Por Eduardo Guimarães
Chega
a ser espantoso alguém ter que dizer isto. Escrever o que vai adiante equivale
a dizer que o Sol é amarelo: é imperioso que a CPMI do Cachoeira convoque o
diretor da revista Veja Policarpo Júnior porque é imensa a suspeita de que ele
tinha conhecimento de que o bicheiro dirigia um esquema criminoso envolvendo
políticos, empresários e autoridades.
É
óbvio ou não? Policarpo, Veja e seus protetores negam que o jornalista tivesse
conhecimento de que sua fonte estava cometendo crimes do porte dos que vão se
tornando de conhecimento público? Se for assim, nunca disseram.
Veja,
seus blogueiros, sua direção e os meios de comunicação que os defendem afirmam
que a relação entre Cachoeira e sua quadrilha com Policarpo nada mais era do
que relação entre jornalista e sua fonte. Ok, mas alguém leu ou escutou
afirmação de que esse jornalista não sabia dos crimes que suas fontes estavam
cometendo?
A
grande questão que se coloca, portanto, é a seguinte: um jornalista pode manter
relações com criminosos, sabendo que são criminosos, a fim de obter informações
sobre outros supostos criminosos? Pode esconder os crimes de uns para obter
informações contra outros?
Veja
deveria ter denunciado o esquema de Cachoeira. A única forma de a publicação se
safar da acusação de cumplicidade será negando que sabia dos crimes. Até hoje,
isso não ocorreu. Essa explicação tem que ser dada. É absurdo que queiram
poupar Veja e o próprio Policarpo de darem essa resposta à sociedade.
A
questão que se coloca, repito, é a seguinte: a relação entre Policarpo e
Cachoeira durou pelo menos uma década. Em todo esse tempo, nem o jornalista nem
a Veja jamais desconfiaram de nada? É isso? Um esquema desse tamanho, com tal
ramificação, com envolvimento de uma grande empreiteira, com nomeações mil para
o governo de Goiás e a revista e seu diretor “não sabiam”? E o que é pior: a
despeito de Policarpo ser um jornalista investigativo?
Gravações
mostram que Policarpo sabia da relação entre um senador da República e o
bicheiro. O delegado da Polícia Federal Matheus Mela Rodrigues, responsável
pela Operação Monte Carlo, disse à CPMI do Cachoeira, quinta-feira retrasada
(10), que o jornalista sabia que Demóstenes Torres e o bicheiro tinham profunda
relação.
Gravações publicadas pelo site Carta Maior
mostram Cachoeira conversando com o ex-diretor da Delta no Centro-Oeste,
Cláudio Abreu, e deixam claro que Policarpo sabia da ligação do contraventor
com a empreiteira. Mas, segundo Cachoeira, Policarpo não iria divulgar nada.
Está gravado.
Em
um dos trechos, Cachoeira diz que Policarpo não “colocaria em roubada” os
criminosos apesar de que ele “sabia de tudo”, ou seja, da relação de Cláudio
Abreu, da Delta, com o bicheiro. Leia, abaixo, a transcrição do grampo da
Polícia Federal.
—
O Policarpo é o seguinte: ele não alivia nada, mas também não te põe em
roubada, entendeu? Eu falei, eu sei, ó: “Inclusive vou te apresentar depois,
Policarpo, o Cláudio, eu sou amigo”, eu falei que era amigo do cê de infância.
E ele: “Então, ele trabalha na sua empresa”, falou assim, “vai me contar que
você tem ligação com ele”. Ele [Policarpo] sabia de tudo. “Eu não vou esconder
nada de você não, Policarpo, o Cláudio é meu irmão, rapaz”.
Policarpo
“Sabia de tudo”, diz Cachoeira. Tudo o quê? Quem disse “tudo” foi o bandido.
“Tudo” inclui atividades criminosas? Essa explicação não tem que ser dada? Como
alguém pode exigir que não se peçam explicações sobre Policarpo e Veja saberem
ou não de um esquema do tamanho que todos estão vendo?
É
muito simples: se Policarpo sabia que seus informantes estavam corrompendo,
roubando e fraudando desbragadamente, há que perguntar se Veja também sabia e
por que não denunciou. Foi só para obter denúncias contra o PT? Ora, se assim
for, Veja cometeu um crime associando-se ao bandido. Contribuiu para que
continuasse delinqüindo.
Acobertar
um esquema criminoso desse porte não se justifica pelo sigilo da fonte. Esse
sigilo até pode ser usado quando o jornalista divulga informação que recebeu de
um bandido, mas isso não o exime de denunciá-lo. O jornalista não tem que
contar quem lhe deu aquela informação sobre outro esquema criminoso, mas isso
não o impede de denunciar crimes de seu informante que nada têm que ver com a
informação que ele lhe deu.
Se
ficar provado que Policarpo sabia que sua “fonte” estava cometendo tantos
crimes e nada disse a fim de manter a fonte informando-o, não resta dúvida
alguma de que cometeu um crime, de que foi cúmplice do criminoso. E se Veja
também sabia, idem. Não existe nenhum advogado, nenhum juiz, nenhum
especialista em código penal que negará isso.
É
uma enormidade o que a grande imprensa, em um surto de corporativismo, está
propondo. A proposta é a de que jornalistas possam acobertar esquemas
criminosos do porte do de Carlinhos Cachoeira a fim de obterem informações
sobre outros supostos esquemas criminosos. E de que essa proteção possa se
estender por anos.
Assim
sendo, esquemas criminosos se perpetuarão e apenas alguns outros esquemas
criminosos serão desbaratados. Ou seja: querem dar à imprensa uma licença para
ela dar outra licença a bandidos para cometerem seus crimes. Estes
bandidos-informantes seguiriam cometendo crimes gravíssimos sem ser
incomodados.
A
única saída para Policarpo e para seus empregadores é negarem conhecimento de
que Cachoeira fosse um criminoso. Para isso, terão que depor e explicarem essa
questão. Todavia, se fizerem isso e aparecerem gravações ou alguma outra prova
do contrário, estarão perdidos. Por isso a mídia não quer que Policarpo se
explique na CPMI.
Fonte: http://www.blogcidadania.com.br/