatu, uma alternativa à tecnologia de materiais empregada nas geodésicas de Füller. A planta compacta, independente da estrutura, tem programa de 3 dormitórios, cozinha e banheiro ao redor da sala de jantar, implantada no centro do círculo. O novo sistema estrutural é contemplado com materiais mais modestos visando um objetivo de autossuficiência. São caibros de madeira aparelhados, aparafusados em módulos triangulares, fechamento em painéis mistos de madeira compensada e miolo de isopor, pintura à base de poliuretano. A economia de meios e redução do impacto ambiental vem com a adoção de materiais recicláveis, atitude embasada nos começos da sustentabilidade, e pelo gerenciamento do canteiro de obra.

Cogitava-se uma proposta para habitações econômicas, uma vez que o projeto poderia ser executado por um único profissional carpinteiro em três meses. Lotufo assumiria algumas propostas da obra O canteiro e o desenho, de Sérgio Ferro (2). O carpinteiro, por exemplo, expôs ao arquiteto sua prática sobre a fixação dos módulos de fechamento da geodésica, a ser executada, em sua opinião, de cima para baixo e não o contrário; a solução aceita é colocada em prática com resultado. Lotufo, ao preferir soluções construtivas mais próximas da realidade do canteiro; aproximando saber e fazer, reduz o papel da indústria, assumindo a escala artesanal em que o controle da obra repousa nas mãos do arquiteto. Essas ações, aparentemente menores, nos colocam diante do significado etimológico de arquitetura e, portanto, de sua perspectiva histórica. Não nos parece demasiado recordar que em grego architectonik significa – arquitetônico, arte do arquiteto, vocábulo do qual derivam arquitetura como arte de edificar, arte no sentido de techné, portanto fazer, ofício, e não artifício, este fundamento da pintura, literatura romanesca, etc., e enfim arquiteto – o que comanda a construção. Assim arquitetos como Lotufo atuam na origem do significado da profissão. Esta característica de construtor é destacada pelo professor Sylvio Sawaya:

“importante definir Vitor Lotufo como um grande arquiteto-construtor, que faz uma síntese das habilidades e possibilidades dos materiais e processos construtivos extremamente criativa e rica; a isto se associa uma relação geométrica muito forte, de expressão artística, com curvas, rotações, mandalas e por aí afora. Se há alguém, que nesses últimos trinta anos, avançou uma arquitetura entre nós, foi o Vitor” (3).

A casa de Botucatu tornou-se o ponto de inflexão na carreira de Lotufo. Nela materializa uma alternativa à Escola Brutalista Paulista, sem uma ideologia político partidária, sem uma diretriz rígida enfeixando adeptos, com materiais e técnicas fundados na adesão ao canteiro em oposição à indústria, neste caso sem uma total autonomia, mas em sintonia com a Sustentabilidade, filosofia que em nenhum outro momento histórico será tão premente, entendendo-se enfim que projeta o futuro do homem. A alternativa de Lotufo, entretanto, segue com a verdade dos materiais, talvez o único ponto de contato mantido em relação ao Brutalismo.

Ampliando suas pesquisas, em 1981 Lotufo publica Geodésicas & Cia, em coautoria com o arquiteto João Marcos A. Lopes (4). O compêndio trata das relações geométrico-estruturais via materiais e técnicas alternativos à geodésica serial de Füller. O tema é iluminado de vários pontos de vista: experimentos de Lotufo no meio acadêmico, habitações alternativas na comunidade semiagrária Drop City, EUA; projetos de Eládio Dieste e Hassam Fathy com obras em tijolo e adobe; em todos os casos, geometria e técnicas construtivas são uma constante. Outro aspecto importante é a proposta editorial. Desenhado à mão, com ilustrações de cartum e adoção de gírias, dirige-se a um público mais participativo. Conquistou espaço na área educacional com cursos em São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Salvador, entre outros. Seus conceitos foram aplicados no meio acadêmico, em aulas e ensaios de laboratório, amarrando geometria, cálculo estrutural e técnicas construtivas, principalmente na PUC-Campinas, onde Lotufo atuou durante mais de duas décadas.

Em 1975, Lotufo abre o Oficina de Arquitetura em sociedade com João Marcos A. Lopes e Wagner Germano. Novamente questões relativas à organização dos níveis de atividade, em um escritório de arquitetura, foram observadas. O Oficina revê o princípio de hierarquia, esta forma tradicional das organizações de trabalho, visando a cooperação entre arquitetos e clientes e a contribuição criativa da mão de obra.

Uma nova solução de geodésica é posta em prática na residência de Itapevi em 1981. Com 9,00m de diâmetro, o telhado é composto de um sistema estrutural de triângulos e hexágonos em madeira e telhas cerâmicas, tipo capa e canal, do topo aos peitoris das janelas. A maior parte da madeira utilizada veio de depósitos de demolição. Os dormitórios, localizados no pavimento superior, recebem a luz e o ar através de mansardas e claraboia. A entrada da residência é marcada por um arco de pedra e torre da lareira, quebrando, deliberadamente, com a geometria ideal da cúpula.

Os mesmos princípios, relativos à participação do cliente, técnicas e canteiro, conduzirão a concepção da residência Rebouças em 1985. A declividade do terreno levou à adoção de um partido em que os ambientes foram distribuídos em três níveis que correspondem a três blocos interligados: serviço e jantar, salas de estar e repouso. A residência também foi construída, em grande parte, com materiais de demolição. A pedra rústica foi adotada para muretas, pisos e escadas, pérgula em madeira na forma de paraboloide parabólico, vedos em tijolo de barro à vista, e jardim. Os operários opinaram na resolução de detalhes de pisos, muros e caixilharia.

O uso de um edifício pressupõe sua adequação. No entanto, a questão pode ser revista; hospitais, lojas ou residências, podem sofrer alterações no tempo, devido à manutenção, alteração de programa ou do tecido urbano. Em face da ampliação da Igreja Presbiteriana em 1987, Lotufo projetará um anexo, nos fundos do lote, em abóbadas de tijolos à vista na sua concavidade interna, revestidas externamente com argamassa aditivada e pintura impermeabilizante, vigas-calha em concreto aparente, colunas helicoidais em tijolos à vista. A abóbada bem executada atende às necessidades de estanqueidade e desempenho termo-acústico.

A Oficina de Arquitetura cumpriria seu ciclo em dez anos. Lotufo viaja a Grenoble, França, em 1985, participando de um intercâmbio acadêmico gerido pelo Professor Carlos Henrique Heck. O programa teve segmento com professores e alunos da PUC-Campinas.

Em 1989 Lotufo abre um novo escritório, o Oficina de Habitação. Consoante à iniciativa da administração municipal, iniciaram-se projetos de habitação social inseridos em Plano de Mutirões para a construção de conjuntos habitacionais em 1989. Com 131 casas, foi iniciado pela construção do centro comunitário, a fim de abrigar reuniões entre comunidade, técnicos e poder público, necessárias ao planejamento dos mutirões. Lotufo, dispondo de materiais como laje mista de blocos cerâmicos e vigotas de concreto, construiu coberturas em paraboloides parabólicos. A inclinação das lajes tornaria desnecessária a impermeabilização convencional, proporcionando melhor conforto devido ao pé-direito ampliado dos ambientes. O arquiteto colocava em prática que soluções inusuais podem ser executadas com mão de obra não especializada e materiais vulgares, com resultados superiores aos projetos insípidos praticados pelas companhias de habitação. A população de baixa renda, é escusado dizer, também é sensível ao desenho, à forma é à cor, como sabemos há uma identidade essencial entre casa e morador, em latim habito – significa morar e habitat – ele habita.

A residência Victor Rebouças, em 1991/1996, é mais um exemplo de interação entre arquiteto, cliente e canteiro de obra. O proprietário, que conhecia Lotufo desde a realização da casa dos pais, desejava materializar o sonho de uma casa “rústica como uma gruta”. Lotufo adotou um partido de volumetria recortada, favorável ao ar e à luz. Especificou materiais de demolição, construindo pilares de paralelepípedos, vedos em tijolo de barro à vista, e industrializados como vidrotil nos banheiros e piscina. Os espaços internos foram resolvidos através de cúpula, cobertura parabólica, pirâmide de vidro, arcos em tijolo de barro à vista, ricos de texturas e cores, amplos e iluminados. Anexo ao corpo principal da casa, um telhado paraboloide abriga um grande pátio-garagem.

O professor Carlos Lemos, autor de Cozinhas e Etc., costuma comentar em aula que os melhores fornos caipiras são construídos com terra de cupinzeiro, devido ao aglutinante existente na saliva do inseto. Em 2004, diante da presença de muitos cupinzeiros em seu sítio de Botucatu, Lotufo resolve dar um fim ao material e constrói um sobrado tradicional e sustentável; fundações e alvenarias em terra de cupinzeiro; circulação vertical a cargo de uma escada helicoidal em argamassa armada e uma pequena laje para o banheiro; executado em tábuas sobre vigas de madeira os dormitórios são distribuídos no andar superior. O telhado em telhas de barro sustenta as placas de aquecimento solar.

Em um edifício de escritórios com quatro pavimentos, em 2004, Lotufo, incansável na busca de novas soluções, exemplifica como a concepção arquitetônica pode permear todas as etapas de projeto. O edifício, implantado em um lote urbano de 5,00m de frente, foi concebido mediante duas paredes estruturais que descarregam sobre um radier em abóbada moldada in loco. As salas comerciais são interligadas por rampas ao redor de um vão central descoberto. Além das instalações convencionais, o abastecimento de água é suprido por uma cisterna. Trabalhando com materiais de demolição, vedos estruturais em tijolo à vista e um robusto quebra-sol em madeira determinam a expressão plástica do projeto.

Em 2005 o arquiteto projeta, em argamassa armada, uma residência com 56,00m², adequada a um programa de sala, dois dormitórios, banheiro, cozinha, e uma pequena área de serviço. Para uma solução em abóbadas nervuradas, o sistema foi resolvido mediante três modelos de formas: cobertura, topo da cobertura e pilares. As peças prontas, o arquiteto montou a edificação para verificar os encaixes, antes que fosse transportada para o local da implantação em Botucatu. A argamassa armada bem executada é impermeável, assim apenas as juntas das peças receberam impermeabilização. Os vedos, sem função estrutural, foram executados em tijolo de barro revestidos. Depois de habitada, um tecido de vegetações na cobertura contribui com as necessidades de conforto.

