Por Romeu Duarte
Neymar |
Se todo brasileiro tem entranhado, no corpo e na alma, um técnico de
futebol cheio de manha e sacadas, em tempos de Copa do Mundo, e ainda mais,
realizada no Brasil, essa mania eleva-se ao paroxismo. Mesmo atolado até as
orelhas em trabalho, o cidadão sempre encontra tempo para matutar acerca da
qualidade da seleção, dos jogadores que estão bem, dos que estão devendo,
daqueles que poderiam entrar, dos que não foram convocados. No terminal,
enquanto o ônibus não chega, a discussão sobre a melhor escalação, os nomes
mais adequados para cada posição, quem deveria ir para o inferno só com
passagem de ida. Já dando bandeira de ser portador da mesma síndrome e doido
para meter a minha colher no angu verde-e-amarelo, estou aqui num pé e noutro
com a solucionática para a problemática.
Salvo pela própria agilidade e por uma trave redentora, com a voz
embargada pelas lágrimas de esguicho, Júlio César recuperou a confiança
nacional após a batalha contra o Chile, aquela que quase nos mata de enfarte.
Os dois laterais, Daniel Alves e Marcelo, sofríveis, não apóiam ou marcam como
deveriam, deixando feéricas avenidas escancaradas em seus setores à mercê dos
adversários. São apenas pálidas reproduções de si próprios no Barcelona e no
Real Madrid, respectivamente. O duo de zaga, Thiago Silva (o capitão chorão) e
David Luiz (este o verdadeiro líder), tem se havido satisfatoriamente, o que há
muito não existia no nosso escrete. Mesmo assim, vez ou outra, batem cabeça.
Saudades da fibra e da autoridade de um Carlos Alberto Torres, o capitão do
tri, a chibatada seca selando o destino da Itália na final.
Nosso meio de campo é uma plantação de pepinos. Antes povoado por
figuras cerebrais, geniais, infernais tais como Clodoaldo, Gerson, Rivelino e
Paulo César Caju, organizadores de bloqueios, tramas e lançamentos, hoje, neste
vasto latifúndio improdutivo, não há um cristão que chame para si a
responsabilidade de tocar a bola, pará-la ou imprimir velocidade a ela quando
se faz preciso. Paulinho, Oscar, Ramires, Fernandinho, Willian, uma chusma de
volantes que adoram se esconder na hora do sapeca-iaiá. A exceção é Luiz
Gustavo, cabra disposto que não perde a viagem nem enjeita serviço. Hernanes,
uma boa opção ainda não testada. A bola está saindo direto do goleiro para o
ataque sem passar pelo crivo dos homens da meia-cancha. Estariam fazendo falta
Ganso, Kaká, Ronaldinho Gaúcho?
Lá na frente a coisa anda engrossando. Nesse setor atua nossa principal
referência futebolística atual, Neymar, de quem, sozinho, sem ter com quem
dialogar, a Canarinha tem dependido bastante. Daí a mão de peia que o garoto
leva em cada partida. Até agora tem conseguido se safar, apesar do sumiço
(junto com quase todo o time, aliás) no segundo tempo do último jogo. Fred tem
sido uma decepção. Feito uma parede, a bola bate em seu peito e volta ao ponto
de origem. Não joga sem bola nem abre espaços para a criação de jogadas. Hulk,
o boi-de-piranha, tem ido decidido para o sacrifício, a perna direita só
servindo para subir nos lotações de São Petersburgo e nada de afunilar para
receber lances de profundidade. Ah, Rei Pelé, em qual desvão perdeu-se o teu
exemplo, ou o de um Tostão, de um Jairzinho?
Resultado: uma
ruma de boleiros, na linha média do gramado, sem saber o que fazer. A
Amarelinha precisa largar mão dessa imagem de frita-bolinho e jogar como o fez
na Copa das Confederações, um dos poucos momentos em que ela me encheu os olhos
nos últimos anos. Proposta: aliar a criatividade e a irreverência brazucas aos
rigores do futebol total. Escrevo esta crônica antes de Brasil x Colômbia, o
risco que corre o pau, corre o machado. Ato falho: analisando a nossa pátria
onzena, acabei homenageando o time de 1970, para mim o melhor de todos. Fato: o
pebol de Pindorama é patrimônio universal, nos afirma como nação, é celebração,
forma de expressão, saber e ofício e seu lugar é no coração do povo, para quem,
como dizia Nelson Rodrigues, a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana.
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