segunda-feira, 21 de julho de 2014

“Pior do que inflação é desemprego alto e arrocho salarial”.






 Carolina Oms entrevista Ricardo Berzoini


A persistência da inflação próxima do teto da meta de 6,5%, combinada com uma expectativa de crescimento de apenas 1% no PIB brasileiro, neste ano, levou a economia para o centro do debate eleitoral. Diante desse quadro, o ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, diz que o governo deve evitar que a política monetária seja usada “de maneira demasiada” durante as discussões dos próximos meses. Engenheiro, nascido em Juiz de Fora, que começou a carreira política no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Berzoini é também deputado federal, foi ministro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e é um dos coordenadores da campanha de reeleição da presidenta Dilma Rousseff. Na visão do ministro, o governo não deve cuidar apenas da inflação. “Além de olhar para juros, câmbio e contas, o governo tem metas de emprego e renda dos trabalhadores”, diz Berzoini nesta entrevista à DINHEIRO.

DINHEIRO – Existe um projeto em tramitação no Senado que prevê a autonomia formal do Banco Central (BC). O governo vai apoiá-lo?
RICARDO BERZOINI –
Não. Não existe nenhum espaço no Poder Público que possa ter autonomia absoluta em relação à soberania popular, que é o voto. O Banco Central tem de ter certo grau de independência técnica. Mas a pergunta que se coloca é: independente de quem?

DINHEIRO – Em junho, a inflação estourou o teto da meta, de 6,5%. O governo se conformou com uma inflação acima de 6%?
BERZOINI –
Não. O governo busca o centro da meta, mas há duas maneiras de se tratar a meta da inflação. Uma é tratar como objetivo único da economia. Outra é tratar a meta combinada com outros objetivos como emprego, renda dos trabalhadores, crescimento econômico, investimento público e privado. Se o governo pudesse trazer a inflação para 4,5% ao ano, traria, mas temos uma série de pressões inflacionárias. Se você usar a política monetária de maneira demasiada, vai provocar uma recessão. É importante ter um olho na inflação e outro na geração de emprego e renda. A inflação incomoda os trabalhadores. Mas, para o trabalhador, pior do que inflação é desemprego alto e arrocho salarial.

DINHEIRO – Alguns analistas dizem que o atual cenário de crescimento baixo e inflação alta pode levar a uma “estagflação”...
BERZOINI –
É um exagero falar em estagflação. Estamos em uma luta com duas metas. Uma é levar o crescimento mais para cima; a outra é trazer a inflação mais para baixo. Por que o Brasil não cresce? Estamos vivendo um cenário de desaceleração na Ásia, de recessão na Europa, e os Estados Unidos estão em lenta recuperação. Não é fácil crescer nesse cenário. É muito diferente de seis, sete anos atrás, quando havia uma conjuntura internacional melhor, da qual a política econômica interna pôde se aproveitar.

DINHEIRO – Na política econômica interna, houve desonerações, pacotes de concessões e de incentivos à indústria. E mesmo assim não foi suficiente.
BERZOINI –
O governo agiu para preservar a competitividade, como fez com a desoneração da folha de pagamentos. Existem dois modelos para obter o retorno da competitividade. Há gente, que está assessorando candidatos à Presidência, dizendo que precisamos acabar com o ganho real de salário mínimo ou que é necessário aumentar o desemprego. Quem diz isso quer jogar a conta para o trabalhador. Nós procuramos fazer movimentos tributários ou de incentivo de crédito para permitir maior competitividade, sem jogar a conta para a população.

DINHEIRO – A confiança é outro componente importante do crescimento e ela está bastante baixa. Há um problema no diálogo do governo com o empresariado?
BERZOINI –
Uma parte dessa desconfiança se dá fundamentalmente com o cenário mundial, onde houve queda na demanda e aumento da competição. A relação entre o governo e o empresariado é de altos e baixos. Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff reuniu o setor industrial no Palácio do Planalto para anunciar medidas como a prorrogação do Reintegra, que aumenta a competitividade, e a reação foi muito boa. O que faz o empresário investir é a possibilidade de lucro. A presidenta tem inaugurado várias obras logísticas que buscam a retomada do crescimento.

DINHEIRO – Então as medidas que podem impulsionar o crescimento já estão sendo tomadas?
BERZOINI –
Evidentemente, sempre há outras medidas a serem tomadas. Por exemplo, quando lançou sua candidatura à reeleição, a presidenta criou um programa de desburocratização da atividade produtiva. Ainda há muito a se fazer para que o Brasil seja um país com menos documentos, menos burocracia e que exija menos tempo para a tramitação de processos no Poder Público.

DINHEIRO – O sr. participa da coordenação da campanha para a reeleição. A presidenta não vai anunciar seus planos para a economia em um possível segundo mandato, antes das eleições?
BERZOINI –
Ela vai apresentar suas propostas para o País em todas as áreas. Na economia, já tem o trabalho do governo, em curso, e nossa avaliação é de que temos alcançado um bom resultado. Temos impedido uma depreciação da massa salarial, do salário mínimo e do emprego. Isso, para o empresariado, significa mercado interno, que assegura demanda.