Contando com uma muito consistente experiência na arte de construir, a residência de campo Eduardo Manzano em 2007 é inteiramente projetada em tijolo de barro à vista, inclusive a cobertura na forma de tronco de pirâmide denteado, uma das tipologias desenvolvidas com êxito pelo arquiteto; a exceção ficou por conta da caixa d’água, um icosaedro em argamassa armada. A planta tem a distribuição dos dormitórios, estar e serviços ao redor da sala de jantar no centro de um octógono, forma que amplia as possibilidades de ar e luz. Recortes nas alvenarias permitiram também o recuo de aberturas nos dormitórios e sala de estar. Apesar do programa compacto, há sensação de espaço devido ao pé-direito ampliado dos ambientes.

Ao longo de sua trajetória, Lotufo manteve seus estudos da geometria associada ao dimensionamento estrutural. Reconsiderou o papel da representação do projeto, entendendo que a técnica é o meio fundamental às atividades de canteiro, e que o conjunto de suas peças gráficas dependerá sempre daquele meio. Via de regra, seu processo de projeto associa desenhos e modelos tridimensionais. De qualquer forma, considera o projeto executivo imprescindível, mas seu desenvolvimento, enquanto cortes e detalhes, pode ser resumido em favor de soluções adequadas à realidade do canteiro, recursos financeiros e mão de obra. O caminho de Lotufo exigirá pesquisa e prática em profundidade.

O Refeitório da Secretaria da Habitação de Osasco em 2008, enquanto espaço que melhor atendesse às necessidades de programa, livre de entraves de elementos estruturais, não foi encarado como meramente utilitário. A junção de abóbadas nervuradas em tijolo de barro, com um vão de 7,00m entre eixos, contribuiu para um ambiente de visuais contínuas e amplas. Garrafas de vidro, nos vãos das nervuras, fazem um jogo de luz que dilui os limites dos materiais. Mesmo em projetos de menor status, como um refeitório, o arquiteto tem sempre a preocupação em criar um ambiente de texturas, cores e luzes; a nós recorda o poeta: “a liberdade é uma conquista diária”, afirma Goethe.

No Sítio dos Anjos em 2008, em uma área semirrural, técnicas construtivas tradicionais foram associadas a novas soluções formais no projeto de residência para um pequeno grupo de sacerdotes. A planta, determinada por três quadrados imbricados pela diagonal, cria um jogo de arestas entre vedos em taipa de pilão e laje parabólica de cobertura. A experiência faz com que os materiais ganhem maior plasticidade nas mãos do arquiteto. No caso, uma treliça em ferro tijolo alivia o balanço de maior envergadura no principal eixo de acesso à obra. A professora Mônica Junqueira de Camargo avalia da seguinte forma:

“Lotufo propõe alternativas inéditas para intervenções complexas, seja pelos programas, seja pelos sítios onde são implantados. Vitor cria sob condições precárias, interfere em espaços consolidados e geralmente de ocupação informal, e ainda assim produz arquitetura, no sentido mais essencial do termo, isto é, de melhorar o habitat humano” (5).

O primeiro contato entre Lotufo e os missionários espiritanos ocorreu por volta de 1984. O Padre Patrick e Padre Airton foram ao Laboratório de Habitação da Faculdade de Belas Artes de São Paulo – LABHAB, em busca de apoio técnico para o Centro Cultural de Vila Prudente – CCVP. Lotufo integrava o corpo docente juntamente com Joan Villá, Yves de Freitas, Reginaldo L. N. Ronconi, João Marcos A. Lopes, Olair de Camilo, Raquel Rolnik, Nabil Bonduki, Antonio Carlos Santanna Jr, Carlos Roberto Andrade, Maria Amélia, Mauro Bondi, Marco A. Ossello, além da colaboração dos estudantes Ema Paula, Luis Caroprezzo, Maria Nelci Frangipani e Martha Genta; o coordenador do curso era o arquiteto Jorge Caron.

O laboratório foi mantido de maio de 1982 a março de 1986, quando interditado devido a uma crise político-administrativa entre instituição e corpo docente. Segundo Nabil Bonduki, a proposta do LABHAB “visava aproximar a Universidade e os Bairros populares” (6) e o modelo foi adotado em outras instituições de ensino, como o Habitafaus da FAUSantos, o Laboratório do Habitat na FAU PUC-Campinas e o Laboratório de Habitação do Núcleo de desenvolvimento de Criatividade da Unicamp, este conduzido pelo arquiteto Joan Villá, nas suas palavras:

“O laboratório não só veio a se constituir numa assessoria técnica, com as características necessárias para se adequar às necessidades e exigências dos movimentos de moradia, como organicamente, a partir de seu interior, foi rigorosamente pioneiro na construção de um saber e de uma prática profissionais que caracterizaram futuramente os técnicos da comunidade” (7).

Com o fim do LABHAB, o projeto do CCVP será retomado por Lotufo, Martha Genta e o engenheiro professor Yopanan Rebello, formando o núcleo técnico para a construção de uma creche. Lotufo então irá engajar-se em uma série de projetos entre 1990 a 2008.

A construção das unidades do CCVP, na dependência de doações escassas e irregulares, foi árdua. Os projetos foram alocados em seis unidades descontínuas típicas da autoconstrução, isto é, alvenaria de blocos cerâmicos vulgares sem revestimento, pilares concretados sem controle tecnológico, laje mista em vigotas de concreto e blocos cerâmicos, telhado de estrutura de madeira e telhas onduladas de fibrocimento.

Como princípio de racionalização, Lotufo empregará a técnica do ferro-tijolo sistematizada da seguinte forma: vergalhões de aço encurvados e chumbados nas suas extremidades são emparedados por tijolos tipo bi-queima, mais resistentes e impermeáveis, sustentados através de grampos metálicos durante a cura da argamassa. O sistema é artesanal e autossuficiente; exclui a necessidade de equipamentos e movimentação de caminhões betoneira, o que é desejável em função das características das intervenções, além de reduzir ou eliminar o uso de escoramentos ou formas de madeira.

Quanto às circulações verticais, na maioria das vezes, foi utilizada uma escada helicoidal desenvolvida por Lotufo. Construída em ferro-tijolo é apoiada em um único vergalhão chumbado no eixo central. Da maneira como é construída, a escada é um elemento autoportante, compacto e estável, sem a trepidação tão frequente em escadas desse tipo.

CCVP Milton Santos

Para a oficina de mosaicos os missionários conseguiram uma pequena habitação de 60.79m² de área em três pavimentos. Lotufo substituiu a cobertura existente por um tronco de pirâmide denteada com iluminação e ventilação zenitais permanentes. A solução é econômica em comparação às lajes de concreto armado impermeabilizadas. Neste projeto a circulação vertical foi resolvida por uma escada helicoidal, também desenvolvida por Lotufo, em argamassa armada. A escada é moldada in loco, com economia de material, mão de obra reduzida ao estritamente necessário e estrutura biapoiada.
CCVP Chico Mendes

A unidade de refeitório e cozinha foi implantada em uma habitação de dois pavimentos e área de 67.31m². Lotufo integrou os ambientes no pavimento térreo em um único salão, o que exigiu uma nova estrutura resolvida por um arco de tijolos de barro com a função de sustentar a laje do pavimento superior. Uma nova escada autoportante, em tijolos de barro argamassados, resolve a circulação vertical.

No pavimento superior os ambientes também são integrados. Duas pirâmides helicoidais, com iluminação e ventilação zenitais, revelaram-se eficientes para a sucção do ar quente da cozinha, ambas funcionando como grandes coifas. Estudantes das oficinas de mosaico executaram um mural para a fachada da edificação.

CCVP Nossa Senhora de Guadalupe

Para os espaços administrativos de apoio, foi adquirida uma habitação de três pavimentos com área de 183.13m². Lotufo demoliu parcialmente as paredes internas e as escadas existentes construindo arcos de sustentação às lajes do pavimento superior. A laje de cobertura teve solução em cúpula com raio de 4,20m, iluminação zenital e caixilho tipo rosácea. As paredes internas, a exemplo do projeto anterior, também receberam tratamento em murais de mosaicos executados pelos jovens da comunidade.

Salão e Capela São Patrício

A maior das unidades, uma habitação com 3 pavimentos e com 227,80m², possuía uma área livre nos fundos do lote, algo raro no espaço congestionado da favela, único espaço sem reformas projetado pelo arquiteto.

Esta unidade multidisciplinar destinada às artes marciais, danças e administração, terá pé-direito duplo, cerca de 5.20m, construído em abóbadas nervuradas de ferro-tijolo e garrafas de vidro.

No último pavimento, para um espaço tão exíguo quanto o da Capela São Patrício, Lotufo construiu uma abóbada em ferro-tijolo, vedos laterais em uma trama de tijolos assentados nos eixos horizontal e vertical, formando triângulos com garrafas coloridas incrustadas nos intervalos; com a finalidade de se constituir um vitral, o vedo posterior foi resolvido mediante trama de tijolos entrelaçados e fechamento em vidro martelado colorido. A luz filtrada, matéria essencial ao sagrado, modela o ambiente de forma inversa: “Os vitrais nunca se irisavam tanto como nos dias em que o sol se mostrava pouco, de modo que, por mais cinzento que estivesse o céu lá fora, tinha-se a certeza de que haveria bom tempo na igreja”, afirma Marcel Proust (8).

Escola de educação infantil São Francisco de Assis

Para a escola os missionários adquiriram uma habitação de dois pavimentos e área de 125m². No pavimento térreo, foram projetados dois novos sanitários e biblioteca com alvenaria de tijolos de barro e prateleiras de argamassa armada. No pavimento superior está localizada a grande sala de aula. Como estrutura auxiliar, um mezanino com a função de guarda de material escolar é apoiado sobre uma viga vagão de 5,00m de vão.

