quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Veja e suas capas eleitorais - 1994/2010


Washington Araújo

Há algum tempo nutri a curiosidade de saber como Veja – a revista semanal de informação com maior circulação no país – produziu suas capas nas duas últimas semanas dos pleitos presidenciais de 1994, 1998, 2006 e este mais recente de 2010. Parece que o baú de Veja não guarda truques novos. Apostar no medo, no pânico da população está sempre ao alcance de suas mãos. Também soa extemporâneo declarar o óbvio sobre quem “dividiu o país” e quem “fará o país funcionar”.


Vez por outra sinto-me inclinado a observar como a história do Brasil é contada através do cotejo de capas e manchetes dos principais jornais e revistas do país em momentos singulares de nossa história política e social. Há algum tempo nutri a curiosidade de saber como Veja – a revista semanal de informação com maior circulação no país – produziu suas capas nas duas últimas semanas dos pleitos presidenciais de 1994, 1998, 2006 e este mais recente de 2010.

A edição de Veja n° 1389, de 28/9/1994, trazia um macaco na capa e a manchete “O elo perdido” e o educativo subtítulo “pesquisadores descobrem na África o ancestral do homem mais próximo dos macacos”. O sucesso do Plano Real era de tal magnitude que a revista se abstinha de tratar do assunto mais impactante (e palpitante!) do ano, do mês e da quinzena: a eleição presidencial. Mas, faltando apenas uma semana para o dia da eleição, a revista da Abril não conseguiu controlar sua ansiedade e resolveu transformar em panfleto sua última edição antes de os votos serem lançados na urna. É emblemática a capa da Veja (1360, de 5/10/1994) trazendo a ilustração de uma mão colocando o voto em uma urna e a manchete “O que o eleitor quer: Ordem, Continuidade e Prudência – O que o eleitor não quer: Salvador da Pátria, Pacotes e Escândalos”.

Todo o palavreado poderia ser descrito em apenas nove letras: Vote em FHC.

Quatro anos depois, novo pleito presidencial. A grande novidade dessas eleições – e também o maior escândalo político-financeiro do ano – foi a introdução na política brasileira do instituto da reeleição. A penúltima capa de Veja antes das eleições (1566, de 30/9/1998) trazia a imagem de um executivo engravatado e com a cabeça de madeira. Ou sejam, óleo de peroba é bom quando é para lustrar a cara-de-pau dos outros. A manchete colocava todos os políticos no mesmo balaio de gatos: “Por que o Brasil desconfia dos políticos” e o subtítulo “Os melhores e os piores deputados e senadores às vésperas das eleições”. Desnecessário dizer qual o critério de valoração utilizado pela revista. Se a capa anterior tratava de fincar o prego, na semana das eleições a revista tratava de lhe entortar a ponta.

E assim, sem qualquer melindre, sem ninguém para lhe chamar de governista ou para denunciar seu jornalismo como típico daquele produzido em comitê de campanha, a capa de Veja (1567, de 7/10/1998) trazia a foto de um sorridente Fernando Henrique Cardoso, fazendo o sinal de positivo com o polegar e a manchete “Agora é guerra”. Dificilmente uma imagem contraria tanto a mensagem escrita quanto esta. É que ninguém vai para a guerra sorrindo de orelha a orelha e cheio de otimismo. Mas foi essa a imagem escolhida pelo carro-chefe das revistas da Abril. A opção preferencial da revista ficava bem em alto relevo nos subtítulos: “O desafio de FHC reeleito é impedir que a crise afunde o Brasil do Real – A mexida secreta na Previdência – As outras medidas que vêm por aí – Em maio ele pensou em desistir da reeleição”. Bem no estilo Jean-Paul Sartre para quem “o inferno são os outros”, Veja acenava com o paraíso a ser conquistado com a reeleição de seu presidente e carregava na cores do medo ao pintar um cenário em que o Plano Real afundaria e com este o país como um todo.

Nada como a constatação do filósofo contemporâneo Cazuza (1958-1990) de que realmente “o tempo não para”. Novo pleito presidencial. Estamos em 2002. Na semana em que se realizaria o primeiro turno a capa de Veja (1773, de 16/10/2002) trazia fotomontagem de dinossauros com cabeças de políticos simbolizando Quércia, Newton Cardoso, Brizola, Collor e Maluf. A manchete foi “O parque dos dinossauros” e uma tabuleta com o subtítulo “Estas espécies foram tiradas de circulação”. Como aprendiz de clarividente a revista não foi aprovada como os anos seguintes iriam mostrar: Quércia sempre manteve seu poder político em São Paulo (e em 2010 estava em vias de se eleger senador caso não tivesse enfrentado grave problema de saúde na reta final da campanha); Newton Cardoso foi eleito Deputado Federal em 2010; Brizola morreu; Collor foi absolvido pela Supremo Tribunal Federal dos vários episódios que culminaram com seu impeachment em 1992 e em 2006 foi eleito senador por Alagoas; Paulo Maluf foi eleito Deputado Federal em 2006 com a maior votação proporcional do país e reeleito em 2010 com a terceira maior votação de São Paulo.

Na semana em que se realizou o segundo turno para presidente da República em 2002, a capa da revista Veja (1774, de 23/10/2002) trazia ilustração e fotomontagem de cachorro na coleira com três cabeças – Marx, Trotsky e Lênin. A manchete: “O que querem os radicais do PT?”. Na lateral superior esquerda o alerta “Brasil – o risco de um calote na dívida”. Como subtítulo: “Entre os petistas, 30% são de alas revolucionárias. Ficaram silenciosos durante a campanha. Se Lula ganhar, vão cobrar a fatura. O PT diz que não paga”. Ainda assim, é comum que a revista se apresente ao país como revista independente, sem qualquer vínculo político-partidário, plural etc., etc., etc.

Chega 2006 e com ele mais um pleito presidencial. Deixemos de lado as capas nas duas semanas dos primeiro turno. A capa de Veja (1979, de 25/10/2006) trazia a foto (um tanto assustado) do filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e como a lhe fazer sombra a imagem em tons fantasmagórica do pai presidente. A manchete: “O ´Ronaldinho´ de Lula” e o subtítulo “O presidente comparou o filho empresário ao craque de futebol. Mas os dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só apareceram depois que o pai chegou ao Planalto”. As matérias internas eram compostos de livres exercícios de desconstrução da imagem do presidente candidato à reeleição.

Tudo o que podia existir de errado no país ao longo dos últimos quatro anos era creditado na conta de Luiz Inácio Lula da Silva. E o que, porventura, dera certo, estava creditado na conta de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, agora representado pelo candidato tucano Geraldo Alckmin. Este raciocínio, compartilhado não apenas pela revista da Abril, -- mas também pelos principais jornais e emissoras de rádio e tevê do país -- continua vigente até este ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na semana das eleições a capa de Veja (1980, de 01/11/2006) trazia duas cabeças de perfil – Alckmin e Lula, olhando em direções opostas. A manchete “Dois Brasis depois do voto?” Mais o subtítulo alarmista: “Os desafios do presidente eleito para unir um país dividido e fazer o Brasil funcionar”.

Parece que o baú de Veja não guarda truques novos. Apostar no medo, no pânico da população está sempre ao alcance de suas mãos. Também soa extemporâneo declarar o óbvio sobre quem “dividiu o país” e quem “fará o país funcionar”. Isso fica claro nas reportagens internas dessa edição.

