terça-feira, 15 de setembro de 2015

AMBIENTE EMPREENDEDOR

Por Joaquim Cartaxo



Todo desenvolvimento é local, pois acontece no território. Leia-se o local como a parte do território conformada por circunstâncias de identidade geográficas (bacias hidrográficas, geossítios, chapadas, cordilheiras, vales, florestas, áreas de proteção ambiental), socioeconômicas (aglomerados produtivos), étnicos (áreas habitadas por população indígena, remanescentes de quilombos, imigrantes), culturais (bairro ou conjunto de bairros que congregam atividades gastronômicas, manifestações de arte popular, produções artísticas, patrimônio arquitetônico).

Sublinhe-se que a instituição do território resulta do desígnio de alguém, assim sendo uma construção subjetiva. Designação que pode vir de fora como as adotadas, em geral, pelos planos governamentais de desenvolvimento. Nesse caso, excluem-se os habitantes dos procedimentos de constituição do território. Consequência: esses habitantes não se reconhecem no território.

Outra modalidade de designação é a endógena, a qual adota procedimentos envolvendo os sujeitos políticos e sociais moradores da área de estudo do território. Nessa situação, a definição do desenho institucional, socioeconômico, cultural e ambiental do território ocorrerá de baixo para cima, com maneira e conteúdo participativos.

Em qualquer dos casos, políticas de desenvolvimento para pequenos negócios precisam considerar as condições do ambiente territorial com o objetivo de garantir sustentabilidade e competitividade aos empreendimentos; avaliar as potencialidades, vocações, oportunidades, vantagens colaborativas, comparativas, competitivas de cada território e estabelecê-lo como a unidade sociopolítico-econômica-cultural-ambiental de desenvolvimento sustentável; organizar as micro e pequenas empresas levando em conta cada uma em consonância com as condições do território de promover adensamento empresarial, dinamismo socioeconômico e especialização socioprodutiva.

Fonte: jornal O POVO, edição de 15/09/2015

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

ESPANTOS URBANOS

Por Romeu Duarte





Minha mulher, atenta observadora das coisas do mundo, disse-me certa vez que viver em Fortaleza é seguir de espanto em espanto. Para demonstrar que tinha razão, apresentou uma série de exemplos: anoitecer em um endereço e amanhecer em outro, mesmo sem ter saído do canto; ser multado por trafegar na via de costume, cuja mão foi alterada sem qualquer aviso; edifícios que desaparecem do dia para a noite, deixando em seu lugar um aspecto desolado de terra arrasada; obras e serviços executados no espaço público sem comunicação aos moradores da vizinhança. Contas e mais contas desse paulificante rosário foram por ela debulhadas, num verdadeiro retrato do nosso sofrido cotidiano. Nas últimas semanas, outros fatos vieram se somar a essa curiosa coleção de doidices.

A noiva elegantíssima, de braço dado com o pai, padrinhos e madrinhas perfilados atrás, o noivo nervoso aguardando na porta da igreja, o cortejo vistoso evoluindo sobre carretéis ao longo de um solene tapete vermelho. Tudo isso estaria muito bem não fosse por um pequeno detalhe: a cerimônia se dar no meio da rua, impedindo o ir e vir de pessoas e veículos, num exercício chiquérrimo de privatização do que deveria ser de todos. Impressionou-me a não ocorrência de arremesso de ovos e sacos de urina ou de vaias alencarino-style, prova cabal de que estamos perdendo nossas mais legítimas expressões culturais. Após a benção nupcial, o casal e seu garboso séquito retornaram ao red carpet, sequiosos do vin d’honneur. O canelau fazia selfies, aguardando ansioso o lançamento do bouquet.

Chamando todos os carros: o Estado Islâmico está entre nós! Ou não seriam os representantes desta organização jihadista os responsáveis pelos atentados à Reitoria da UFC e à Praça Portugal? No Benfica, a título de fazer valer suas reivindicações e seu apreço pela universidade, arrombaram portas, danificaram janelas, picharam palavras de ordem nas paredes, tudo isso sob as vistas de Martins Filho e dos seus colegas em vestes talares. No antes aprazível logradouro do Meireles, hoje agitada rotatória, pintaram uma colorida rosácea no chão e espalharam pichações no arco e no astrolábio à guisa de defesa daquele bem imóvel, alvo da sanha demolitória da Prefeitura. O discurso, claro como água turva, é mais ou menos assim: para dizer do meu amor por mamãe, jogo ácido sulfúrico no rosto dela.

E assim, de assombro em assombro, de paroxismo em paroxismo, construímos nosso caminho diário nesta cidade. O que mais poderia acontecer, que outras surpresas poderiam surgir à nossa frente, se é que ainda conseguimos nos surpreender com alguma coisa? Acode-me meu mais novo amigo, Paulo Alcobia, português de boa cepa, oferecendo uma lista de possíveis intervenções amoroso-iconoclastas: quebrar os vitrais do Theatro José de Alencar; substituir os leões da praça homônima por minhocas gigantes; transformar o Museu do Ceará no Shopping Bode Ioiô; retirar a estátua de Rachel de Queiroz e por no seu local uma do Marechal Castelo Branco em trajes de banho; implodir o Farol do Mucuripe; e permutar a Praça do Ferreira por um lixão. O Acquario, bem, este pode ficar como está...


Fonte: publicado no Jornal o Povo, edição de 14/09/2015