A cobertura, em laje mista de vigotas de concreto e blocos cerâmicos, teve solução inusual. Biapoiada no sentido transversal, se desenvolve através de curvaturas defasadas formando um shed no desvão entre as lâminas. O arquiteto riscou in loco as curvas da laje auxiliando o trabalho do pedreiro.

A comunidade também se apropriou do espaço com a execução de mosaicos e murais multicoloridos, reforçando o caráter lúdico dos espaços.

Pastoral Dom Oscar Romero

Localizado na rua central, defronte a Igreja Matriz, o Centro Pastoral Dom Oscar Romero conta com um programa de cerimônias religiosas, festas e apresentações musicais.

A edificação original com três pavimentos e área de 170.30 m², possuía quatro habitações. Para a implantação dessa unidade o arquiteto unificou os espaços, fazendo-se necessária a demolição das colunas centrais existentes e construção de sistema estrutural com novos apoios executados em colunas-feixe desenvolvidas a partir de arcos com a função de sustentar as lajes dos pavimentos. No último andar, as colunas-feixe formam paraboloides. Os tijolos assentados no sentido longitudinal acompanham a curvatura das barras de aço. Em intervalos não modulares, garrafas foram incrustadas nos vãos entre os tijolos. Na face externa, as abóbadas foram revestidas com argamassa e pintura impermeabilizante.

O professor Yopanan Rebello comenta os projetos do CCVP:

“São projetos muito bonitos e de grande audácia estrutural, usando formas em que prevalece a compressão, apropriadas ao uso de tijolos. São estruturas que o Vitor vem pesquisando, tendo um de seus restaurantes como exemplo dessa solução. No que me concerne, o Vitor sempre foi um admirador de Gaudí e usou muito os conceitos desse grande arquiteto catalão.”

Os espaços construídos por Lotufo, devido às formas, texturas e cores dos materiais, atenuaram a dura realidade dos espaços da favela. É notável a aceitação pela comunidade, observável nos trabalhos de mosaicos internos e externos às unidades, tornando mais agradáveis as ruas estreitas da favela, reivindicando uma urbanidade desejada, legítima e necessária. Igualmente notável o prestígio do mestre José Paulo Silva, responsável pela execução das unidades, junto à sua comunidade. Por outro lado, as obras de Lotufo, dadas as condicionantes, não alteraram o conjunto dominante de autoconstrução da comunidade. Entretanto, são intervenções capazes de favorecer a participação da população, do indivíduo como um valor a ser respeitado, vencendo limites materiais, realizando, longe das exclusivas ambições monumentais da profissão, uma beleza franciscana.

Na vertente teórica, Lotufo seguia com suas considerações a respeito da geometria, enquanto ramo da matemática, entendido como um ambiente de formas e desenhos mais compatível com a arquitetura, comparado aos esquemas gráficos adotados pela engenharia. Longe de qualquer divergência entre as profissões, ao arquiteto não basta saber qual o sistema estrutural mais adequado ou o limite de uma viga. Seu trabalho exige o domínio da forma enquanto estabilidade e plástica da concepção. O arquiteto não projeta em linha reta; é um constante ir e vir entre plástica, programa de necessidades, matérias e técnicas, escalas da cidade do lote e do homem, dados culturais, socioeconômicos, políticos, entre outros. Assim, o recurso gráfico-analógico, estudado por Lotufo, nos parece mais adequado ao universo de representação da arquitetura.

Em continuidade à sua pesquisa iniciada com Füller, Lotufo tem aprofundado suas pesquisas sobre as construções em cúpula, resultando na monografia Da natureza das estruturas (9). Nela retoma estudos baseados em Brunelleschi, Gaudí e Nervi, dissecando as várias modalidades de cúpula, no seu eterno devir entre teoria e techné.

Lotufo, ao transpor o moderno, opera uma síntese do saber-fazer, arco do barro ao tijolo, atuando como architektonic extemporâneo, assumindo riscos, avançando a obra na obra.

notas

[Publicado originalmente em AU, n. 194 maio 2010]

1
WITTGENSTEIN, Ludwig. Cultura e valor. Lisboa, Edições 70, 1996.

2
FERRO, Sérgio. O canteiro e o desenho. São Paulo, Projeto, 1979.

3
SAWAYA, Sylvio. Depoimento aos autores do artigo.

4
LOTUFO, Vitor Amaral; LOPES, João Marcos Almeida Lopes. Geodésicas & cia. São Paulo, Projeto, 1981.

5
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Depoimento aos autores do artigo.

6
BONDUKI, Nabil Georges. Criando territórios de utopia: a luta pela gestão popular em projetos habitacionais. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 1987, p. 13.

7
VILLÀ, Joan. A construção com componentes pré-fabricados cerâmicos: sistema construtivo desenvolvido entre 1984 e 1994. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2002, p. 43.

8
PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido. São Paulo, Folha de São Paulo, 2003.

9
LOTUFO, Vitor Amaral. Da natureza das estruturas. .

sobre os autores

Edite Galote R. Carranza é arquiteta e mestre pela FAU Mackenzie e doutoranda pela FAU USP. Diretora da G&C Arquitectônica e editora da Revista Eletrônica 5% arquitetura+arte

Ricardo Carranza é poeta, escritor, pintor, professor universitário. Arquiteto pela FAU Mackenzie e mestre pela FAU USP. Diretor da G&C Arquitectônica e editor da Revista Eletrônica 5% arquitetura+arte


Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.126/3659

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

PSDB, DEM e PPS: A direita raivosa

Texto de Adriano Gomes

As eleições passaram e o período pós-eleitoral demonstrou a verdadeira cara da direita no Brasil: raivosa, covarde e preconceituosa. A começar pelo próprio discurso de José Serra no dia 31 de outubro, que evocava a união da oposição e que a guerra estava apenas começando. O candidato derrotado deveria ao menos ter a atitude democrática de admitir a derrota e parabenizar a candidata eleita, como fez o seu próprio colega de partido: Geraldo Alckimin. Por mais, que muitos membros desta própria direita, como um leitor do meu blog, não admitam a existência de direita / esquerda, não há como negar que em todos os partes da sociedade, há sempre a presença de projetos opostos e variáveis a este projeto. Esta opção de projeto ficou bem clara nas eleições. De uma lado, um projeto que inclui privatizações, arrocho de contas públicas e de salários, construção de grandes obras ao invés de projetos sociais (para favorecer os que bancam a campanha), favorecimento as elites e cidades mais ricas e de estado mínimo, onde os interesses privados sejam maiores do que os interesses públicos. Do outro lado, há o projeto vencedor que incluiu ao longo de 8 anos, o emprego pleno, saúde, educação, habitação, inclusão social, economia sustentável e o estado como digno representante da população.

Nestas eleições, a posição ESQUERDA X DIREITA ficou bem clara e a direita, muito bem representada pelo PSDB, DEM e PPS demonstrou claramente a sua opção: Vencer a qualquer custo, mesmo que seja através da manipulação de massas e da força. A única coisa que esta direita não esperava era o aumento do nível de informação da população a ponto de barrar este projeto. A direita no Brasil tenta fazer ressurgir no Brasil a velha UDB, de sustentação da nossa ditadura e dos nossos conservadores. Também é uma tentativa de criação aqui do movimento conservador "Tea Party" americano, com todo o seu racismo e xenofobia. Isto ficou claro após o resultado das urnas. Logo que, no dia 31 de outubro, as 20:08 h foi anunciado o resultado oficial da eleição de Dilma Roussef para presidente do Brasil, começaram a chover no twitter e no facebook, xingamentos e ameaças contra os nordestinos e nortistas de setores da classe média e da alta burguesia de São Paulo. Mal sabem eles que mesmo sem os votos do Nordeste, Dilma venceria de toda a forma. Este tipo de preconceito, via web, foi usado em toda a campanha serrista, a mando, é claro da coordenadora de campanha via web do PSDB, Soninha Francine, do PPS. A baixaria chegou a tanto, que postaram no site VOTESERRA45, a poucos dias da campanha, um vídeo intitulado "2012 - o fim está próximo". O vídeo é profissional e teve o objetivo de semear o medo e o ódio. Todas estas baixarias de campanha, acabaram gerando esta reação dos liderados destes inconsequentes.

Não será um governo fácil, pois a direita, especialmente a raivosa que temos, nunca se satisfará com um governo que tenha preocupação com a inclusão, o emprego e a soberania nacional, pois definitivamente em nenhum do mundo, o pensamento neoliberal se preocupa com isto. Para isto, a maioria do povo brasileiro, elegeu governantes e parlamentares que estejam na defesa do novo governo e nos avanços sociais e econômicos do Governo Lula.

Saudações ao Brasil!


Adriano Gomes

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Niemeyer entrega projeto de monumento em homenagem a Pelé




Arquiteto Oscar Niemeyer é autor de edifício-monumento a Edson Arantes do Nascimento, Pelé, que será construído na cidade de Santos.

A finalidade era imortalizar um espaço cultural de Santos. As personagens eram dois autênticos gênios nacionais. Idealizador de Brasília desde o ponta-pé inicial, um deles acompanhou todos os lances da futura capital, além de bolar 300 projetos em 69 cidades de 20 estados brasileiros e emplacar, ainda, mais 150 projetos em 55 cidades de 27 países em quatro continentes. O outro alicerçou sua história de Atleta do Século desenhando o terreno com passadas que o elevaram ao nível de Campeão do Mundo em 1958, 1962 e 1970, bicampeão mundial de clubes pelo Santos, 10 vezes campeão paulista e 1.283 gols feitos em 67 países dos cinco continentes.

Oscar Niemeyer Soares Filho e Edson Arantes do Nascimento reuniram-se, na quinta-feira (4/11), para trocar ideias sobre a escultura que será erguida diante do Museu Pelé, em fase de construção pela Prefeitura Municipal de Santos (PMS), no Centro Histórico do município paulista. No encontro, o autor da obra apresentou o esboço ao Rei do Futebol e ao prefeito de Santos, João Paulo Papa, em seu escritório, no Rio, recebendo a aprovação do homenageado.