Mudemos agora um pouco o padrão de análise a que me incumbi. Em relação ao pleito recém-concluído optei por destacar quatro capas de Veja, em sequência. Elas dizem à larga como a revista tomou partido ao longo dos últimos anos, como explicitou suas preferências partidárias e como encontrou fôlego para manter o discurso que é ‘politicamente independente e sem nenhum compromisso, a não ser perante ela própria e os seus leitores, e que não se identifica com nenhum partido ou grupo social’.

– Veja n° 2181, de 8/9/2010 trazia na capa a ilustração em primeiro plano de um polvo se enroscando no brasão da República. A aterrorizante imagem é realçada pelo fundo negro contra o qual é inserida a medonha ilustração. A manchete “O partido do polvo” e o subtítulo “A quebra de sigilo fiscal de filha de José Serra, é sintoma do avanço tentacular de interesses partidários e ideológicos sobre o estado brasileiro”. A revista pode até ter pudores de não dizer na capa quem é o seu candidato à presidência do Brasil mas não guarda nenhum pudor em satanizar quem, definitivamente, não merece seu respaldo.

– Veja n° 2182, de 15/9/2010 repetia na capa a mesma ilustração sendo que agora o polvo enrosca seus tentáculos em maços de dinheiro. Mudou o pano de fundo que agora é avermelhado. Manchete “Exclusivo – O polvo no poder”. Subtítulo “Empresário conta como obteve contratos de 84 milhões de reais no governo graças à intermediação do filho de Erenice Guerra, ministra-chefe da Casa Civil, que foi o braço direito de Dilma Rousseff”.

– Veja n° 2183, de 22/9/2010 tem novamente na capa o famoso molusco marinho da classe Cephalopoda lançando gigantescos tentáculos dentro do espelho d´água do Palácio do Planalto. Alguns tentáculos já se enroscando nas colunas projetadas por Oscar Niemeyer. A manchete: “A alegria do polvo”, um balão daqueles de revista em quadrinhos e delimitado por raios abarcava a interjeição “Caraca! Que dinheiro é esse?”. Ao lado longo texto explicativo sobre o autor da espantada locução: “Vinícius Castro, ex-funcionário da Casa Civil, ao abrir uma gaveta cheia de pacotes de dinheiro, na reação mais extraordinária do escândalo que derrubou Erenice Guerra”.

– Veja n° 2184, de 29/9/2010 mostra que os dias de celebridade do predador octopoda haviam terminado. Agora a capa reproduz página da Constituição Federal, onde se podia ler excertos do Art. 220 – Da Comunicação Social. Até aí nada demais. O que chama a atenção é uma estrela vermelha apunhalando a página. Coisa de ninja assassino lançando sua mais letal arma. Manchete: “A liberdade sob ataque”. Subtítulo: “A revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre”. Para uma revista que tanto preza a Constituição do Brasil resta lamenta a falta que fez nessa edição uma boa reportagem sobre a regulamentação dos cinco artigos constitucionais dedicados à Comunicação Social. Especialmente aquele de número 225. Sim, este mesmo!, o que inicia com estas palavras: “Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.”

A grande imprensa brasileira parece usar dicionário bem diferente daquele usado por cerca de 200 milhões de brasileiros. Palavras como isenção, apartidarismo, independência editorial, adesão à pluralidade de pensamento, parecem completamente divorciadas de seu significado real, aquele mais comezinho, aquele que figura logo no início de cada verbete. E quanto mais parte considerável da imprensa mais vistosa – essa que tem maior circulação, maior carteira de assinantes, maior audiência etc. - afirma ser uma coisa mais demonstra ser exatamente o seu bem acabado oposto. O fenômeno parece com crise de identidade tardia, constante e renitente. Quer ser algo que não é. E a todo custo. Custo que inclui credibilidade, responsabilidade.

E não é por outro motivo que ao longo do mês de setembro de 2010 pululavam no microblog twitter mensagens como esta de 16/9/2010 dizendo o seguinte: “Faltam 18 dias, 2 capas de Veja e 2 manchetes de domingo da Folha para as eleições em que o povo brasileiro mostrará sua força política.”

Pelo jeito como a realidade deu conta de dar seu recado os efeitos das capas foram absolutamente inócuas junto à população. Se eram destinadas a produzir um efeito X, terminaram por produzir um efeito Y. Tanto em 2002 quanto em 2006 e há poucas semanas, também em 2010. Talvez tenha chegado o momento de voltar a dedicar suas capas à busca do elo perdido, aquele que deve nos ligar indissoluvelmente ao macaco ou então direcionar suas energias para encontrar algo mais nobre como o Cálice Sagrado, o Santo Graal. Outra opção poderia ser investir na localização de lugares como Avalon nas cercanias das Ilhas Britânicas. Mas como Veja tem mostrado pendores para eternizar seres marinhos talvez tenha mais proveito se buscar vestígios da Atlântida. Uma pista: boas indicações foram deixadas por Platão (428 a.C. – 348 a.C.) em suas célebres obras "Timeu ou a Natureza" e "Crítias ou a Atlântida".

Fonte: wwww.cartamaior.com.br

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Alvenaria alternativa


A obra do arquiteto Vitor Lotufo
Edite Galote R. Carranza e Ricardo Carranza


“A arquitetura é um gesto. Nem todo movimento intencional do corpo humano é um gesto. Nem tão pouco se concebem como arquitetura todos os edifícios construídos de um propósito” (1).
Wittgenstein

Vitor Amaral Lotufo formou-se em 1967 pela FAU Mackenzie em uma década de profunda instabilidade política: otimismo simbolizado pela fundação de Brasília, comprometimento das instituições sob o golpe militar, mercado de trabalho próspero à custa de progressiva dívida externa; tais condicionantes ditaram um debate político truncado entre tradição, facções ideológicas e uma nova geração que viria assumir a ruptura de paradigma em todos os níveis culturais.

O ponto de partida de Lotufo foi, em princípio, previsível, considerando-se a sólida formação modernista legada pelo pai, o engenheiro-arquiteto Zenon Lotufo; entretanto, da construção do Parque do Ibirapuera, que acompanhou ainda menino, pois Zenon Lotufo era um dos arquitetos da equipe, à participação no escritório como arquiteto associado, o paradigma da arquitetura moderna sempre estivera presente no desenvolvimento profissional de Lotufo, embora dele viesse a se distanciar, contrariando o previsível, para investir em suas próprias ideias, tendo como ponto de partida a cúpula geodésica. Espírito inquieto, que a imagem zen parece contradizer, Lotufo irá trabalhar conceitos da arquitetura contemporânea aproximando vernacular e tecnologia sob o arco da techné.

Na década de 1970, o interesse pelo conhecimento levou Lotufo ao ensino e pesquisa. Estudou o dimensionamento da cúpula geodésica sistematizado por Buckminster Füller, incluindo detalhes construtivos, economia de meios e reciclagem de materiais. Da teoria à prática, seu binômio constante, empreende em 1979 o projeto da Casa de Botucatu, uma alternativa à tecnologia de materiais empregada nas geodésicas de Füller. A planta compacta, independente da estrutura, tem programa de 3 dormitórios, cozinha e banheiro ao redor da sala de jantar, implantada no centro do círculo. O novo sistema estrutural é contemplado com materiais mais modestos visando um objetivo de autossuficiência. São caibros de madeira aparelhados, aparafusados em módulos triangulares, fechamento em painéis mistos de madeira compensada e miolo de isopor, pintura à base de poliuretano. A economia de meios e redução do impacto ambiental vem com a adoção de materiais recicláveis, atitude embasada nos começos da sustentabilidade, e pelo gerenciamento do canteiro de obra.

