Por Romeu Duarte
As coisas estão
se acabando, tornando-se obsoletas dia a dia numa velocidade impressionante.
Será esse envelhecimento sutilmente programado? Quem determina a falência, a
morte e a substituição dos objetos e dos fazeres por outros novos? Rumino essas
considerações enquanto aguardo a minha vez no caixa-rápido. A felizarda
primeira da linha, há quase quinze minutos usando a máquina, já executou um sem
número de operações. Num passado recente, teria que trazer de casa o lanche e
uma cadeira se não quisesse mofar nas longas e modorrentas filas. Eu mesmo,
quanto tempo perdi nestas fileiras de gente para sacar merreca na boca do
caixa. Mas, e quanto àquelas pessoas que perderam seus bancários empregos em
favor da tal comodidade alheia?
Despertei para o
lance ao ouvir o jingle do Ednardo
anunciando a chegada do Center Um, nos meados da já distante década de 1970: “Depois
que acabaram com a Coluna da Hora/Depois que derrubaram o Abrigo Central/O
centro da cidade/Mudou pra outro local/Lá tem ar pra respirar/Tem coisas lindas
pra olhar/Tem muita coisa pra comprar/Pois o centro agora é o Center Um”. A
música, boa de cantar, anunciava a decadência da zona central e a emergência da
Aldeota como reluzente área de comércio sofisticado. Crônica do fim anunciado
ou não, o certo é que essa premonição acabou se realizando. E não parou aí: a
cidade inchou, se polinucleou e hoje bate perna na passarela do shopping da
Parangaba. Quantas surpresas ainda nos reserva o destino?
No mundo
digital, a doidice é ainda maior. Computadores imensos cederam lugar a
equipamentos cada vez menores. Alguém aí ainda usa disquete ou CD? O pen-drive
está com a corda no pescoço. Há uma nuvem sobre a cabeça de cada um de nós
recheada com nossas informações. O que a sucederá? Tão rápido quanto surgiram,
desaparecem as lan-houses. Descansem em paz, ICQ, MSN, Orkut e Twitter. Te
cuida, Facebook. WhatsApp, DropBox? Essa sofreguidão em afagar celulares,
I-Phones, I-Pods, I-Pads, tablets, o que causará? Decretaremos o final dos
contatos presenciais, desistiremos das cidades, diremos não às ruas e às
praças, abriremos mão da vida comunitária? Sim, Dr. Freud, toda pessoa continua
sendo um abismo, agora on-line total, só.
De tanto
digitar, minha caligrafia, que, de tão ruim, era quase incompreensível, hoje é
um conjunto de hieróglifos. O desenho à mão, manifestação tão prezada pelos
arquitetos de antanho, é uma arte a bem dizer extinta, superada pelas mil
possibilidades algorítmicas de representação e expressão. No comércio, sucumbem
as locadoras de DVDs em favor das redes de aluguel de filmes. As tão faladas
Gerações Y e Z, serão elas as grandes culpadas da transformação? O que será das
bibliotecas e dos livros que tão zelosamente guardam, dos cinemas, dos teatros?
Quantos anos de uso terão ainda pela frente? Serão reprogramados ou sumirão na
voragem da vida? Muito obrigado, orelhão, pelos bons serviços prestados, vá tranqüilo
e que Deus o acompanhe.
Aguardando o meu
momento, faço selfies de mim para
comigo como passatempo. Antes, a espera no banco era suportada com muita
leitura (ai, jornal de papel, quando soará o teu sino?). Atualmente, brincamos
conosco registrando caretas, sem ter mais o que fazer, num espetáculo público
ridículo. Reparo no meu rosto no espelho instantâneo. A cabeleira e o cavanhaque
já grisalhos, as fundas olheiras, os olhos cansados. Cinqüenta e cinco
primaveras recém completadas. Humana encruzilhada de tempos e lembranças ou um
mero fóssil vivo, um pobre celacanto? Opa, chegou a minha hora. Com licença,
cartão no buraco, que dinheiro na mão é vendaval. Saindo daqui, vou direto à
Praça Portugal. Será que ela vai estar no mesmo lugar quando eu lá chegar?
Fonte: jornal O POVO, 17 de março de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário