Minha
mulher, atenta observadora das coisas do mundo, disse-me certa vez que
viver em Fortaleza é seguir de espanto em espanto. Para demonstrar que
tinha razão, apresentou uma série de exemplos: anoitecer em um endereço e
amanhecer em outro, mesmo sem ter saído do canto; ser multado por
trafegar na via de costume, cuja mão foi alterada sem qualquer aviso;
edifícios que desaparecem do dia para a noite, deixando em seu lugar um
aspecto desolado de terra arrasada; obras e serviços executados no
espaço público sem comunicação aos moradores da vizinhança. Contas e
mais contas desse paulificante rosário foram por ela debulhadas, num
verdadeiro retrato do nosso sofrido cotidiano. Nas últimas semanas,
outros fatos vieram se somar a essa curiosa coleção de doidices.
A
noiva elegantíssima, de braço dado com o pai, padrinhos e madrinhas
perfilados atrás, o noivo nervoso aguardando na porta da igreja, o
cortejo vistoso evoluindo sobre carretéis ao longo de um solene tapete
vermelho. Tudo isso estaria muito bem não fosse por um pequeno detalhe: a
cerimônia se dar no meio da rua, impedindo o ir e vir de pessoas e
veículos, num exercício chiquérrimo de privatização do que deveria ser
de todos. Impressionou-me a não ocorrência de arremesso de ovos e sacos
de urina ou de vaias alencarino-style, prova cabal de que estamos
perdendo nossas mais legítimas expressões culturais. Após a benção
nupcial, o casal e seu garboso séquito retornaram ao red carpet,
sequiosos do vin d’honneur. O canelau fazia selfies, aguardando ansioso o
lançamento do bouquet.
Chamando
todos os carros: o Estado Islâmico está entre nós! Ou não seriam os
representantes desta organização jihadista os responsáveis pelos
atentados à Reitoria da UFC e à Praça Portugal? No Benfica, a título de
fazer valer suas reivindicações e seu apreço pela universidade,
arrombaram portas, danificaram janelas, picharam palavras de ordem nas
paredes, tudo isso sob as vistas de Martins Filho e dos seus colegas em
vestes talares. No antes aprazível logradouro do Meireles, hoje agitada
rotatória, pintaram uma colorida rosácea no chão e espalharam pichações
no arco e no astrolábio à guisa de defesa daquele bem imóvel, alvo da
sanha demolitória da Prefeitura. O discurso, claro como água turva, é
mais ou menos assim: para dizer do meu amor por mamãe, jogo ácido
sulfúrico no rosto dela.
E assim, de assombro em assombro, de paroxismo em paroxismo, construímos nosso caminho diário nesta cidade. O que mais poderia acontecer, que outras surpresas poderiam surgir à nossa frente, se é que ainda conseguimos nos surpreender com alguma coisa? Acode-me meu mais novo amigo, Paulo Alcobia, português de boa cepa, oferecendo uma lista de possíveis intervenções amoroso-iconoclastas: quebrar os vitrais do Theatro José de Alencar; substituir os leões da praça homônima por minhocas gigantes; transformar o Museu do Ceará no Shopping Bode Ioiô; retirar a estátua de Rachel de Queiroz e por no seu local uma do Marechal Castelo Branco em trajes de banho; implodir o Farol do Mucuripe; e permutar a Praça do Ferreira por um lixão. O Acquario, bem, este pode ficar como está...
Fonte: publicado no Jornal o Povo, edição de 14/09/2015
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