Cogitava-se uma proposta para habitações econômicas, uma vez que o projeto poderia ser executado por um único profissional carpinteiro em três meses. Lotufo assumiria algumas propostas da obra O canteiro e o desenho, de Sérgio Ferro (2). O carpinteiro, por exemplo, expôs ao arquiteto sua prática sobre a fixação dos módulos de fechamento da geodésica, a ser executada, em sua opinião, de cima para baixo e não o contrário; a solução aceita é colocada em prática com resultado. Lotufo, ao preferir soluções construtivas mais próximas da realidade do canteiro; aproximando saber e fazer, reduz o papel da indústria, assumindo a escala artesanal em que o controle da obra repousa nas mãos do arquiteto. Essas ações, aparentemente menores, nos colocam diante do significado etimológico de arquitetura e, portanto, de sua perspectiva histórica. Não nos parece demasiado recordar que em grego architectonik significa – arquitetônico, arte do arquiteto, vocábulo do qual derivam arquitetura como arte de edificar, arte no sentido de techné, portanto fazer, ofício, e não artifício, este fundamento da pintura, literatura romanesca, etc., e enfim arquiteto – o que comanda a construção. Assim arquitetos como Lotufo atuam na origem do significado da profissão. Esta característica de construtor é destacada pelo professor Sylvio Sawaya:

“importante definir Vitor Lotufo como um grande arquiteto-construtor, que faz uma síntese das habilidades e possibilidades dos materiais e processos construtivos extremamente criativa e rica; a isto se associa uma relação geométrica muito forte, de expressão artística, com curvas, rotações, mandalas e por aí afora. Se há alguém, que nesses últimos trinta anos, avançou uma arquitetura entre nós, foi o Vitor” (3).

A casa de Botucatu tornou-se o ponto de inflexão na carreira de Lotufo. Nela materializa uma alternativa à Escola Brutalista Paulista, sem uma ideologia político partidária, sem uma diretriz rígida enfeixando adeptos, com materiais e técnicas fundados na adesão ao canteiro em oposição à indústria, neste caso sem uma total autonomia, mas em sintonia com a Sustentabilidade, filosofia que em nenhum outro momento histórico será tão premente, entendendo-se enfim que projeta o futuro do homem. A alternativa de Lotufo, entretanto, segue com a verdade dos materiais, talvez o único ponto de contato mantido em relação ao Brutalismo.

Ampliando suas pesquisas, em 1981 Lotufo publica Geodésicas & Cia, em coautoria com o arquiteto João Marcos A. Lopes (4). O compêndio trata das relações geométrico-estruturais via materiais e técnicas alternativos à geodésica serial de Füller. O tema é iluminado de vários pontos de vista: experimentos de Lotufo no meio acadêmico, habitações alternativas na comunidade semiagrária Drop City, EUA; projetos de Eládio Dieste e Hassam Fathy com obras em tijolo e adobe; em todos os casos, geometria e técnicas construtivas são uma constante. Outro aspecto importante é a proposta editorial. Desenhado à mão, com ilustrações de cartum e adoção de gírias, dirige-se a um público mais participativo. Conquistou espaço na área educacional com cursos em São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Salvador, entre outros. Seus conceitos foram aplicados no meio acadêmico, em aulas e ensaios de laboratório, amarrando geometria, cálculo estrutural e técnicas construtivas, principalmente na PUC-Campinas, onde Lotufo atuou durante mais de duas décadas.

Em 1975, Lotufo abre o Oficina de Arquitetura em sociedade com João Marcos A. Lopes e Wagner Germano. Novamente questões relativas à organização dos níveis de atividade, em um escritório de arquitetura, foram observadas. O Oficina revê o princípio de hierarquia, esta forma tradicional das organizações de trabalho, visando a cooperação entre arquitetos e clientes e a contribuição criativa da mão de obra.

Uma nova solução de geodésica é posta em prática na residência de Itapevi em 1981. Com 9,00m de diâmetro, o telhado é composto de um sistema estrutural de triângulos e hexágonos em madeira e telhas cerâmicas, tipo capa e canal, do topo aos peitoris das janelas. A maior parte da madeira utilizada veio de depósitos de demolição. Os dormitórios, localizados no pavimento superior, recebem a luz e o ar através de mansardas e claraboia. A entrada da residência é marcada por um arco de pedra e torre da lareira, quebrando, deliberadamente, com a geometria ideal da cúpula.

Os mesmos princípios, relativos à participação do cliente, técnicas e canteiro, conduzirão a concepção da residência Rebouças em 1985. A declividade do terreno levou à adoção de um partido em que os ambientes foram distribuídos em três níveis que correspondem a três blocos interligados: serviço e jantar, salas de estar e repouso. A residência também foi construída, em grande parte, com materiais de demolição. A pedra rústica foi adotada para muretas, pisos e escadas, pérgula em madeira na forma de paraboloide parabólico, vedos em tijolo de barro à vista, e jardim. Os operários opinaram na resolução de detalhes de pisos, muros e caixilharia.

O uso de um edifício pressupõe sua adequação. No entanto, a questão pode ser revista; hospitais, lojas ou residências, podem sofrer alterações no tempo, devido à manutenção, alteração de programa ou do tecido urbano. Em face da ampliação da Igreja Presbiteriana em 1987, Lotufo projetará um anexo, nos fundos do lote, em abóbadas de tijolos à vista na sua concavidade interna, revestidas externamente com argamassa aditivada e pintura impermeabilizante, vigas-calha em concreto aparente, colunas helicoidais em tijolos à vista. A abóbada bem executada atende às necessidades de estanqueidade e desempenho termo-acústico.

A Oficina de Arquitetura cumpriria seu ciclo em dez anos. Lotufo viaja a Grenoble, França, em 1985, participando de um intercâmbio acadêmico gerido pelo Professor Carlos Henrique Heck. O programa teve segmento com professores e alunos da PUC-Campinas.

Em 1989 Lotufo abre um novo escritório, o Oficina de Habitação. Consoante à iniciativa da administração municipal, iniciaram-se projetos de habitação social inseridos em Plano de Mutirões para a construção de conjuntos habitacionais em 1989. Com 131 casas, foi iniciado pela construção do centro comunitário, a fim de abrigar reuniões entre comunidade, técnicos e poder público, necessárias ao planejamento dos mutirões. Lotufo, dispondo de materiais como laje mista de blocos cerâmicos e vigotas de concreto, construiu coberturas em paraboloides parabólicos. A inclinação das lajes tornaria desnecessária a impermeabilização convencional, proporcionando melhor conforto devido ao pé-direito ampliado dos ambientes. O arquiteto colocava em prática que soluções inusuais podem ser executadas com mão de obra não especializada e materiais vulgares, com resultados superiores aos projetos insípidos praticados pelas companhias de habitação. A população de baixa renda, é escusado dizer, também é sensível ao desenho, à forma é à cor, como sabemos há uma identidade essencial entre casa e morador, em latim habito – significa morar e habitat – ele habita.

