quarta-feira, 1 de setembro de 2010

PODER E POLÍTICA por Jorge Furtado

Na última reforma da Folha de S.Paulo o caderno de política, que se chamava "Brasil", virou “Poder”. A Política é um substantivo feminino, dizem até que é uma ciência, mas não é um verbo. (O verbo é politicar - ocupar-se de política, fazer política - de pouco uso, não me lembro de nenhum político confessar ter politicado ou prometer, se for eleito, politicar muito.) Já o Poder tem a força do verbo e do substantivo, que no caso é macho, os dois usadíssimos e cobiçados, parece que todos querem o substantivo para livremente usar o verbo, quanto mais, melhor.


A impressão é que todos, desde os editores e comentaristas dos jornais mais zezistas (ex-serristas) aos grandes amigos e aliados do Zé, acreditam que a luta pelo poder está terminada: Dilma vai ganhar e, portanto, o Zé vai perder. O resultado da luta pelo poder em Brasília parece mesmo irreversível, em primeiro ou segundo turno, mas a luta política não tem data para terminar, antes ou depois da eleição.

Urgente é melhorar o nível do debate público, expurgar do discurso os adjetivos em excesso, piadinhas, palavrões, preconceitos, grosserias, birras, implicâncias, superficialidade, pontos de exclamação, chutação de números sem fonte, vazamentos seletivos, fontes anônimas usando jornais para fazer negociatas, argumentos tolos exaustivamente desmontados e ainda assim repetidos sem trégua, fichas falsas, bilhetinhos e fofocas que viram dossiês, mentiras grossas, etc.


Os blogs – e seus divulgadores, twitters e tais – já mudaram a lógica da mídia. Seria uma boa idéia que tentassem cada vez mais falar sério (ainda que com bom humor), compartilhando informações e análises e não estados de espírito e picuinhas.


O mais urgente, acho, é eliminar do discurso a falácia “envenenar o poço”, desonestidade intelectual que consiste em, num debate, ao invés de debater o argumento, combater o próprio oponente, é o tal “assassinato de reputação”, que grassa em diferentes intensidades por blogs, sites, jornais, tevês e rádios.

José diz: “Pedro é um ladrão”. Pedro responde: “José é um mentiroso”.

Não é um debate, não há contradição, talvez os dois estejam certos. Pedro pode ser um ladrão, como José afirma. Pedro não negou ser ladrão, apenas afirmou ser José um mentiroso. Pedro envenenou o poço sugerindo que, sendo José um mentiroso, tudo o que ele disser é mentira, o que não é verdade: talvez José seja mesmo um mentiroso, mas pode não estar mentindo ao afirmar que Pedro é um ladrão, afinal mesmo os mentirosos não mentem sempre. (“Não acredite em alguém que sempre diz a verdade”, Elias Canetti.)


Num debate racional, que alimenta a política e não apenas a luta pelo poder, José só pode afirmar publicamente que Pedro é um ladrão se tiver provas para isso, se a sua afirmação vier acompanhada de informações sobre fatos que a sustentem, lembrando que roubar é crime e todos são inocentes até prova em contrário, e que também é um crime acusar alguém de crime que não cometeu. Ao ser acusado de um crime por Pedro, José pode (ou não) defender-se, inclusive recorrendo à justiça, apresentando evidências ou provas de que não o cometeu. Atacar Pedro não é evidência ou prova de nada.


Com a forte possibilidade de derrota de seu candidato nas próximas eleições, a antiga imprensa, acho, finalmente entendeu que a tal “formação de consenso” não está mais em suas mãos. Cabe aos blogueiros e sites independentes ocupar o espaço conquistado com cada vez mais racionalidade. Fazendo política, a blogosfera conquistou um grande poder e “grandes poderes geram grande responsabilidade”, como muito bem ensinou o Homem-Aranha.

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Onze regras de boas-maneiras para debater política (seriamente) na blogosfera (ou em qualquer outro lugar):

1. Qual é o fato? A verdade factual é o ponto de partida. Certifique-se da veracidade e, se possível, indique a fonte de suas informações. Divulgar mentiras é o mesmo que mentir.

2. Não grite. Reduza ao máximo os adjetivos, os pontos de exclamação, os destaques em maiúsculas.

3. Não insinue, informe. Elimine do seu texto as reticências, as maledicências e outras indecências. Se tiver algo a dizer, diga. Se não tiver, não diga.

4. Mantenha a compostura. Elimine inteiramente os palavrões, preconceitos, grosserias, fofocas e baixarias em geral.

5. Fale sério. Piadas de gosto duvidoso, musiquinhas engraçadas, animações toscas, derrubam qualquer argumento, mesmo que verdadeiro. Demonizar adversários com montagens fotográficas, dedos no nariz ou caras tortas só depõe contra você.

6. A diversidade é a base da democracia. Sem pensamentos contraditórios não há evolução. Quem pensa diferente de você não é, necessariamente, seu inimigo e, mesmo que seja, deve ser tratado com respeito e educação.

7. Ninguém é inteiramente bom ou mau. Encontrar concordâncias entre pessoas que discordam é um bom ponto de partida para qualquer debate. Todos querem o bem estar e a justiça social, desenvolvimento, geração de empregos, saúde, prosperidade e paz. Ou não?