Detalhes do monumento

O soco no ar, tradicional comemoração de Pelé a cada gol e que eternizou o Rei do Futebol, também estará exposta no alto da escultura. A peça mantém as linhas curvas, característica marcante do arquiteto que projetou Brasília. A obra tem início com uma rampa, que contorna um globo, com acesso por pequena esplanada. No alto, o pulo no ar do maior jogador de todos os tempos aparece de forma vazada no concreto. O monumento ficará na área do entorno do museu.

"É muito bom ser homenageado em vida. E essa homenagem poderá ser vista pelas novas gerações por muito tempo", disse Pelé, que destacou a "tabelona" dele com Niemeyer e o trabalho da prefeitura para que o museu saísse do papel.

Já Niemeyer, que tem 102 anos, lembrou: "Pelé é um ídolo da juventude e do pessoal do meu tempo. Todo o mundo não irá esquecê-lo". E disse que a escultura de Pelé não poderia estar desacompanhada da bola, que é "ligada a ele".

O prefeito destacou que "Niemeyer está pondo sua genialidade a serviço desse projeto, que é uma homenagem que o Brasil deve ao Pelé". Ele salientou ainda que a escultura terá visibilidade plena do canal do porto e irá compor futuramente um dos principais pontos turísticos do país, juntamente com o Museu Pelé, revitalização das vias do entorno e a criação do complexo náutico e turístico Porto Valongo Santos. "Quando o Brasil receber a Copa do Mundo em 2014, Santos terá muito a oferecer aos milhares de turistas que estarão no país".

Papa também entregou a Niemeyer um exemplar do livro feito pela prefeitura sobre o Museu Pelé, com dedicatória do ex-jogador, e da obra 'Santos 462 anos - Um olhar sobre a cidade'.

Museu em vida

Disputado por cidades de todo planeta, o Museu Pelé está sendo instalado em um antigo casarão do Valongo, no Centro Histórico de Santos, cidade onde o talento do atleta foi revelado para o mundo. A obra vai preservar as fachadas do prédio, enquanto o interior terá uma arquitetura arrojada, com modernos recursos de Museologia. Projetado pela prefeitura, o empreendimento tem parceria do governo estadual, que cedeu o imóvel, e federal, que aprovou sua inclusão na Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, possibilitando a captação de recursos junto a iniciativa privada.

Com conclusão prevista para 2012, o espaço atrairá visitantes do mundo inteiro, qualificando o turismo regional e consolidando o programa municipal de incentivo à revitalização econômica e social do Centro Histórico, o Alegra Centro. O acervo foi cedido à cidade por Pelé, e inclui objetos pessoais, fotos, filmes, troféus e material impresso, entre outras relíquias.

A edificação, de 1865, foi sede da Câmara e prefeitura, e é tombada como patrimônio histórico. A obra está orçada em R$ 20 milhões. Entre os parceiros que já oficializaram sua participação estão o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), MRS Logística, Fosfertil, Ambev, Mitsubishi Eletric, Gerdau, Votorantim e Vivo.

Projeto arquitetônico

A edificação, de 1865, foi sede da Câmara e Prefeitura. O desgaste do tempo e alguns incêndios destruíram suas paredes internas e a cobertura, mas as fachadas estão preservadas, e serão totalmente restauradas em suas características originais.

Internamente, está previsto um espaço moderno, amplo e iluminado, onde o público poderá conhecer a trajetória do ‘Rei do Futebol’. O museu terá três blocos interligados. No central, com 550m², ficará a entrada e espaço para lojas, café e sanitários. Exposições temporárias, um auditório de 80 lugares, em forma de esfera e o setor administrativo compõem os 1.405 m² do bloco 1. E o bloco 2, de 1.232m2, abrigará o acervo de Pelé.

Fonte: www.vitruvius.com.br

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O desafio de continuar experimental



Fabio Cypriano

As artes plásticas brasileiras passam por um de seus períodos mais férteis e de maior visibilidade. Até o curador suíço Hans Ulrich Obrist – considerado a personalidade mais importante das artes no mundo, segundo a revista inglesa Artreview – anunciou, no ano passado, que vai estudar a produção nacional nos próximos dois anos, junto com um time de outros três curadores, entre eles o brasileiro Paulo Herkenhoff.

Eles vão organizar uma mostra, em 2012, que deve começar sua itinerância em São Paulo, paralelamente à 30ª Bienal de São Paulo, e depois seguir para prestigiadas instituições estrangeiras, como a Galeria Serpentine, de Londres, da qual Obrist é diretor, e o Museu de Arte Contemporânea de Lyon, na França, entre outros.

Esse tipo de exposição, que Obrist e seu time já tinham realizado sobre os Estados Unidos, China e Índia, não é apenas um sinal da importância crescente que o Brasil vem conquistando no exterior do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista artístico. Desde os anos 1960, a produção nacional deslocou-se de forma original dos movimentos modernistas europeus e norte-americanos para um tipo de arte que demanda um papel muito mais ativo do espectador em relação ao trabalho artístico.

O corpo na arte

Uma das grandes marcas do chamado processo civilizatório – tal como abordado por Norbert Elias, em seu clássico estudo O Processo Civilizador – é a domesticação e anestesiação dos sentidos, com o privilégio da visão e da razão sobre toda a complexidade da vida, o que é uma das principais características da cultura ocidental. Deslocando-se desse eixo, ao perceber que o corpo na cultura brasileira sempre assumiu um papel distinto, como, por exemplo, no Carnaval, artistas brasileiros buscaram estabelecer uma nova forma de relação com a arte.

Esse movimento nas artes plásticas – cujos grandes ícones são Hélio Oiticica e Lygia Clark – foi na verdade um pequeno recorte dentro de um espectro muito mais amplo, que tinha nas telas o engajamento do cinema novo, capitaneado por Glauber Rocha; nos palcos, o experimentalismo de José Celso Martinez Corrêa, com o Teatro Oficina; e, na música, a complexidade do tropicalismo, com Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre tantos outros.

Todos esses movimentos trilhavam os mesmos caminhos: por um lado, abordavam o que melhor traduzia a cultura brasileira, usando a antropofagia de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral como uma de suas grandes referências; por outro, visavam estimular, por meio da arte, uma participação ativa do espectador no contexto político e social.

Esse momento, de intensa originalidade no cenário internacional, sem dúvida foi rompido pelo golpe militar de 1964 e seu endurecimento, com o AI-5, em 1969, levando muitos artistas ao autoexílio, como Oiticica, que foi viver em Nova York, e Clark, em Paris.

Com o movimento de abertura política dos anos 1980 e o fim da diáspora dos artistas e intelectuais pela Europa e pelos Estados Unidos, o Brasil entrou em uma nova fase, que de certa forma, e por motivos óbvios, ignora o social, para glorificar o hedonismo. “Não existe pecado do lado de baixo do Equador”, cantava Ney Matogrosso no álbum Feitiço, de 1978, que vai nortear o comportamento na década seguinte.

Essa busca pelo prazer, contudo, não representa uma ruptura com a arte dos anos 1960, como muitos costumam apontar. Afinal, se a arte daquele momento pedia que todos os sentidos estivessem envolvidos, a busca pela liberdade não é uma contradição com essa intenção. Essa liberdade significou, para a chamada “Geração 80”, que até mesmo pintar era possível novamente, não no sentido tradicional, do cavalete e com a moldura tradicional, mas utilizando novos formatos e suportes, como tão bem explorou Leda Catunda, em toalhas e outros objetos, ou Iran do Espírito Santo, na própria parede.

Contudo, esse grupo, por razões mercadológicas, foi incluído no rótulo “a volta da pintura”, como se a marca fundamental desse período fosse esse gênero. Ora, desde o fim dos anos 1950, a pintura deixou de ser uma questão, já que a produção artística ganhou um caráter híbrido, ou seja, podia ser feita numa tela ou num fio de lã pendurado no teto.

No entanto, jornalistas ingênuos e mal informados, periodicamente, costumam ressuscitar a pintura, como se esse suporte de fato necessitasse de um espaço de reflexão próprio, quando isso significa contrariar todo o espírito da chamada produção pós-moderna, ou seja, após os anos 1950.

Da arte Autônoma às suas relações com o mundo
Desde então, seja no Brasil, seja no exterior, a arte abandonou a discussão moderna de seu caráter autônomo, para voltar a ter relações com o mundo, com seu contexto, com o observador. Assim, nos anos 1980, a arte não abandonou esse primado, apenas retomou algumas práticas, já que todas as fronteiras foram rompidas. Nesse sentido, Leonilson (1957-1993) vem sendo apontado como o grande destaque dessa geração, com forte reconhecimento internacional, como atestam suas obras incorporadas a coleções de importantes museus como o MoMA, de Nova York, a Tate, de Londres, e o Centro Pompidou, de Paris.

Leonilson é um ótimo exemplo dessa geração. Ele não só pintava como bordava, criava instalações, costurava e produzia objetos tridimensionais. O suporte não era uma questão, nem estava no centro de sua poética. Em seus trabalhos, arte e vida estão absolutamente integrados, pois o artista construía um mapeamento delicado de suas fragilidades como membro de um grupo constrangido pela ascensão da aids. Amor, prazer, amizade e desejo eram temas comuns em Leonilson, já num momento de refreamento do hedonismo que marcou o início de sua geração.

Ativação do espectador e engajamento

No entanto, existe outra linhagem na produção nacional, que seguiu abordando questões sociais, mesmo que a ideia da participação esteja, muitas vezes, mais vinculada à construção do trabalho do que à sua apresentação propriamente dita.

Rosângela Rennó (1962-) e Rivane Neuenschwander (1967-) são dois exemplos desse segundo caso. Apesar de muito distintas em suas estratégias dispositivas, ambas trabalham com a ideia de obra relacionada a objetos e imagens já existentes. Rennó, em alguns casos, cria partindo de arquivos; Neuenschwander realiza cartografias um tanto aleatórias, mas que significam mapeamentos possíveis no mundo contemporâneo. Ambas, no entanto, possuem obras que também pedem a participação do espectador, seja no leilão que Rennó organizou na 29ª Bienal de São Paulo, seja em (……….), 2004, que Neuenschwander apresentou na 52ª Bienal de Veneza, onde o público podia escrever cartas em sete máquinas de datilografia, mas que sempre continham o sinal “.”.