A residência Victor Rebouças, em 1991/1996, é mais um exemplo de interação entre arquiteto, cliente e canteiro de obra. O proprietário, que conhecia Lotufo desde a realização da casa dos pais, desejava materializar o sonho de uma casa “rústica como uma gruta”. Lotufo adotou um partido de volumetria recortada, favorável ao ar e à luz. Especificou materiais de demolição, construindo pilares de paralelepípedos, vedos em tijolo de barro à vista, e industrializados como vidrotil nos banheiros e piscina. Os espaços internos foram resolvidos através de cúpula, cobertura parabólica, pirâmide de vidro, arcos em tijolo de barro à vista, ricos de texturas e cores, amplos e iluminados. Anexo ao corpo principal da casa, um telhado paraboloide abriga um grande pátio-garagem.

O professor Carlos Lemos, autor de Cozinhas e Etc., costuma comentar em aula que os melhores fornos caipiras são construídos com terra de cupinzeiro, devido ao aglutinante existente na saliva do inseto. Em 2004, diante da presença de muitos cupinzeiros em seu sítio de Botucatu, Lotufo resolve dar um fim ao material e constrói um sobrado tradicional e sustentável; fundações e alvenarias em terra de cupinzeiro; circulação vertical a cargo de uma escada helicoidal em argamassa armada e uma pequena laje para o banheiro; executado em tábuas sobre vigas de madeira os dormitórios são distribuídos no andar superior. O telhado em telhas de barro sustenta as placas de aquecimento solar.

Em um edifício de escritórios com quatro pavimentos, em 2004, Lotufo, incansável na busca de novas soluções, exemplifica como a concepção arquitetônica pode permear todas as etapas de projeto. O edifício, implantado em um lote urbano de 5,00m de frente, foi concebido mediante duas paredes estruturais que descarregam sobre um radier em abóbada moldada in loco. As salas comerciais são interligadas por rampas ao redor de um vão central descoberto. Além das instalações convencionais, o abastecimento de água é suprido por uma cisterna. Trabalhando com materiais de demolição, vedos estruturais em tijolo à vista e um robusto quebra-sol em madeira determinam a expressão plástica do projeto.

Em 2005 o arquiteto projeta, em argamassa armada, uma residência com 56,00m², adequada a um programa de sala, dois dormitórios, banheiro, cozinha, e uma pequena área de serviço. Para uma solução em abóbadas nervuradas, o sistema foi resolvido mediante três modelos de formas: cobertura, topo da cobertura e pilares. As peças prontas, o arquiteto montou a edificação para verificar os encaixes, antes que fosse transportada para o local da implantação em Botucatu. A argamassa armada bem executada é impermeável, assim apenas as juntas das peças receberam impermeabilização. Os vedos, sem função estrutural, foram executados em tijolo de barro revestidos. Depois de habitada, um tecido de vegetações na cobertura contribui com as necessidades de conforto.

Contando com uma muito consistente experiência na arte de construir, a residência de campo Eduardo Manzano em 2007 é inteiramente projetada em tijolo de barro à vista, inclusive a cobertura na forma de tronco de pirâmide denteado, uma das tipologias desenvolvidas com êxito pelo arquiteto; a exceção ficou por conta da caixa d’água, um icosaedro em argamassa armada. A planta tem a distribuição dos dormitórios, estar e serviços ao redor da sala de jantar no centro de um octógono, forma que amplia as possibilidades de ar e luz. Recortes nas alvenarias permitiram também o recuo de aberturas nos dormitórios e sala de estar. Apesar do programa compacto, há sensação de espaço devido ao pé-direito ampliado dos ambientes.

Ao longo de sua trajetória, Lotufo manteve seus estudos da geometria associada ao dimensionamento estrutural. Reconsiderou o papel da representação do projeto, entendendo que a técnica é o meio fundamental às atividades de canteiro, e que o conjunto de suas peças gráficas dependerá sempre daquele meio. Via de regra, seu processo de projeto associa desenhos e modelos tridimensionais. De qualquer forma, considera o projeto executivo imprescindível, mas seu desenvolvimento, enquanto cortes e detalhes, pode ser resumido em favor de soluções adequadas à realidade do canteiro, recursos financeiros e mão de obra. O caminho de Lotufo exigirá pesquisa e prática em profundidade.

O Refeitório da Secretaria da Habitação de Osasco em 2008, enquanto espaço que melhor atendesse às necessidades de programa, livre de entraves de elementos estruturais, não foi encarado como meramente utilitário. A junção de abóbadas nervuradas em tijolo de barro, com um vão de 7,00m entre eixos, contribuiu para um ambiente de visuais contínuas e amplas. Garrafas de vidro, nos vãos das nervuras, fazem um jogo de luz que dilui os limites dos materiais. Mesmo em projetos de menor status, como um refeitório, o arquiteto tem sempre a preocupação em criar um ambiente de texturas, cores e luzes; a nós recorda o poeta: “a liberdade é uma conquista diária”, afirma Goethe.

No Sítio dos Anjos em 2008, em uma área semirrural, técnicas construtivas tradicionais foram associadas a novas soluções formais no projeto de residência para um pequeno grupo de sacerdotes. A planta, determinada por três quadrados imbricados pela diagonal, cria um jogo de arestas entre vedos em taipa de pilão e laje parabólica de cobertura. A experiência faz com que os materiais ganhem maior plasticidade nas mãos do arquiteto. No caso, uma treliça em ferro tijolo alivia o balanço de maior envergadura no principal eixo de acesso à obra. A professora Mônica Junqueira de Camargo avalia da seguinte forma:

“Lotufo propõe alternativas inéditas para intervenções complexas, seja pelos programas, seja pelos sítios onde são implantados. Vitor cria sob condições precárias, interfere em espaços consolidados e geralmente de ocupação informal, e ainda assim produz arquitetura, no sentido mais essencial do termo, isto é, de melhorar o habitat humano” (5).

O primeiro contato entre Lotufo e os missionários espiritanos ocorreu por volta de 1984. O Padre Patrick e Padre Airton foram ao Laboratório de Habitação da Faculdade de Belas Artes de São Paulo – LABHAB, em busca de apoio técnico para o Centro Cultural de Vila Prudente – CCVP. Lotufo integrava o corpo docente juntamente com Joan Villá, Yves de Freitas, Reginaldo L. N. Ronconi, João Marcos A. Lopes, Olair de Camilo, Raquel Rolnik, Nabil Bonduki, Antonio Carlos Santanna Jr, Carlos Roberto Andrade, Maria Amélia, Mauro Bondi, Marco A. Ossello, além da colaboração dos estudantes Ema Paula, Luis Caroprezzo, Maria Nelci Frangipani e Martha Genta; o coordenador do curso era o arquiteto Jorge Caron.

O laboratório foi mantido de maio de 1982 a março de 1986, quando interditado devido a uma crise político-administrativa entre instituição e corpo docente. Segundo Nabil Bonduki, a proposta do LABHAB “visava aproximar a Universidade e os Bairros populares” (6) e o modelo foi adotado em outras instituições de ensino, como o Habitafaus da FAUSantos, o Laboratório do Habitat na FAU PUC-Campinas e o Laboratório de Habitação do Núcleo de desenvolvimento de Criatividade da Unicamp, este conduzido pelo arquiteto Joan Villá, nas suas palavras:

“O laboratório não só veio a se constituir numa assessoria técnica, com as características necessárias para se adequar às necessidades e exigências dos movimentos de moradia, como organicamente, a partir de seu interior, foi rigorosamente pioneiro na construção de um saber e de uma prática profissionais que caracterizaram futuramente os técnicos da comunidade” (7).