8. Procure saber, saber sempre é bom. Compartilhar informações é a principal utilidade da internet.

9. Mais que dar respostas, faça perguntas. O principal objetivo do jornalismo (e da filosofia) é fazer pensar, formulando perguntas. Deixe o leitor procurar suas próprias respostas.

10.“Se você não está em dúvida é porque foi mal informado” (do jornal “O Pasquim”). Procure saber e entender os que pensam muito diferente de você ou nunca terá a chance de mudar, o que é vital para crescer.

11. Só responda a quem merece. A resposta a um argumento num debate político é uma deferência, só deve ser dada a quem merece, a quem trouxe ao debate algum argumento novo e relevante. Aos provocadores, carentes que só querem marcar espaço e aparecer, a melhor resposta é a indiferença. Não alimente nem amplifique baixarias.

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Exemplo de uso de poder sem responsabilidade, no Globo de hoje:

A declaração de Dilma, no corpo da notícia, escrita pelo repórter:

- Nós iniciamos um processo de transformação do Brasil. É isso que pode levar ao dia 3 de outubro, fechadas as urnas, às 17h, e começar a contar os votos. Aí a gente pode ter qualquer perspectiva de ganhar no primeiro turno. Ou, caso não seja isso, de ir para o segundo e ganhar também - disse Dilma, em entrevista em Mauá (SP).

A manchete, escrita pelo editor:

"Apesar da cautela, Dilma admite vitória no primeiro turno"

Dilma diz, com todas as letras, que só a partir das 17 horas do dia 3 de outubro, fechadas as urnas, “a gente pode ter qualquer perspectiva de ganhar no primeiro turno”, não antes disso.

A manchete diz o oposto, sugere que já hoje, data da publicação do jornal, “Dilma admite vitória no primeiro turno”.

O claro objetivo político/eleitoral/publicitário da campanha de Serra feita por O Globo é alimentar um discurso de oposição que escale mais um degrau da manipulação, com declarações (elas virão) (1) sobre Dilma que incluam as idéias de “salto alto”, “ganhou de véspera”, “sentou na cadeira antes da hora”, “está se achando”, “acha que já ganhou” o que, no final das contas, é o exato oposto da resposta da candidata à pergunta do repórter. No caminho da manchete, só para variar, o fato sobe os degraus da omissão e da manipulação para terminar no andar na mentira pura e simples.

Atualização:

Seleção de alguns comentários a respeito desta notícia publicados por O Globo na sua edição on-line de hoje, 23 de agosto, 09:15:

Como o brasileiro gosta de f*!

acefalos eleitores da terrorista aposentada: ela levando, voces vao todos ficar de 4 para "levar o premio" da vitoria...

Aguardem e sentirao...

Tem muitos homens da terceira idade que vao votar na terrorista aposentada... Foi a unica maneira que eles encontraram para F* (no, caso, com o Brasil...)

dilma, soh se for como uma cerveja: geladinha!

DILMA SABE! SABE PROGRAMAR...SEQUESTROS EXECUTAR...INOCENTES PLANEJAR...ASSALTOS

Que o Lula eh um pe de cana nos ja sabemos mas sera que ninguem teve coragem para dizer a ele que ele, durante um daqueles porres, errou a palavra e falou presidencia no lugar de presidio e dai essa terrorista aposentada saiu candidata???

Essa senhora é tão ruim que matou o cancer que ela disse ter.

(1) Já vieram. Escrevi e publiquei este texto no dia 22 da agosto.

Hoje, dois dias depois, manchete de matéria da Folha de S. Paulo, 24/08/2010 - 14h49:

Na TV, programa de Serra diz que Dilma está 'se achando'

Matéria de O Globo:

SÃO PAULO (Reuters) - O programa do candidato do PSDB à Presidência na TV afirmou que a principal adversária do tucano, Dilma Rousseff (PT), "já está se achando".

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Exemplo de grosseria e futilidade, na Folha de S. Paulo:

“É o jornalismo Tiririca, pior não fica”, a frase é citada por Suzana Singer, ombudsman da Folha, em sua ótima coluna de hoje. Espero que ela não esteja sendo otimista demais.

Suzana Singer, na FSP de hoje:

VOCÊ CONHECE A FAMOSA ANA B.?

Na briga por cliques, os sites têm se superado. Na terça-feira passada, a Folha.com caprichou: "Espanha tem jogadora chamada Ana Buceta". Não havia novidade, era simplesmente a existência de uma meio-campista de 17 anos com esse sobrenome, que só é palavrão em português. A piada ainda tentou parecer notícia com uma abertura digna do "Casseta & Planeta": "Se no futebol masculino a Espanha é referência após a conquista da Copa, no feminino se destaca apenas na categoria sub-19. Em razão de um nome em particular..." A audiência correspondeu como esperado: Ana Buceta ficou entre as mais vistas e as mais enviadas durante a maior parte do dia. É o "jornalismo Tiririca", "pior do que está não fica".



Jorge Furtado é cineasta e escritor. São seus o curta-metragem Ilha das Flores, ganhador de vários prêmios nacionais e internacionais, inclusive no Festival de Berlim e, o longa-metragem O homem que copiava, que recebeu vários prêmios, inclusive o Grande Prêmio Cinema Brasil, para o melhor filme brasileiro de 2003. Escreveu e dirigiu várias minisséries e dezenas de especiais da TV Globo

Fonte:http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/jorge-furtado/poder-e-pol%C3%ADtica

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