Esse balanço entre a ideia de ativação do espectador e a abordagem de questões sociais faz de Cildo Meireles (1948-) o artista brasileiro com maior reconhecimento no Brasil e no exterior, como se pode verificar na repercussão de sua mostra na Tate Modern, no ano passado.

Meireles reúne a tradição do engajamento da arte nos anos 1950 e 60, como se percebe na série Inserções em Circuitos Ideológicos, com as impressões de “Yankees go home” nas garrafas de Coca-cola, ou com a pergunta “Quem matou Herzog” carimbada em cédulas de dinheiro, com a criação de ambientes experienciais, como Desvio para o Vermelho (1967-1984), Missão, Missões (Como Construir Catedrais) (1987), Através (1983-1991) ou Babel (2001).

Ação social e ambientes interativos também repercutem na obra do carioca Ernesto Neto (1964-). Em suas obras instalativas, onde o visitante pode deixar seu corpo à vontade e ainda sentir o cheiro de especiarias, que tanto podem evocar o Natal para um europeu como os mercados populares para um brasileiro, Neto recupera a vontade de ativar todos os sentidos, como pretendiam Oiticica e Clark. Mas o artista tem ainda seu lado engajado dentro do próprio circuito da arte, por meio da galeria A Gentil Carioca, com os artistas-sócios Laura Lima e Marcio Botner, que criou uma nova cena de arte no Rio de Janeiro.

Tanto em Meireles como em Neto, Rennó e Neuenschwander constata-se que a matriz conceitual/experimental que costuma ser apontada em Oiticica e Clark nunca foi rompida, mas ganhou apenas novos contornos. Contudo, tanto Oiticica como Clark tendiam ao desaparecimento da obra artística, diluindo-a no cotidiano, radicalidade que se verifica em poucos artistas jovens, mas que tem em Renata Lucas a figura de maior repercussão, seja participando com trabalhos “invisíveis” da 27ª Bienal de São Paulo, em 2006, que justamente buscou ma- pear os “herdeiros” de Oiticica, seja na 53ª Bienal de Veneza, em 2009. Todas essas linhagens experimentais seguem sendo renovadas, atualmente, em artistas como Marcelo Cidade, André Komatsu e Carla Zaccagnini, entre tantos outros.

Essas experimentações todas, aliás, sempre estiveram expostas na Bienal de São Paulo, uma de suas grandes vitrines. Por outro lado, a fraqueza institucional dos museus brasileiros não acompanhou o mesmo processo, o que se constata em suas coleções: a aquisição é praticamente nula. Mesmo o colecionismo privado é limitado, e galeristas nacionais advertem que as obras mais importantes da produção nacional têm sido vendidas a colecionadores estrangeiros.

Nova fase

Agora, vislumbra-se uma nova fase. Com o mercado interno aquecido e o crescimento do interesse pelo Brasil no exterior, é de esperar que a produção nacional conquiste ainda outros patamares. Se por um lado essa produção, do ponto de vista comercial, está longe de se equiparar à produção internacional, sua prática, de fato, é muito mais sólida e consistente que a de outros paí-ses em ascensão, como Índia e China.

A arte praticada no Brasil, especialmente após os anos 1960, mas já visível em artistas precursores como Flávio de Carvalho (1899-1973), sempre representou uma alternativa original ao modernista europeu, que depois foi transferida ao grande império da segunda metade do século 20, os Estados Unidos.

Talvez, antes, a limitada inserção mercadológica e o distanciamento do Brasil dos centros de poder tenham ajudado a construir esse modelo alternativo, mesmo que o diálogo com a produção de ponta internacional tenha sido constante. O desafio agora é, participando do sistema como jogadores plenos, saber para onde os artistas brasileiros querem trilhar.
Fonte:


Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/

domingo, 31 de outubro de 2010

QUE A VERDADE VENÇA A MENTIRA

Domingo que a verdade vença a mentira. Nós estamos chegando na reta final da nossa campanha. Estamos a poucas horas de fazermos uma opção que é muito mais que eleitoral, mas de vida. Será uma opção daquilo que queremos para o presente e para o futuro dos nossos filhos e daqueles que virão depois de nós.
Por Edinho Silva
Sexta-feira, 29 de outubro de 2010

São dois projetos totalmente distintos colocados em disputa. De um lado, a continuidade e o aprofundamento das mudanças provocadas pelo Governo Lula. Do outro, o retrocesso, tudo aquilo que o Brasil vivenciou de forma sofrida durante o Governo FHC.

Nós sabemos que o projeto Lula e Dilma é o projeto da prosperidade, do crescimento econômico, da credibilidade internacional do Brasil. É o projeto que incluiu 28 milhões de brasileiros, tirando nossos irmãos da miséria e que fez com que mais de 30 milhões de trabalhadores ascendessem à classe media. O projeto que gerou mais de 14 milhões de empregos. O projeto do ProUni, do Minha Casa, Minha Vida e do Pré-sal, que é o passaporte para nosso futuro.

Do outro lado, o projeto FHC e Serra nós também sabemos o que representa: desmanche do Estado, o sucateamento das políticas públicas, o aumento da desigualdade social, o enfraquecimento econômico, a submissão aos organismos internacionais. Um Brasil sem credibilidade e que não cuida do seu povo.

Nós sabemos que o melhor para o país é Dilma, para que possamos ter a continuidade desse projeto que realiza os sonhos daqueles que acreditaram no Brasil para todos os brasileiros.

Entretanto, nessas eleições, ao contrário de tudo que conhecemos e vimos no Brasil, estamos disputando mais que um projeto político. Está em disputa também a democracia brasileira.

O que vimos nessas eleições, não tem comparativo. Não existe nada semelhante na história política brasileira. Vimos uma disputa eleitoral travada no submundo da política, nas trevas, na escuridão. Uma campanha de ataques, da desqualificação, da tentativa de destruição da imagem pública de forma covarde, sem que houvesse debate, a troca de ideias, o direito à defesa.

O que temos presenciado no último período é uma grande demonstração de tudo isso. Além da apreensão de panfletos ilegais apócrifos, de denúncias e inquéritos abertos contra os telemarketings com conteúdo difamatório da nossa candidata, vimos também ataques às nossas lideranças.

Os ataques feitos ao Deputado Estadual, Rui Falcão, devem ser repudiados por nós. Uma figura que doou sua vida para a construção da democracia, uma figura pública que ajudou a construir esse projeto vivenciado pelo povo brasileiro. Que foi líder da nossa bancada na Assembleia Legislativa, que ocupou a presidência nacional do PT, Alguém que só fez na sua vida lutar pelos sonhos da sua geração. Rui foi atacado sem que tivesse o direito ao contraditório, o direito de apresentar os seus argumentos e mostrar que tudo aquilo era mentira. Portanto, um ataque covarde.

Outro exemplo dessa tentativa de desqualificação das nossas lideranças são os ataques endereçados ao Gilberto Carvalho, que é exemplo de integridade para todos nós militantes do Partido dos Trabalhadores. É alguém que se dedicou integralmente na construção de uma sociedade marcada pela vida em abundância, alguém que vivência a sua fé e os ideais de uma sociedade sem exclusão social. Gilberto é uma pessoa que respira a ética, exemplo de postura solidária. Portanto, nenhuma dessas tentativas de atacar sua imagem, de desqualificá-lo publicamente, tem ressonância, por tudo aquilo que ele representa, pela sua história de vida. Gilberto Carvalho tem sido uma das figuras mais importantes na construção do governo do presidente Lula, pelo seu papel, pela sua função de Chefe de Gabinete. É nossa tarefa defende-lo e mostrar à sociedade que a verdade, mais uma vez, vai vencer a mentira.

Quero aqui também elencar os ataques feitos ao Pedro Abramovay e demonstrar minha solidariedade. Um jovem líder que tem também uma trajetória muito respeitada por todos nós. É o Ministro da Justiça mais jovem da história da República, já que ocupou esse cargo, quando o Ministro Tardo Genro precisou se afastar em viagem de trabalho.

Por último os ataques feitos ao José Vaccari Neto, nosso histórico sindicalista, construtor da CUT, tesoureiro do PT, militante pela construção de uma sociedade justa e igualitária. Na ânsia de atingir a candidatura Dilma e o PT, mais um companheiro é acusado sem ter o mínimo direito de defesa e sem que fatos fossem apresentados contra a sua conduta. Mais um que a sua história falará mais alto que as mentiras.

Todos esses são vitimas desse processo que se construiu nessas eleições. Um processo em que a destruição vale mais que as propostas; a desconstrução vale mais que os projetos para o Brasil.

Não podemos permitir que essa cultura política prospere. A vitória de Dilma significa, portanto, não só a continuidade desse projeto que está mudando a vida de milhões de brasileiros, mas representa também a vitória da verdade sobre a mentira. Com isso nós vamos impedir que métodos que só enfraquecem a democracia possam ser vitoriosos.

Se o submundo, as trevas da política for o método vitorioso, daqui para frente ninguém mais segura os pleitos eleitorais no Brasil, pois uma nova cultura política estará em construção onde o "vale-tudo" prevalecerá sobre a ética e a valorização da verdade, enfraquecendo as nossas instituições que garantem a democracia.

Concluo chamando a atenção dos companheiros, companheiras e todos aqueles que simpatizam com nossas propostas e ajudaram a construir essa história: encham o peito, levantem a cabeça, sintam orgulho desse projeto que tem colocado o Brasil de pé perante o mundo e que tem feito do nosso país uma Nação de igualdade de oportunidades.

Vamos, com garra, aquela mesma que fez com que transformássemos muitos sonhos em realidade, até domingo conversar, convencer com as nossas propostas os indecisos ou aqueles que não entenderam a real disputa dessa eleição e com isso, construir a nossa vitória.

Que possamos manter o Brasil nesse caminho e que a democracia, que foi construída com muito sofrimento, mortes e torturas, possa prevalecer e ser vitoriosa.

Dilma Presidente, em nome do projeto de um Brasil forte e justo, em nome da verdade e da democracia brasileira.