Com o fim do LABHAB, o projeto do CCVP será retomado por Lotufo, Martha Genta e o engenheiro professor Yopanan Rebello, formando o núcleo técnico para a construção de uma creche. Lotufo então irá engajar-se em uma série de projetos entre 1990 a 2008.

A construção das unidades do CCVP, na dependência de doações escassas e irregulares, foi árdua. Os projetos foram alocados em seis unidades descontínuas típicas da autoconstrução, isto é, alvenaria de blocos cerâmicos vulgares sem revestimento, pilares concretados sem controle tecnológico, laje mista em vigotas de concreto e blocos cerâmicos, telhado de estrutura de madeira e telhas onduladas de fibrocimento.

Como princípio de racionalização, Lotufo empregará a técnica do ferro-tijolo sistematizada da seguinte forma: vergalhões de aço encurvados e chumbados nas suas extremidades são emparedados por tijolos tipo bi-queima, mais resistentes e impermeáveis, sustentados através de grampos metálicos durante a cura da argamassa. O sistema é artesanal e autossuficiente; exclui a necessidade de equipamentos e movimentação de caminhões betoneira, o que é desejável em função das características das intervenções, além de reduzir ou eliminar o uso de escoramentos ou formas de madeira.

Quanto às circulações verticais, na maioria das vezes, foi utilizada uma escada helicoidal desenvolvida por Lotufo. Construída em ferro-tijolo é apoiada em um único vergalhão chumbado no eixo central. Da maneira como é construída, a escada é um elemento autoportante, compacto e estável, sem a trepidação tão frequente em escadas desse tipo.

CCVP Milton Santos

Para a oficina de mosaicos os missionários conseguiram uma pequena habitação de 60.79m² de área em três pavimentos. Lotufo substituiu a cobertura existente por um tronco de pirâmide denteada com iluminação e ventilação zenitais permanentes. A solução é econômica em comparação às lajes de concreto armado impermeabilizadas. Neste projeto a circulação vertical foi resolvida por uma escada helicoidal, também desenvolvida por Lotufo, em argamassa armada. A escada é moldada in loco, com economia de material, mão de obra reduzida ao estritamente necessário e estrutura biapoiada.
CCVP Chico Mendes

A unidade de refeitório e cozinha foi implantada em uma habitação de dois pavimentos e área de 67.31m². Lotufo integrou os ambientes no pavimento térreo em um único salão, o que exigiu uma nova estrutura resolvida por um arco de tijolos de barro com a função de sustentar a laje do pavimento superior. Uma nova escada autoportante, em tijolos de barro argamassados, resolve a circulação vertical.

No pavimento superior os ambientes também são integrados. Duas pirâmides helicoidais, com iluminação e ventilação zenitais, revelaram-se eficientes para a sucção do ar quente da cozinha, ambas funcionando como grandes coifas. Estudantes das oficinas de mosaico executaram um mural para a fachada da edificação.

CCVP Nossa Senhora de Guadalupe

Para os espaços administrativos de apoio, foi adquirida uma habitação de três pavimentos com área de 183.13m². Lotufo demoliu parcialmente as paredes internas e as escadas existentes construindo arcos de sustentação às lajes do pavimento superior. A laje de cobertura teve solução em cúpula com raio de 4,20m, iluminação zenital e caixilho tipo rosácea. As paredes internas, a exemplo do projeto anterior, também receberam tratamento em murais de mosaicos executados pelos jovens da comunidade.

Salão e Capela São Patrício

A maior das unidades, uma habitação com 3 pavimentos e com 227,80m², possuía uma área livre nos fundos do lote, algo raro no espaço congestionado da favela, único espaço sem reformas projetado pelo arquiteto.

Esta unidade multidisciplinar destinada às artes marciais, danças e administração, terá pé-direito duplo, cerca de 5.20m, construído em abóbadas nervuradas de ferro-tijolo e garrafas de vidro.

No último pavimento, para um espaço tão exíguo quanto o da Capela São Patrício, Lotufo construiu uma abóbada em ferro-tijolo, vedos laterais em uma trama de tijolos assentados nos eixos horizontal e vertical, formando triângulos com garrafas coloridas incrustadas nos intervalos; com a finalidade de se constituir um vitral, o vedo posterior foi resolvido mediante trama de tijolos entrelaçados e fechamento em vidro martelado colorido. A luz filtrada, matéria essencial ao sagrado, modela o ambiente de forma inversa: “Os vitrais nunca se irisavam tanto como nos dias em que o sol se mostrava pouco, de modo que, por mais cinzento que estivesse o céu lá fora, tinha-se a certeza de que haveria bom tempo na igreja”, afirma Marcel Proust (8).

Escola de educação infantil São Francisco de Assis

Para a escola os missionários adquiriram uma habitação de dois pavimentos e área de 125m². No pavimento térreo, foram projetados dois novos sanitários e biblioteca com alvenaria de tijolos de barro e prateleiras de argamassa armada. No pavimento superior está localizada a grande sala de aula. Como estrutura auxiliar, um mezanino com a função de guarda de material escolar é apoiado sobre uma viga vagão de 5,00m de vão.

A cobertura, em laje mista de vigotas de concreto e blocos cerâmicos, teve solução inusual. Biapoiada no sentido transversal, se desenvolve através de curvaturas defasadas formando um shed no desvão entre as lâminas. O arquiteto riscou in loco as curvas da laje auxiliando o trabalho do pedreiro.

A comunidade também se apropriou do espaço com a execução de mosaicos e murais multicoloridos, reforçando o caráter lúdico dos espaços.

Pastoral Dom Oscar Romero

Localizado na rua central, defronte a Igreja Matriz, o Centro Pastoral Dom Oscar Romero conta com um programa de cerimônias religiosas, festas e apresentações musicais.

A edificação original com três pavimentos e área de 170.30 m², possuía quatro habitações. Para a implantação dessa unidade o arquiteto unificou os espaços, fazendo-se necessária a demolição das colunas centrais existentes e construção de sistema estrutural com novos apoios executados em colunas-feixe desenvolvidas a partir de arcos com a função de sustentar as lajes dos pavimentos. No último andar, as colunas-feixe formam paraboloides. Os tijolos assentados no sentido longitudinal acompanham a curvatura das barras de aço. Em intervalos não modulares, garrafas foram incrustadas nos vãos entre os tijolos. Na face externa, as abóbadas foram revestidas com argamassa e pintura impermeabilizante.

O professor Yopanan Rebello comenta os projetos do CCVP:

“São projetos muito bonitos e de grande audácia estrutural, usando formas em que prevalece a compressão, apropriadas ao uso de tijolos. São estruturas que o Vitor vem pesquisando, tendo um de seus restaurantes como exemplo dessa solução. No que me concerne, o Vitor sempre foi um admirador de Gaudí e usou muito os conceitos desse grande arquiteto catalão.”