DINHEIRO – Nas eleições anteriores, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma colocaram a reforma tributária como prioridade. Esse discurso, hoje, só é visto entre os candidatos da oposição. O PT desistiu de fazer essa reforma?
BERZOINI –
A grande reforma tributária brasileira passa pelo pacto federativo, que envolve tributos, competências e prerrogativas. O tributo mais distorcido do Brasil é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é arrecadado pelos Estados. Sem reforma do ICMS, teríamos uma reforma de mentira. Durante dois governos nós trabalhamos nesse sentido e esbarramos na oposição dos governadores. Esse é um dos objetivos deste governo, mas não queremos iludir as pessoas dizendo que reforma tributária é algo genérico.

DINHEIRO – O governo abandonou o tripé macroeconômico, baseado no regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário?
BERZOINI –
Além de olhar para juros, câmbio e contas, o governo tem metas de emprego e renda dos trabalhadores. Temos de olhar para o PIB social, onde o Brasil está muito bem posicionado. Hoje, temos o menor desemprego da história e 11 anos de crescimento contínuo da renda dos trabalhadores.

DINHEIRO – Uma das estratégias para controlar a inflação neste governo tem sido o uso dos preços administrados. Mas ela tem prejudicado as estatais, principalmente a Petrobras...
BERZOINI –
A Petrobras está tendo lucro. Talvez não o lucro que o mercado acionário esperava. Mas devemos deixar uma empresa estatal ao sabor do mercado ou combinar o interesse do mercado com o interesse público? A alternativa seria aumentar o preço da gasolina seguindo o preço do mercado internacional. Eu sou contra essa política. A Petrobras foi criada com dinheiro público para fazer a política de soberania energética do nosso país. Quando se fala que a empresa está com o caixa apertado, é porque ela investe. Essa é a questão que diferencia a nossa gestão de outras que gostariam de colocar a Petrobras a reboque dos interesses do mercado acionário e não da população.

DINHEIRO – Essa imagem de intervencionista do governo é correta?
BERZOINI –
É um governo atuante. O governo anterior ao do PT só cuidava da macroeconomia. E mal. O atual cuida da macroeconomia, da microeconomia, incentiva os bancos públicos a darem crédito com taxas menores, coloca o BNDES a serviço do emprego, a Petrobras a serviço da soberania energética no petróleo, a Eletrobras a serviço da soberania no setor elétrico e investe em novas fontes de geração de energia. É um governo que busca construir aquilo que está ao seu alcance. Tanto não é intervencionista que os setores financeiro, imobiliário e de consumo são regulados pelo próprio mercado. Onde que o governo interveio e distorceu o mercado? Eu não vejo.

DINHEIRO – O sr. tem sido um defensor da regulamentação da mídia, mas esse ponto foi retirado do programa de governo da presidenta Dilma. Esse tema não será tratado em um segundo mandato?
BERZOINI –
No programa, precisamos colocar aquilo que é consenso entre os partidos da coligação (PT, PMDB, PDT, PC do B, PP, PR, PSD, PROS e PRB). O PT defende a regulamentação como meio de garantia à mais ampla liberdade de expressão, sem nenhum veio autoritário ou intervenção no conteúdo. A Constituição já prevê a função social da mídia e os direitos do cidadão perante um setor econômico que muitas vezes tem distorções. Mas nem todos os partidos da base defendem isso, então não dá para colocar no programa de governo.

DINHEIRO – A reforma política é uma das prioridades?
BERZOINI –
Sim, mas com a compreensão de que ela não se faz só a partir do Legislativo e do Executivo. É preciso a mobilização da sociedade civil. A tendência de quem está no mundo político é quase sempre da inércia, que acaba levando à paralisia. Quem se elege pelas regras atuais acaba se acostumando com elas. Tem de haver um amplo processo de mobilização popular e as manifestações do ano passado passaram a sensação de baixa representatividade. Isso se responde com mais democracia, mais participação popular, acesso ao poder público e visibilidade. A internet é um canal maravilhoso para isso.

DINHEIRO – A derrota da Seleção na Copa pode afetar de alguma maneira a reeleição da presidenta Dilma Rousseff?
BERZOINI –
Historicamente, a população sempre soube distinguir bem o desempenho da Seleção e as eleições. É fato que antes da Copa havia uma cobrança enorme quanto à capacidade de os governos prepararem o País e as cidades-sede para receber um evento dessa magnitude. No entanto, o Poder Público e a iniciativa privada mostraram um resultado que pôde ser sentido no dia a dia do torneio, que teve mais de um milhão de turistas, pontualidade dos voos, transporte aos estádios, segurança e até a atuação da polícia na investigação de fraudes com a venda e repasses de ingressos. Não tenho a ilusão de que fomos perfeitos, mas o resultado para o Brasil é altamente satisfatório. Infelizmente, a Seleção esteve muito abaixo da nossa tradição, mas isso não afeta a decisão política dos eleitores.

Fonte: http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/entrevistas/20140718/pior-que-inflacao-desemprego-alto-arrocho-salarial/172876.shtml

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