Edinho Silva, ex-prefeito de Araraquara (2001-2008), deputado estadual eleito e Presidente do PT/SP.

DISCURSO DO PRESIDENTE LULA (18/10/10)

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de premiação “As Empresas mais admiradas do Brasil”, promovida pela revista Carta Capital publicado no Blog do Zé Dirceu.

São Paulo-SP, 18 de outubro de 2010


Meus queridos companheiros ministros Guido Mantega, da Fazenda; Carlos Gabas, da Previdência Social; Miguel Jorge, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; e Orlando Silva, do Esporte,
Meu querido companheiro Roberto Requião, ex-governador do Paraná e futuro senador da República, e sua digníssima esposa,
Meu querido companheiro Eduardo Suplicy, senador da República,
Deputados federais: meu querido companheiro ex-ministro, ex-presidente da Câmara, Aldo Rebelo; André Vargas, do Paraná; Brizola Neto, do Rio de Janeiro; e Carlos Zarattini, de São Paulo,
Companheiro... Aliás, Brizola Neto, parabéns pelo teu blog,
Quero cumprimentar o companheiro Mino Carta, querido companheiro diretor da redação da revista Carta Capital,
Quero cumprimentar a companheira Manuela Carta,
Quero cumprimentar o companheiro Abilio Diniz,
Quero cumprimentar o companheiro Roberto Setúbal, por meio de quem cumprimento todos os empresários aqui presentes,
Quero cumprimentar os jornalistas aqui presentes,
Cumprimentar os nossos amigos e amigas aqui presentes,


Mino, primeiro, eu quero te dar os parabéns pelo exercício da democracia, coisa que eu não posso exercitá-la tão livremente como você exercitou hoje, da tribuna, porque quem está falando aqui não é o Lula, mas é a instituição Presidência da República, e eu preciso ser mais comedido do que Vossa Excelência no uso da palavra. Mas assinaria ipsis litteris o que você falou. E como faltam apenas 74 dias, 75, 72 – estou perdendo a conta – para que eu deixe a Presidência da República, Mino, eu vou dizer muitas coisas, depois que eu não for mais presidente, sobre liberdade, sobre democracia, e sobre o gostoso exercício de governar este país.

Eu estava ali sentado ao lado do Mino, ouvindo as palavras do Abilio Diniz. O Abilio Diniz, que em 1989 foi uma das figuras expoentes das eleições sem ser candidato, sem definir em quem ia votar, mas o Abilio tinha sido sequestrado em 1989, e ele foi liberado exatamente no dia ou na véspera do processo eleitoral, em 17 de novembro de 1989, momento em que tentavam vestir, no Abilio Diniz, ou convencê-lo de que era preciso colocar uma camisa do PT para dizer que era o PT que o tinha sequestrado. E hoje, depois desse episódio todo, eu tive uma relação de ódio com os sequestradores do Abilio Diniz – dez anos de ódio, Abilio –, e, já no final do governo passado, eu tive o privilégio de interceder junto ao governo passado, que não compensava o governo terminar com a morte dos sequestradores do Abilio Diniz, que estavam entrando num episódio de greve seca, ou seja, uma greve de fome sem beber sequer água, o que os levaria à morte fatal. Eu fui à cadeia conversar com eles e fui ao Palácio do Planalto conversar com o presidente, no dia 31 de dezembro, e fui conversar com o ministro da Justiça que não compensava. Era preciso que a gente pactuasse um jeito de não precisar morrer ninguém.

Hoje, te ouvindo fazer este discurso aqui, Abilio, eu, que estou no final de um mandato de oito anos, curtíssimo – longuíssimo para quem era oposição, mas curtíssimo para mim, que estava no mandato –, eu sou obrigado a dizer que vale a pena a gente acreditar no ser humano, vale a pena a gente acreditar nas pessoas, vale a pena a gente construir as possibilidades que a vida nos oferece. Eu acho que, possivelmente, aquele sequestro tenha servido de lições e de reflexões para você, tenha servido de acúmulo de ódio para mim.

Durante muito tempo eu achei que eu tinha perdido as eleições por conta daquilo. Depois eu passei a agradecer a Deus o fato de eu ter perdido as eleições e ter ficado 12 anos esperando para chegar à Presidência da República. Cheguei mais calejado, mais preparado, mais desaforado, mais ousado e vencedor de muitos dos preconceitos que se jogava contra mim. Eu lembro que nos momentos de crises profundas, em que alguém colocava dúvida sobre a economia brasileira, eis que tocava o telefone do Palácio do Planalto, era o companheiro Abilio Diniz dizendo: “Presidente, não se preocupe com as mentiras que estão sendo publicadas, porque nós estamos vendendo muito e o povo pobre está tendo acesso ao consumo de alimentos, coisa que não tinha antes”. Aquilo para mim, Abilio, era minha referência de que as coisas estavam acontecendo no nosso país.

Quero agradecer, aqui, o discurso do Roberto Setúbal. Não haveria nenhuma razão para eu estar agradecendo ao meu companheiro banqueiro, Roberto Setúbal, e ele, meu companheiro Roberto Setúbal, fazer um discurso de agradecimento e reconhecimento das coisas que o nosso governo fez. Eu acho que isso é um pouco da prática republicana deste país, de a gente aprender a superar as nossas divergências, estabelecendo uma relação democrática na diversidade, aprender a conviver com as divergências e aprender a construir um país que todos nós queremos que seja construído.

Eu, Mino, tinha um discurso bem feito, elaborado, de 38 páginas, mas eu tenho um problema com o avião, que se eu falar muito, eu não vou sair de Congonhas, tenho que ir até Cumbica para pegar, porque embora eu seja presidente, eu sou respeitador das regras, e eu não quero levantar voo depois das 11 horas, para não aparecer ninguém dizendo que eu estou desrespeitando uma regra que vale para todo mundo.

Mas, eu queria dizer para vocês que eu espero ser convidado depois que eu não for presidente da República, não sei a que título, porque ex-presidente da República é como vaso chinês. Quando você é presidente, você ganha um vaso chinês, você coloca na sua sala, ele ocupa um espaço imenso. Quando você deixa a Presidência, aquele vaso não vale para nada, e onde você vai colocar aquele vaso? No teu apartamento não tem lugar para colocar. E um ex-presidente é mais ou menos como um vaso chinês: não tem utilidade nenhuma. Causa um incômodo porque todo mundo quer saber o que vai fazer um ex-presidente, do que vai viver um ex-presidente, onde vai trabalhar um ex-presidente, de quantos conselhos ele vai participar, quantas palestras ele vai dar. Mas, realmente, não vale nada um ex-presidente. Ele valeria muito se ele ficasse quieto e deixasse o futuro presidente governar o país com tranquilidade, sem dar palpite.

Mas eu, ao terminar este mandato, Mino, e companheiros empresários, companheiros jornalistas e companheiros convidados, eu termino com a consciência tranquila, atendendo a alguns apelos da sociedade brasileira. Eu não sei, Mino, se você sabe – se você não sabe, vai ficar sabendo, para fazer uma matéria para o futuro –, você, que fez a primeira capa da IstoÉ comigo em 1978, portanto, há 20... ou melhor, 30 e poucos anos atrás – hein? Trinta e poucos anos atrás –, eu quero que você saiba que ao entregar a Presidência da República no dia 1º de janeiro, nós estaremos entregando a Presidência da República com a maior quantidade de universidades federais realizadas por um presidente da República, em toda a história republicana. Não apenas universidades federais, mas extensões universitárias, que serão 126 extensões universitárias por todo o território nacional.

Você receberá... o novo presidente receberá este país com o maior investimento em ciência e tecnologia já feito na história deste país, com R$ 41 bilhões investidos até o dia 31 de dezembro, fazendo com que o Brasil ultrapasse a Rússia e a Holanda na publicação de artigos científicos nas revistas especializadas, no mundo inteiro. Você irá... a pessoa... quem assumir a Presidência irá receber um país em que nós teremos feito, em oito anos, uma vez e meia o que foi feito num século, de escolas técnicas neste país, ou seja, são 214 escolas técnicas em oito anos, contra 140 em cem anos neste país.

Este país mudou, este país mudou porque nós acreditamos neste país. Este país mudou porque nós tiramos 28 milhões de pessoas da pobreza e elevamos 36 milhões de brasileiros para a classe média brasileira, transformando a população de classe média em mais de 50% da população brasileira, para comprar mais aço do Gerdau, para comprar mais leite da Nestlé, para comprar mais produtos da Natura, para abrir mais contas no Itaú, para comprar mais no Extra, para comprar mais no Pão de Açúcar, ou seja, para comprar mais as coisas que vocês produzem, fabricam e oferecem ao consumidor brasileiro.

Este país mudou porque a indústria naval brasileira, companheiro José Sergio Gabrielli, que na década de 70 era a indústria naval, a segunda do mundo, e que desapareceu nos anos 90, ressurge em 2010 com 50 mil trabalhadores, com milhões de dólares investidos pela Petrobras, com a construção de plataformas, de sondas, de navios, de grandes petroleiros e estaleiros construídos neste país.

Este país deu um salto de qualidade porque a construção civil brasileira se recuperou, meu querido Miguel Jorge. Desde o governo Geisel, que endividou este país para que a gente tivesse investimento em infraestrutura, que este país não investia em infraestrutura, Guido Mantega. Este país passou 25 anos pagando dívida para poder sobreviver. Graças a Deus, eu vou terminar o mandato, Mino Carta, podendo dizer a vocês que nós – que cinco anos atrás, na Índia, eu imaginava que um dia o Brasil iria ter US$ 100 bilhões de reservas –, nós vamos terminar o mandato, Guido Mantega, se você me ajudar, com US$ 300 bilhões de reservas, para ninguém ter medo de vender para o Brasil ou de comercializar com o Brasil, porque nós teremos dinheiro para pagar as nossas dívidas e não devemos ao FMI. Pelo contrário, eles nos devem, e em vez de eles virem aqui fiscalizar o Brasil, Guido, é você que, de vez em quando, precisa ir fiscalizar o FMI para saber se eles estão fazendo as coisas corretas.

Eu estou vendo, companheiro Mino Carta, a greve na França agora, estou vendo a crise na Espanha, a crise em Portugal, a crise nos Estados Unidos, a crise na Alemanha. Como é que pode um país como a Grécia causar a crise que causou na Europa? Qual é a justificativa econômica, política de um país do tamanho da Grécia levar a Europa a uma crise profunda e sem precedentes, senão a explicação da incompetência política, da falta de liderança, da [falta de] tomada de posição na hora certa, [da falta] de fazer as coisas que têm que ser feitas? E isso, Mino, a gente não aprende na universidade. É a lei da sobrevivência, é a lei da provação todos os dias.

Eu digo sempre: eu governei oito anos, Mino, tendo que provar, a cada dia, a minha existência. A elite brasileira não tem que provar nada. Eles erram, afundam o Brasil e não têm que provar nada. Terminam o mandato, passam três, quatro anos na Europa, vão fazer pós-graduação em Harvard, na Sorbonne, voltam e continuam do mesmo jeito. Eu é que tenho que provar a cada dia que este país tinha que dar certo. Então, vamos entregar este país, Mino, numa condição em que nunca antes na história do país um presidente entregou para o outro nas condições em que vamos entregar: um país em ascensão e não um país em descenso; um país com a classe trabalhadora ganhando mais, com os aposentados ganhando mais, sem tentar fazer na campanha um leilão de benefícios, como eu tenho visto. Ah, como é fácil prometer em eleição! E eu não vejo, não vejo as críticas necessárias à irresponsabilidade. Quando eu queria dar 2% de aumento para os aposentados, eu estava “quebrando a Previdência”. Eu vejo na televisão alguém dizer: “Eu vou dar “tanto” por cento e eu sei como é que faz, e tem dinheiro”. E ninguém fala nada, como se valesse a mentira sobre a verdade, como se valesse a mesquinhez sobre a seriedade que nós temos que ter para transformar este país na quinta, na quarta, na terceira economia do mundo. Nós temos condições, nós temos possibilidades, e nós provamos que é possível.

Eu duvido que tenha um empresário neste país que diga que ganhou menos dinheiro no meu governo do que no governo dos outros, que pareciam ser amigos dos empresários. Eu duvido que tenha trabalhadores que ganharam... – e eu fui sindicalista durante 20 anos – eu duvido que tenha, no movimento sindical, momento da história em que eles ganharam o que estão ganhando hoje. No fundo, no fundo, a junção entre eu e o Zé Alencar, em mil... ou melhor, em 2002, foi aquilo que todo mundo sonhava fazer, que era estabelecer uma harmonia entre capital e trabalho, para poder fazer este país crescer. Quais foram as greves que nós tivemos no nosso mandato, Mino? Quem foi que queimou carros neste país? Quem foi que queimou casa, quem foi que tocou fogo...? Nada! Este país viveu harmonicamente durante oito anos como jamais ele viveu, numa demonstração de que é possível, na medida em que a gente confie no outro, na medida em que a gente trabalhe em harmonia, na medida em que a gente pense no futuro do país.

É assim, meu querido Abilio Diniz, que eu vou entregar este país: os pobres comendo mais, os pobres entrando no shopping, abrindo conta no Itaú, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica, no Bradesco. Os pobres já não são mais tratados como marginais. Eles já podem entrar de sandálias Havaianas num banco e não são tratados como se fossem párias da sociedade. Os catadores de papel de São Paulo têm conta em banco, e tem 220 milhões de empréstimo do BNDES para os companheiros que catam papel.

Eu lembro, Mino, e vou terminar dizendo isso, que um dia eu perguntei ao companheiro Guido Mantega: se nós éramos um país de economia capitalista, por que a gente não adotava uma política capitalista para este país? E perguntei ao Guido Mantega quanto crédito a gente disponibilizado neste país. Meu caro Gerdau, em março de 2003, este país de economia capitalista tinha apenas R$ 380 bilhões de crédito disponibilizado para 190 milhões de habitantes. Eu, na minha consciência socialista, dizia: que desgraça de país de economia capitalista é este, que o povo não tem capital, que não tem crédito e que os bancos não emprestam dinheiro para o povo? Pois bem, nós vamos entregar este país, a quem vier depois de mim, com crédito de US$ 1 trilhão e 600 bilhões. Nós... somente o Banco do Brasil hoje... somente o Banco do Brasil – eu não sei o Itaú, porque você não me contou, Roberto –, mas somente o Banco do Brasil hoje tem todo o crédito que o Brasil inteiro tinha em 2003. Somente a Caixa Econômica Federal, Guido, tem 175 bilhões. Somente o Banco do Brasil tem 360 bilhões. Somente o BNDES, que emprestava, no máximo, 30 ou 40 bilhões, tem hoje mais de 150 bilhões emprestados, e nós achamos que é pouco.

O Guido sabe que na crise econômica a gente discutiu: este país não sairá da crise, Guido, se não tiver crédito. Trate de liberar compulsório, trate de comprar carteira de banco pequeno, trate de comprar carteira para liberar os bancos menores, trate de fazer com que a gente abra isenção de IPI, de imposto para os produtos de consumo popular. E foi exatamente, Mino, foi exatamente essa política anticíclica que o Guido colocou em prática, junto com o Miguel Jorge, que fez com que este país se sobressaísse melhor do que o império Estados Unidos ou do que a Europa. Eles que sabiam tudo, eles que davam palpite em tudo, eles que sabiam a solução de todos os problemas da Humanidade quando a crise era na América Central, mas quando a crise molhou eles, eles não souberam como resolver o problema.

Então, companheiros e companheiras, primeiro, meus parabéns pelas empresas que receberam os prêmios. Aliás, tem algumas empresas, Mino, que você tem que rever porque tem algumas que ganham o prêmio todos os anos, todos os anos. Nós precisamos mudar aí, tentar... não incluir, não inscrever mais essas empresas nas pesquisas, porque está demais. Tem uma tal de Natura, uma tal de Nestlé, uma tal de Vale do Rio Doce, uma tal de Petrobras, uma tal de Gerdau que todos os anos elas ganham em primeiro lugar, segundo lugar, primeiro lugar, segundo lugar! Se fosse um concurso de Miss Brasil, onde é que a gente ficaria?

Bem, primeiro, dar os parabéns a vocês porque o prêmio que vocês ganharam e os elogios são merecidos. Realmente, eu acho que nós precisamos aprender a gostar das coisas deste país, a valorizar a empresa nacional, a valorizar o trabalhador brasileiro, e eu acho que vocês são a síntese melhor do que a gente tem neste país.

Em segundo lugar, Mino, parabenizar a Carta Capital, e dizer para você da minha solidariedade, porque ontem, ontem uma revista da CUT foi proibida de circular neste país porque trazia a fotografia da candidata Dilma na capa. Eles, que falam em democracia; eles, que falam em liberdade de expressão e liberdade de imprensa. Eu, por coincidência... não vou dizer qual é a revista, mas eu vi uma revista esta semana, com uma fotografia na capa, que é um acinte à democracia. Vocês riram? Eu nem falei para vocês qual é a revista! No fundo, no fundo, todo mundo sabe da hipocrisia que reina neste país. Todo mundo sabe, mas, muitas vezes, nós fingimos que não é conosco, e só vamos sentir a dor quando for a gente que estiver na capa da revista, porque neste país ninguém tem que provar nada, é só acusar. Acuse, acuse! Depois você não tem que provar a inocência de ninguém. É o acusado, mesmo que inocente, que tem que provar a sua inocência, e quando é provada a sua inocência não sai uma nota no pé de um jornal deste país.

Eu sei, Mino, o que você sentiu, eu sei. Eu sei o que você sentiu quando fez o jornal República, quando fez a revista Veja, quando fez a revista IstoÉ, quando fez o Jornal da Tarde, eu sei, porque neste país, ser sério é um afronta àqueles que governaram este país a vida inteira e nunca agiram com seriedade.

Eu quero dizer para vocês que eu vou terminar o meu mandato com o orgulho de nunca ter precisado almoçar num jornal, numa revista ou numa televisão, nunca. E não faço isso por orgulho, faço isso por independência de não precisar jantar nem almoçar com ninguém, de pedir favor a quem quer que seja para me colocar na última, na primeira ou na página do meio. Eu, a única coisa que eu quero é que digam a verdade e somente a verdade, contra ou a favor, mas digam apenas a verdade. E enquanto a classe política, Eduardo, não perder o medo da imprensa, a gente não vai ter liberdade de imprensa neste país, esteja certo disso. A covardia, a covardia, a covardia é muito grande neste país. Eu acho que nós estamos construindo uma outra nação, e eu estou dizendo isso no final do meu mandato. Daqui a 74 dias eu não tenho mais imunidade, eu não tenho mais nada, eu vou ser um cidadão livre para poder falar o que eu quiser, quando eu quiser e como eu quiser. E se você quiser, Mino, ainda de sobra, escreverei um artigozinho na Carta Capital, para fazer as coisas que eu acho que tem que fazer.

Parabéns, Mino. Parabéns a todos vocês, e que Deus ajude este país a continuar crescendo e se fortalecendo.

Um abraço.
Luiz Inácio Lula da Silva

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

AGENDA DILMA 13 NO CEARÁ

GUERRA SUJA NA CAMPANHA ELEITORAL por Venício de Lima

Corre solta na internet uma guerra – e, como toda guerra, sem qualquer ética – de manipulação da informação, agora tendo como aliados partidos de oposição e os setores mais retrógrados das igrejas católica e evangélica, incluindo velhas e conhecidas organizações como o Opus Dei e a TFP

As campanhas eleitorais têm servido para revelar, de forma inequívoca, qual a ética empresarial e jornalística que predomina na grande mídia brasileira.

Os episódios recentes relacionados à demissão de conceituada articulista do Estado de S.Paulo, assim como a ação da Folha de S.Paulo, que obteve na Justiça liminar para retirada do ar do blog de humor crítico Falha de S.Paulo, são apenas mais duas evidências recentes de que esses jornalões adotam, empresarialmente e dentro de suas redações, práticas muito diferentes daquelas que alardeiam em público.

Como se sabe, o Estadão é o jornal que afirma diariamente estar sofrendo “censura” judicial, há vários meses.