Os espaços construídos por Lotufo, devido às formas, texturas e cores dos materiais, atenuaram a dura realidade dos espaços da favela. É notável a aceitação pela comunidade, observável nos trabalhos de mosaicos internos e externos às unidades, tornando mais agradáveis as ruas estreitas da favela, reivindicando uma urbanidade desejada, legítima e necessária. Igualmente notável o prestígio do mestre José Paulo Silva, responsável pela execução das unidades, junto à sua comunidade. Por outro lado, as obras de Lotufo, dadas as condicionantes, não alteraram o conjunto dominante de autoconstrução da comunidade. Entretanto, são intervenções capazes de favorecer a participação da população, do indivíduo como um valor a ser respeitado, vencendo limites materiais, realizando, longe das exclusivas ambições monumentais da profissão, uma beleza franciscana.

Na vertente teórica, Lotufo seguia com suas considerações a respeito da geometria, enquanto ramo da matemática, entendido como um ambiente de formas e desenhos mais compatível com a arquitetura, comparado aos esquemas gráficos adotados pela engenharia. Longe de qualquer divergência entre as profissões, ao arquiteto não basta saber qual o sistema estrutural mais adequado ou o limite de uma viga. Seu trabalho exige o domínio da forma enquanto estabilidade e plástica da concepção. O arquiteto não projeta em linha reta; é um constante ir e vir entre plástica, programa de necessidades, matérias e técnicas, escalas da cidade do lote e do homem, dados culturais, socioeconômicos, políticos, entre outros. Assim, o recurso gráfico-analógico, estudado por Lotufo, nos parece mais adequado ao universo de representação da arquitetura.

Em continuidade à sua pesquisa iniciada com Füller, Lotufo tem aprofundado suas pesquisas sobre as construções em cúpula, resultando na monografia Da natureza das estruturas (9). Nela retoma estudos baseados em Brunelleschi, Gaudí e Nervi, dissecando as várias modalidades de cúpula, no seu eterno devir entre teoria e techné.

Lotufo, ao transpor o moderno, opera uma síntese do saber-fazer, arco do barro ao tijolo, atuando como architektonic extemporâneo, assumindo riscos, avançando a obra na obra.

notas

[Publicado originalmente em AU, n. 194 maio 2010]

1
WITTGENSTEIN, Ludwig. Cultura e valor. Lisboa, Edições 70, 1996.

2
FERRO, Sérgio. O canteiro e o desenho. São Paulo, Projeto, 1979.

3
SAWAYA, Sylvio. Depoimento aos autores do artigo.

4
LOTUFO, Vitor Amaral; LOPES, João Marcos Almeida Lopes. Geodésicas & cia. São Paulo, Projeto, 1981.

5
CAMARGO, Mônica Junqueira de. Depoimento aos autores do artigo.

6
BONDUKI, Nabil Georges. Criando territórios de utopia: a luta pela gestão popular em projetos habitacionais. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 1987, p. 13.

7
VILLÀ, Joan. A construção com componentes pré-fabricados cerâmicos: sistema construtivo desenvolvido entre 1984 e 1994. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2002, p. 43.

8
PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido. São Paulo, Folha de São Paulo, 2003.

9
LOTUFO, Vitor Amaral. Da natureza das estruturas. .

sobre os autores

Edite Galote R. Carranza é arquiteta e mestre pela FAU Mackenzie e doutoranda pela FAU USP. Diretora da G&C Arquitectônica e editora da Revista Eletrônica 5% arquitetura+arte

Ricardo Carranza é poeta, escritor, pintor, professor universitário. Arquiteto pela FAU Mackenzie e mestre pela FAU USP. Diretor da G&C Arquitectônica e editor da Revista Eletrônica 5% arquitetura+arte


Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/10.126/3659

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

PSDB, DEM e PPS: A direita raivosa

Texto de Adriano Gomes

As eleições passaram e o período pós-eleitoral demonstrou a verdadeira cara da direita no Brasil: raivosa, covarde e preconceituosa. A começar pelo próprio discurso de José Serra no dia 31 de outubro, que evocava a união da oposição e que a guerra estava apenas começando. O candidato derrotado deveria ao menos ter a atitude democrática de admitir a derrota e parabenizar a candidata eleita, como fez o seu próprio colega de partido: Geraldo Alckimin. Por mais, que muitos membros desta própria direita, como um leitor do meu blog, não admitam a existência de direita / esquerda, não há como negar que em todos os partes da sociedade, há sempre a presença de projetos opostos e variáveis a este projeto. Esta opção de projeto ficou bem clara nas eleições. De uma lado, um projeto que inclui privatizações, arrocho de contas públicas e de salários, construção de grandes obras ao invés de projetos sociais (para favorecer os que bancam a campanha), favorecimento as elites e cidades mais ricas e de estado mínimo, onde os interesses privados sejam maiores do que os interesses públicos. Do outro lado, há o projeto vencedor que incluiu ao longo de 8 anos, o emprego pleno, saúde, educação, habitação, inclusão social, economia sustentável e o estado como digno representante da população.

Nestas eleições, a posição ESQUERDA X DIREITA ficou bem clara e a direita, muito bem representada pelo PSDB, DEM e PPS demonstrou claramente a sua opção: Vencer a qualquer custo, mesmo que seja através da manipulação de massas e da força. A única coisa que esta direita não esperava era o aumento do nível de informação da população a ponto de barrar este projeto. A direita no Brasil tenta fazer ressurgir no Brasil a velha UDB, de sustentação da nossa ditadura e dos nossos conservadores. Também é uma tentativa de criação aqui do movimento conservador "Tea Party" americano, com todo o seu racismo e xenofobia. Isto ficou claro após o resultado das urnas. Logo que, no dia 31 de outubro, as 20:08 h foi anunciado o resultado oficial da eleição de Dilma Roussef para presidente do Brasil, começaram a chover no twitter e no facebook, xingamentos e ameaças contra os nordestinos e nortistas de setores da classe média e da alta burguesia de São Paulo. Mal sabem eles que mesmo sem os votos do Nordeste, Dilma venceria de toda a forma. Este tipo de preconceito, via web, foi usado em toda a campanha serrista, a mando, é claro da coordenadora de campanha via web do PSDB, Soninha Francine, do PPS. A baixaria chegou a tanto, que postaram no site VOTESERRA45, a poucos dias da campanha, um vídeo intitulado "2012 - o fim está próximo". O vídeo é profissional e teve o objetivo de semear o medo e o ódio. Todas estas baixarias de campanha, acabaram gerando esta reação dos liderados destes inconsequentes.

Não será um governo fácil, pois a direita, especialmente a raivosa que temos, nunca se satisfará com um governo que tenha preocupação com a inclusão, o emprego e a soberania nacional, pois definitivamente em nenhum do mundo, o pensamento neoliberal se preocupa com isto. Para isto, a maioria do povo brasileiro, elegeu governantes e parlamentares que estejam na defesa do novo governo e nos avanços sociais e econômicos do Governo Lula.

Saudações ao Brasil!


Adriano Gomes

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Niemeyer entrega projeto de monumento em homenagem a Pelé




Arquiteto Oscar Niemeyer é autor de edifício-monumento a Edson Arantes do Nascimento, Pelé, que será construído na cidade de Santos.

A finalidade era imortalizar um espaço cultural de Santos. As personagens eram dois autênticos gênios nacionais. Idealizador de Brasília desde o ponta-pé inicial, um deles acompanhou todos os lances da futura capital, além de bolar 300 projetos em 69 cidades de 20 estados brasileiros e emplacar, ainda, mais 150 projetos em 55 cidades de 27 países em quatro continentes. O outro alicerçou sua história de Atleta do Século desenhando o terreno com passadas que o elevaram ao nível de Campeão do Mundo em 1958, 1962 e 1970, bicampeão mundial de clubes pelo Santos, 10 vezes campeão paulista e 1.283 gols feitos em 67 países dos cinco continentes.

