segunda-feira, 17 de junho de 2013

A NATUREZA NÃO É NATURAL

Por Joaquim Cartaxo 


Rio Cocó. Fortaleza, Ceará, Brasil
Animal produtor de cultura é a especificidade natural do ser humano.  Portanto, adapta-se a distintos ecossistemas, molda-os com o intuito de atender demandas, “domina a natureza”.

Dominar a natureza é controverso. Se domina a natureza, o ser humano é não-natureza? Por outro lado, se for natureza quem o domina, outro ser humano superior?

Sobre essas questões, o geógrafo Carlos Walter Porto Gonçalves resume: “toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma determinada ideia do que seja natureza. Nesse sentido, o conceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual, enfim, a sua cultura”

A natureza não é natural, é cultural. Cada sociedade amplia ou restringe o conceito de natureza conforme sua visão social e histórica de mundo. Sociedades conservacionistas tendem a estabelecer o que é natureza de modo abrangente, logo o percentual de preservação de recursos ambientais será maior do que o percentual das sociedades não conservacionistas, que classificam a natureza de forma restrita.

Essa dicotomia cultura-natureza repercute sobre a ideia de sustentabilidade, definida como interdependência entre determinada população (cultura) e seu meio ambiente (natureza) em que as dimensões econômicas e socioambientais são consideradas indissociáveis.

Dicotomia que se expressou na revisão do Código Florestal Brasileiro, em especial no debate sobre o lugar da linha divisória que define a natureza a ser preservada e a não-natureza formada pelos “pés de pau” passíveis de serem derrubados legalmente. Decidir tal lugar é uma disputa política entre interesses econômicos e necessidades socioambientais.

Debate similar e atual envolve o Cocó: por onde passará a linha que definirá a não-natureza deste rio, cuja bacia banha 2/3 de Fortaleza?



Joaquim Cartaxo é arquiteto urbanista e vice-presidente do PT/Ceará

Fonte: jornal O POVO - 17/06/2013


























terça-feira, 4 de junho de 2013

FAVELACIDADE

Por Joaquim Cartaxo

Pirambu, Fortaleza, Ceará, Brasil

Marcou o processo de urbanização brasileira a desproporcionalidade entre a velocidade de crescimento populacional das cidades e a construção de infraestrutura, vias e implantação de sistema de transporte de passageiro para atender o aumento contínuo das demandas urbanas. Tal circunstância forçou pessoas pobres a morar próximo do local de trabalho em habitações desprovidas de conforto, segurança e higiene.
Consequência disso?
Produção de favelas. Aglomerados humanos considerados não-cidade; comunidades pobres descriminadas pelo preconceito social e racial, submetidas a ideias de erradicação.
Produto da urbanização, a favela é cidade. É parte integrada à cidade, mas de modo perverso; possuidora de identidade territorial, cultural e social como qualquer bairro; alvo de permanente tensionamento movido pela aproximação e afastamento do poder público, quanto ao atendimento das demandas socioambientais de seus moradores.
O Censo 2010/IBGE registra que 396.370 pessoas residem nas 194 favelas da metrópole Fortaleza. Em termos populacionais, número maior que o segundo município do Ceará: Caucaia com 325.441 habitantes. Superior a Juazeiro do Norte – 249.939 habitantes, Maracanaú – 209.057, Sobral – 188.233.
Tal dimensão demográfica não pode ser menosprezada na gestão do desenvolvimento urbano sustentável. A visão “pobrista” e assistencialista não pode continuar presidindo os programas de inclusão do povo da favela. A visão deve ser do desenvolvimento socioeconômico construído por lutas, conquistas e conflitos em que a favela é centralidade, sujeito e não objeto de ação.
Território de criatividade e ousadia, lugar de potência, multiverso, plural que carece de um plano de desenvolvimento que congregue os esforços do poder público, iniciativa privada, organizações da sociedade civil e lideranças comunitárias considerando a favela como oportunidade. Eis um belo desafio político e social.

Fonte: jornal O POVO - 04/06/2013