Tratei do tema neste Observatório quando da demissão do jornalista Felipe Milanez, editor da revista National Geographic Brasil, publicada pela Editora Abril, por ter criticado, via Twitter, a revista Veja (ver “Hipocrisia Geral: Liberdade de expressão para quem?”).

Corre solta também, na internet, uma guerra – e, como toda guerra, sem qualquer ética – de manipulação da informação, agora tendo como aliados partidos de oposição e os setores mais retrógrados das igrejas católica e evangélica, incluindo velhas e conhecidas organizações como o Opus Dei e a TFP.

Ademais, uma série de panfletos anônimos sobre candidatos e partidos, de conteúdo mentiroso e manipulador, tem aparecido e circulado em diferentes pontos do país, aparentemente de forma articulada.

Estamos chegando ao “primeiro mundo”. Repetem-se aqui as estratégias políticas obscuras que já vem sendo utilizadas pelos radicais conservadores ligados – direta ou indiretamente – à extrema direita do Partido Republicano – o “Tea Party” – e também pela chamada “Christian Right”, nos Estados Unidos.

A bandeira da liberdade de expressão equacionada, sem mais, com a liberdade de imprensa, não passa de hipocrisia.

Começou com o PNDH3

A atual onda, que acabou por deslocar o eixo da agenda pública da campanha eleitoral e da propaganda política no rádio e na televisão para uma questão de foro íntimo e religioso, teve seu início na violenta reação ao Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3), capitaneada pela grande mídia. Na época, escrevi:

“O curto período de menos de cinco meses compreendido entre 21 de dezembro de 2009 e 12 de maio de 2010 foi suficiente para que as forças políticas que, de fato, há décadas, exercem influência determinante sobre as decisões do Estado no Brasil, conseguissem que o governo recuasse em todos os pontos de seu interesse contidos na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (Decreto n. 7.037/2009). Refiro-me, por óbvio aos militares, aos ruralistas, à Igreja Católica e, sobretudo, à grande mídia.” ["A grande mídia vence mais uma", 15/5/2010].

São essas forças políticas – com seus paradoxos e contradições – que agora se unem novamente para tentar influir no resultado das eleições presidenciais de 2010, valendo-se da “ética” de que “os fins justificam os meios”.

Lições

A essa altura, já podem ser observadas algumas lições sobre a mídia e suas responsabilidades no processo político de uma democracia representativa liberal como a nossa:

1. Não é apenas a grande mídia que tem o poder de pautar a agenda do debate público. A experiência atual demonstra que, em períodos eleitorais, essa agenda pode ser pautada “de fora” quando há convergência de interesses entre forças políticas dominantes. Elas se utilizam de seus próprios recursos de comunicação (incluindo redes de rádio e televisão), redes sociais (p. ex. Twitter) e correntes de e-mail na internet. A grande mídia, por óbvio, adere e abraça a nova agenda por ser de seu interesse.

2. Fica cada vez mais clara a necessidade do cumprimento do “princípio da complementaridade” entre os sistemas de radiodifusão (artigo 223 da Constituição). Seria extremamente salutar para a democracia brasileira que o sistema público de mídia se consolidasse e funcionasse, de fato, como uma alternativa complementar ao sistema privado.

3. Independente de qual dos candidatos vença o segundo turno das eleições presidenciais, a regulação do setor de comunicações será inescapável. Não dá mais para fingir que o Brasil é a única democracia do planeta onde os grupos de mídia devem prosseguir sem a existência de um marco regulatório.

4. O artigo 19 da Constituição reza:

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na formada lei, a colaboração de interesse público.

Apesar de ser, portanto, claro o caráter laico do Estado brasileiro, na vida real estamos longe, muito longe, disso.

5. Estamos também ainda longe, muito longe, do ideal teórico da democracia representativa liberal onde a mídia plural deveria ser a mediadora equilibrada do debate público, representando a diversidade de opiniões existentes no “mercado livre de idéias”. Doce ilusão.

Artigo originalmente publicado no Observatório da Imprensa

Venício A. de Lima
é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.

FONTE: http://www.cartacapital.com.br/politica/guerra-suja-na-campanha-eleitoral

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

CHICO BUARQUE APOIA DILMA 13 PRESIDENTE

Um grupo de artistas e intelectuais liderados por Chico Buarque, Eric Nepumuceno, Leonardo Boff e Emir Sader está articulando adesões ao manifesto abaixo de apoio político à eleição de Dilma Roussef. A adesão é feita através dos emails emirsader@uol.com.br ou ericnepomuceno@uol.com.br

O manifesto tem o seguinte texyo:

MANIFESTO DE ARTISTAS E INTELECTUAIS PRO DILMA

Nós, que no primeiro turno votamos em distintos candidatos e em diferentes partidos, nos unimos para apoiar Dilma Rousseff. Fazemos isso por sentir que é nosso dever somar forças para garantir os avanços alcançados. Para prosseguirmos juntos na construção de um país capaz de um crescimen to econômico que signifique desenvolvimento para todos, que preserve os bens e serviços da natureza, um país socialmente justo, que continue acelerando a inclusão social, que consolide, soberano, sua nova posição no cenário internacional.

Um país que priorize a educação, a cultura, a sustentabilidade, a erradicação da miséria e da desiguladade social. Um país que preserve sua dignidade reconquistada.

Entendemos que essas são condições essenciais para que seja possível atender às necessidades básicas do povo, fortalecer a cidadania, assegurar a cada brasileiro seus direitos fundamentais.

Entendemos que é essencial seguir reconstruindo o Estado, para garantir o desenvolvimento sustentável, com justiça social e projeção de uma política externa soberana e solidária.
Entendemos que, muito mais que uma candidatura, o que está em jogo é o que foi conquistado.

Por tudo isso, declaramos, em conjunto, o apoio a Dilma Rousseff. É hora de unir nossas forças no segundo turno para garantir as conquistas e continuarmos na direção de uma sociedade justa, solidária e soberana.

Leonardo Boff
Chico Buarque
Fernando Morais
Emir Sader
Eric Nepumuceno

QUEM É O SERRA DOS DEBATES por Gilson Caroni Filho

É importante indicar ao eleitor que um eventual governo Serra representará um mergulho nas trevas, com direito a TFPs, Opus Dei, Carismáticos e outras denominações legislando o nascimento de um poder assentado em bases teocráticas. Sobre isso deveria refletir uma parcela da classe média.


Quando entrou nos estúdios da Rede Bandeirantes para o segundo confronto com Dilma Rousseff, Serra parecia confiante. Afinal, pesquisas recentes indicavam que sua candidatura registrava uma curva ascendente. Amparado pelo confortável clima de terror criado por demotucanos, com auxílio inestimável do oportunismo de grupos religiosos partidários da teologia da prosperidade, "IN NOMINE DEI”, o massacre da adversária era tratado como favas contadas. Mas, como costuma acontecer na luta política, o açodamento voraz aumenta a voltagem de fracassos inesperados.

A adversária se mostrava surpreendentemente bem mais preparada do que no encontro anterior, disparando alguns petardos para os quais o PSDB - e a mídia corporativa que lhe apóia - não encontraria proteção adequada nem mesmo no dia seguinte. Do assessor que fugiu com R$ 4 milhões da campanha a uma possível privatização do pré-sal em um caso de vitória tucana, Serra manteve a fisionomia tensa, perdendo-se nas respostas, sem conseguir esboçar contra-ataques com os detalhes que a televisão exige. O desempenho do personagem preocupou assessores e a base social que lhe dá sustentação.

Quando perguntado sobre fatos provados, respondia com evasivas. Nem mesmo a mulher, Mônica Serra, foi capaz de defender. Foge como o diabo da cruz quando são feitas comparações entre os governos FHC e Lula. Quem tirou 14 milhões da miséria, levou 32 milhões para a classe média, criando 13 milhões de empregos? Que governo fez o Brasil crescer como nunca, libertando o país dos ditames do FMI? Quem proporcionou acesso de um enorme contingente popular às universidades, mudando a fisionomia e as expectativas educacionais de uma formação social marcada pela exclusão? Sob o manto das redações que o protegem, Serra é poupado de contraditórios incômodos. Quando exposto ao confronto, sobram o sorriso nervoso e as mãos trêmulas no ar.

Ficou claro, no debate de ontem, que Serra promete coisas sem base e silencia sobre como vai cumpri-las. Chegou o momento de mostrar, às claras, quem é o ex-governador que paga os piores salários do Brasil para os professores e policiais de São Paulo, recusando qualquer possibilidade de diálogo com representantes das duas categorias. Serra envereda pela ficção quando diz que criou os genéricos e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). E mente quando diz que tirou do papel o Seguro-Desemprego.

Nos próximos encontros, Dilma deve mostrar ao país o perigo de ter religiosos fundamentalistas dando palpite na administração pública. Precisa alertar que nas regiões metropolitanas, em comunidades carentes, além da crônica falta do Estado, os poderes conferidos a seitas e outros espertalhões, aliados a uma polícia medíocre e corrupta, acabam facilitando a vida de milicianos e traficantes. O que faz soar, no mínimo, ridícula a proposta tucana de criação de um Ministério da Segurança.

É importante indicar ao eleitor que um eventual governo Serra representará um mergulho nas trevas, com direito a TFPs, Opus Dei, Carismáticos e outras denominações legislando o nascimento de um poder assentado em bases teocráticas. Sobre isso deveria refletir uma parcela da classe média. Aquela mais apegada ao consumo que à cidadania, sócia despreocupada do rentismo e do poder nos tempos neoliberais.

Acostumada, desde a ditadura militar, à apropriação dos recursos que o mercado ou o Estado lhe ofereciam para a melhoria de seu poder aquisitivo e seu bem-estar material, ainda conserva vícios de origem, reagindo negativamente ao aumento da participação e da inclusão política de novos setores. Instalada em um desencanto abrangente, como estamento arraigado, abriga forças que não ameaçam apenas o processo democrático. O perigo vai bem além. Por tudo que vimos nessa campanha, a candidatura de Serra é incompatível com os valores mais caros à modernidade.



Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

FONTE: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4827