Oscar Niemeyer Soares Filho e Edson Arantes do Nascimento reuniram-se, na quinta-feira (4/11), para trocar ideias sobre a escultura que será erguida diante do Museu Pelé, em fase de construção pela Prefeitura Municipal de Santos (PMS), no Centro Histórico do município paulista. No encontro, o autor da obra apresentou o esboço ao Rei do Futebol e ao prefeito de Santos, João Paulo Papa, em seu escritório, no Rio, recebendo a aprovação do homenageado.

Detalhes do monumento

O soco no ar, tradicional comemoração de Pelé a cada gol e que eternizou o Rei do Futebol, também estará exposta no alto da escultura. A peça mantém as linhas curvas, característica marcante do arquiteto que projetou Brasília. A obra tem início com uma rampa, que contorna um globo, com acesso por pequena esplanada. No alto, o pulo no ar do maior jogador de todos os tempos aparece de forma vazada no concreto. O monumento ficará na área do entorno do museu.

"É muito bom ser homenageado em vida. E essa homenagem poderá ser vista pelas novas gerações por muito tempo", disse Pelé, que destacou a "tabelona" dele com Niemeyer e o trabalho da prefeitura para que o museu saísse do papel.

Já Niemeyer, que tem 102 anos, lembrou: "Pelé é um ídolo da juventude e do pessoal do meu tempo. Todo o mundo não irá esquecê-lo". E disse que a escultura de Pelé não poderia estar desacompanhada da bola, que é "ligada a ele".

O prefeito destacou que "Niemeyer está pondo sua genialidade a serviço desse projeto, que é uma homenagem que o Brasil deve ao Pelé". Ele salientou ainda que a escultura terá visibilidade plena do canal do porto e irá compor futuramente um dos principais pontos turísticos do país, juntamente com o Museu Pelé, revitalização das vias do entorno e a criação do complexo náutico e turístico Porto Valongo Santos. "Quando o Brasil receber a Copa do Mundo em 2014, Santos terá muito a oferecer aos milhares de turistas que estarão no país".

Papa também entregou a Niemeyer um exemplar do livro feito pela prefeitura sobre o Museu Pelé, com dedicatória do ex-jogador, e da obra 'Santos 462 anos - Um olhar sobre a cidade'.

Museu em vida

Disputado por cidades de todo planeta, o Museu Pelé está sendo instalado em um antigo casarão do Valongo, no Centro Histórico de Santos, cidade onde o talento do atleta foi revelado para o mundo. A obra vai preservar as fachadas do prédio, enquanto o interior terá uma arquitetura arrojada, com modernos recursos de Museologia. Projetado pela prefeitura, o empreendimento tem parceria do governo estadual, que cedeu o imóvel, e federal, que aprovou sua inclusão na Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, possibilitando a captação de recursos junto a iniciativa privada.

Com conclusão prevista para 2012, o espaço atrairá visitantes do mundo inteiro, qualificando o turismo regional e consolidando o programa municipal de incentivo à revitalização econômica e social do Centro Histórico, o Alegra Centro. O acervo foi cedido à cidade por Pelé, e inclui objetos pessoais, fotos, filmes, troféus e material impresso, entre outras relíquias.

A edificação, de 1865, foi sede da Câmara e prefeitura, e é tombada como patrimônio histórico. A obra está orçada em R$ 20 milhões. Entre os parceiros que já oficializaram sua participação estão o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), MRS Logística, Fosfertil, Ambev, Mitsubishi Eletric, Gerdau, Votorantim e Vivo.

Projeto arquitetônico

A edificação, de 1865, foi sede da Câmara e Prefeitura. O desgaste do tempo e alguns incêndios destruíram suas paredes internas e a cobertura, mas as fachadas estão preservadas, e serão totalmente restauradas em suas características originais.

Internamente, está previsto um espaço moderno, amplo e iluminado, onde o público poderá conhecer a trajetória do ‘Rei do Futebol’. O museu terá três blocos interligados. No central, com 550m², ficará a entrada e espaço para lojas, café e sanitários. Exposições temporárias, um auditório de 80 lugares, em forma de esfera e o setor administrativo compõem os 1.405 m² do bloco 1. E o bloco 2, de 1.232m2, abrigará o acervo de Pelé.

Fonte: www.vitruvius.com.br

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O desafio de continuar experimental



Fabio Cypriano

As artes plásticas brasileiras passam por um de seus períodos mais férteis e de maior visibilidade. Até o curador suíço Hans Ulrich Obrist – considerado a personalidade mais importante das artes no mundo, segundo a revista inglesa Artreview – anunciou, no ano passado, que vai estudar a produção nacional nos próximos dois anos, junto com um time de outros três curadores, entre eles o brasileiro Paulo Herkenhoff.

Eles vão organizar uma mostra, em 2012, que deve começar sua itinerância em São Paulo, paralelamente à 30ª Bienal de São Paulo, e depois seguir para prestigiadas instituições estrangeiras, como a Galeria Serpentine, de Londres, da qual Obrist é diretor, e o Museu de Arte Contemporânea de Lyon, na França, entre outros.

Esse tipo de exposição, que Obrist e seu time já tinham realizado sobre os Estados Unidos, China e Índia, não é apenas um sinal da importância crescente que o Brasil vem conquistando no exterior do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista artístico. Desde os anos 1960, a produção nacional deslocou-se de forma original dos movimentos modernistas europeus e norte-americanos para um tipo de arte que demanda um papel muito mais ativo do espectador em relação ao trabalho artístico.

O corpo na arte

Uma das grandes marcas do chamado processo civilizatório – tal como abordado por Norbert Elias, em seu clássico estudo O Processo Civilizador – é a domesticação e anestesiação dos sentidos, com o privilégio da visão e da razão sobre toda a complexidade da vida, o que é uma das principais características da cultura ocidental. Deslocando-se desse eixo, ao perceber que o corpo na cultura brasileira sempre assumiu um papel distinto, como, por exemplo, no Carnaval, artistas brasileiros buscaram estabelecer uma nova forma de relação com a arte.

Esse movimento nas artes plásticas – cujos grandes ícones são Hélio Oiticica e Lygia Clark – foi na verdade um pequeno recorte dentro de um espectro muito mais amplo, que tinha nas telas o engajamento do cinema novo, capitaneado por Glauber Rocha; nos palcos, o experimentalismo de José Celso Martinez Corrêa, com o Teatro Oficina; e, na música, a complexidade do tropicalismo, com Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre tantos outros.

Todos esses movimentos trilhavam os mesmos caminhos: por um lado, abordavam o que melhor traduzia a cultura brasileira, usando a antropofagia de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral como uma de suas grandes referências; por outro, visavam estimular, por meio da arte, uma participação ativa do espectador no contexto político e social.

Esse momento, de intensa originalidade no cenário internacional, sem dúvida foi rompido pelo golpe militar de 1964 e seu endurecimento, com o AI-5, em 1969, levando muitos artistas ao autoexílio, como Oiticica, que foi viver em Nova York, e Clark, em Paris.

Com o movimento de abertura política dos anos 1980 e o fim da diáspora dos artistas e intelectuais pela Europa e pelos Estados Unidos, o Brasil entrou em uma nova fase, que de certa forma, e por motivos óbvios, ignora o social, para glorificar o hedonismo. “Não existe pecado do lado de baixo do Equador”, cantava Ney Matogrosso no álbum Feitiço, de 1978, que vai nortear o comportamento na década seguinte.

