segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Bonito pra chover


Por Romeu Duarte

 
Da janela do ônibus, agarrado com seus teréns, via a paisagem correr molhada ao seu lado. As luzes da cidade grande já perdiam para o fraco sol da madrugada. À primeira vista, o que parecia ser a sua promessa de felicidade causou-lhe medo. “Égua da bicha imensa!”, deixou escapar, acordando o colega de poltrona. “Já chegamos?”, disse este, a cara um maracujá de gaveta. “Não sei, nunca estive aqui”, replicou, afundando na poltrona, a Lagoa do Tabapuá com seu espelho respingado roubando-lhe o olhar. O celular humilde, deixado em modo silencioso para não perturbar o sono dos passageiros, registrava um sem número de ligações não atendidas. “Mãe não toma jeito, deve ter passado a noite em claro”, culpou-se, soprando as ásperas mãos frias.

Chegando à rodoviária, achou-se mais perdido que cachorro caído de mudança de pobre. A sombra daquelas altas árvores de concreto escurecia ainda mais o tempo nublado. No saguão, o papel amassado no bolso com o endereço na periferia do primo distante. Sem poder mais resistir, resolveu atender à chamada, agora estridente. “A benção, mãe, desculpa, nem avisei a senhora, mas eu não aguentava mais”, a voz quase sumida entrecortada de soluços. “Como é que você faz uma coisa dessas, rapaz?! Desaparece de uma hora para a outra sem deixar notícia, deixando todo mundo no maior alvoroço. Ainda não preguei o olho por sua causa. Onde você está, cabra?”, ralhou a velha na outra ponta da linha. “Em Fortaleza, no terminal, mas não sei se vou ficar aqui”.

“Por que você foi embora?”, quis saber a genitora. “Mãe, me perdoa, mas é que eu não podia ver mais os bichos morrendo, as cacimbas secas, o povo com fome, tudo se acabando”, justificou assim a fuga. “Como tantos outros de nós, arribei, peguei o beco, para tentar a sorte noutro canto. Aquele parente da senhora mora no Genibaú, quem sabe não me ajuda”, arriscou. “Sempre teve o juízo nos pés, você. Sabia que, de ontem para hoje, caiu um toró daqueles por aqui? Os barreiros estão até a tampa e até o açude municipal sangrou. Tem gente que era flagelado da seca e agora continua sendo, só que da enchente”, curtiu a matriarca. “Imagino”, respondeu o filho, “choveu a viagem inteira. Aqui é um pau d’água brabo”. “Por que, então, você não volta, rapaz?”, pediu a mãe.

“E se for só uma nuvem? O homem da televisão não falou que a seca deste ano vai ser pior que a do ano passado?”, alegou o teimoso. “Menino, as coisas do céu quem sabe é Deus”, cortou a dona, “se é para adivinhar, sou mais os profetas da chuva, que, pelo cheiro do suor do jumento, sabem se vai chover ou não. Tanta coisa para fazer aqui, o roçado, as criações, e você aí feito égua”, zangou-se. “Sei não, mãinha, acho melhor não. É só voltar para aí que o inferno começa de novo. Nasci aí, mas não me dou com o sertão. O problema é que este lugar aqui, que nem conheço ainda, já me dá nos nervos”, confessou, amargurado. “O seu problema é o planeta Terra, rapaz”, fechou a mãe, “a benção, se cuide. Mas se lembre: quem volta para casa não se molha”.

Fonte: Jornal O POVO. Edição de 11/01/2016

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