Essa busca pelo prazer, contudo, não representa uma ruptura com a arte dos anos 1960, como muitos costumam apontar. Afinal, se a arte daquele momento pedia que todos os sentidos estivessem envolvidos, a busca pela liberdade não é uma contradição com essa intenção. Essa liberdade significou, para a chamada “Geração 80”, que até mesmo pintar era possível novamente, não no sentido tradicional, do cavalete e com a moldura tradicional, mas utilizando novos formatos e suportes, como tão bem explorou Leda Catunda, em toalhas e outros objetos, ou Iran do Espírito Santo, na própria parede.

Contudo, esse grupo, por razões mercadológicas, foi incluído no rótulo “a volta da pintura”, como se a marca fundamental desse período fosse esse gênero. Ora, desde o fim dos anos 1950, a pintura deixou de ser uma questão, já que a produção artística ganhou um caráter híbrido, ou seja, podia ser feita numa tela ou num fio de lã pendurado no teto.

No entanto, jornalistas ingênuos e mal informados, periodicamente, costumam ressuscitar a pintura, como se esse suporte de fato necessitasse de um espaço de reflexão próprio, quando isso significa contrariar todo o espírito da chamada produção pós-moderna, ou seja, após os anos 1950.

Da arte Autônoma às suas relações com o mundo
Desde então, seja no Brasil, seja no exterior, a arte abandonou a discussão moderna de seu caráter autônomo, para voltar a ter relações com o mundo, com seu contexto, com o observador. Assim, nos anos 1980, a arte não abandonou esse primado, apenas retomou algumas práticas, já que todas as fronteiras foram rompidas. Nesse sentido, Leonilson (1957-1993) vem sendo apontado como o grande destaque dessa geração, com forte reconhecimento internacional, como atestam suas obras incorporadas a coleções de importantes museus como o MoMA, de Nova York, a Tate, de Londres, e o Centro Pompidou, de Paris.

Leonilson é um ótimo exemplo dessa geração. Ele não só pintava como bordava, criava instalações, costurava e produzia objetos tridimensionais. O suporte não era uma questão, nem estava no centro de sua poética. Em seus trabalhos, arte e vida estão absolutamente integrados, pois o artista construía um mapeamento delicado de suas fragilidades como membro de um grupo constrangido pela ascensão da aids. Amor, prazer, amizade e desejo eram temas comuns em Leonilson, já num momento de refreamento do hedonismo que marcou o início de sua geração.

Ativação do espectador e engajamento

No entanto, existe outra linhagem na produção nacional, que seguiu abordando questões sociais, mesmo que a ideia da participação esteja, muitas vezes, mais vinculada à construção do trabalho do que à sua apresentação propriamente dita.

Rosângela Rennó (1962-) e Rivane Neuenschwander (1967-) são dois exemplos desse segundo caso. Apesar de muito distintas em suas estratégias dispositivas, ambas trabalham com a ideia de obra relacionada a objetos e imagens já existentes. Rennó, em alguns casos, cria partindo de arquivos; Neuenschwander realiza cartografias um tanto aleatórias, mas que significam mapeamentos possíveis no mundo contemporâneo. Ambas, no entanto, possuem obras que também pedem a participação do espectador, seja no leilão que Rennó organizou na 29ª Bienal de São Paulo, seja em (……….), 2004, que Neuenschwander apresentou na 52ª Bienal de Veneza, onde o público podia escrever cartas em sete máquinas de datilografia, mas que sempre continham o sinal “.”.

Esse balanço entre a ideia de ativação do espectador e a abordagem de questões sociais faz de Cildo Meireles (1948-) o artista brasileiro com maior reconhecimento no Brasil e no exterior, como se pode verificar na repercussão de sua mostra na Tate Modern, no ano passado.

Meireles reúne a tradição do engajamento da arte nos anos 1950 e 60, como se percebe na série Inserções em Circuitos Ideológicos, com as impressões de “Yankees go home” nas garrafas de Coca-cola, ou com a pergunta “Quem matou Herzog” carimbada em cédulas de dinheiro, com a criação de ambientes experienciais, como Desvio para o Vermelho (1967-1984), Missão, Missões (Como Construir Catedrais) (1987), Através (1983-1991) ou Babel (2001).

Ação social e ambientes interativos também repercutem na obra do carioca Ernesto Neto (1964-). Em suas obras instalativas, onde o visitante pode deixar seu corpo à vontade e ainda sentir o cheiro de especiarias, que tanto podem evocar o Natal para um europeu como os mercados populares para um brasileiro, Neto recupera a vontade de ativar todos os sentidos, como pretendiam Oiticica e Clark. Mas o artista tem ainda seu lado engajado dentro do próprio circuito da arte, por meio da galeria A Gentil Carioca, com os artistas-sócios Laura Lima e Marcio Botner, que criou uma nova cena de arte no Rio de Janeiro.

Tanto em Meireles como em Neto, Rennó e Neuenschwander constata-se que a matriz conceitual/experimental que costuma ser apontada em Oiticica e Clark nunca foi rompida, mas ganhou apenas novos contornos. Contudo, tanto Oiticica como Clark tendiam ao desaparecimento da obra artística, diluindo-a no cotidiano, radicalidade que se verifica em poucos artistas jovens, mas que tem em Renata Lucas a figura de maior repercussão, seja participando com trabalhos “invisíveis” da 27ª Bienal de São Paulo, em 2006, que justamente buscou ma- pear os “herdeiros” de Oiticica, seja na 53ª Bienal de Veneza, em 2009. Todas essas linhagens experimentais seguem sendo renovadas, atualmente, em artistas como Marcelo Cidade, André Komatsu e Carla Zaccagnini, entre tantos outros.

Essas experimentações todas, aliás, sempre estiveram expostas na Bienal de São Paulo, uma de suas grandes vitrines. Por outro lado, a fraqueza institucional dos museus brasileiros não acompanhou o mesmo processo, o que se constata em suas coleções: a aquisição é praticamente nula. Mesmo o colecionismo privado é limitado, e galeristas nacionais advertem que as obras mais importantes da produção nacional têm sido vendidas a colecionadores estrangeiros.

Nova fase

Agora, vislumbra-se uma nova fase. Com o mercado interno aquecido e o crescimento do interesse pelo Brasil no exterior, é de esperar que a produção nacional conquiste ainda outros patamares. Se por um lado essa produção, do ponto de vista comercial, está longe de se equiparar à produção internacional, sua prática, de fato, é muito mais sólida e consistente que a de outros paí-ses em ascensão, como Índia e China.

A arte praticada no Brasil, especialmente após os anos 1960, mas já visível em artistas precursores como Flávio de Carvalho (1899-1973), sempre representou uma alternativa original ao modernista europeu, que depois foi transferida ao grande império da segunda metade do século 20, os Estados Unidos.

Talvez, antes, a limitada inserção mercadológica e o distanciamento do Brasil dos centros de poder tenham ajudado a construir esse modelo alternativo, mesmo que o diálogo com a produção de ponta internacional tenha sido constante. O desafio agora é, participando do sistema como jogadores plenos, saber para onde os artistas brasileiros querem trilhar.
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Fonte: http://revistacult.uol.com.br/home/