Por Romeu Duarte
Conheceram-se no
Facebook. Muitos amigos comuns, perfis voláteis na teia sem fim. Ambos de meia
idade e recém saídos de relacionamentos fracassados. Ela com seus posts de
auto-ajuda, cães e gatos fofos e obras do Romero Brito. Ele com seus
instantâneos de viagens, pratos de restaurantes caros e carros antigos. Ela
gostava do tom brincalhão e despachado dele. Ele, da delicadeza e meiguice
dela. Ah, as máscaras que os personagens usam para atuar nesse cibernético
teatro. De tanto curtirem-se, adicionaram-se, viraram amigos. Ademais,
concluídos seus ciclos, era hora de encontrar gente nova, a vontade louca de
sair da casca, de explorar terrenos desconhecidos, a grande oferta do amplo
universo virtual, essa selva de feeds
e aplicativos.
Após muitas
cutucadas e tecladas para lá e para cá, eles entenderam que era hora de se
conhecerem melhor. Deixar de lado os disfarces da imitação da vida utilizados
no reino da simulação para encarar o vero mundo real. Marcaram de se ver
naquele bistrô da Varjota, chique e os olhos da cara. Dirigiram-se ao local
combinado, cada um no seu carro, em suas solidões particulares de que queriam
ansiosamente se livrar. Em lá chegando, o atencioso mâitre os acolheu numa aconchegante mesa de canto. “Aqui não tem
arrastão, não, né?”, perguntou ela, desconfiada. “Nõ, madame”, respondeu o serviçal num autêntico francês do
Mucuripe, “se havia, zé finim”.
“Ainda bem”, aliviou-se ela, “já pensou se me levam o i-phone? Sinto-me nua sem
ele, mulher sem batom”.
O vazio que
sempre acontece entre as conversas de pessoas que ainda pouco se conhecem era
mais e mais preenchido e ampliado pelo sôfrego recurso às respectivas
aporrinholas eletrônicas. Afagadas por dedos ágeis e curiosos, revelavam
mensagens, curtidas, KKKs, as jóias da amiga cosmopolita, a carta de renúncia
do político cardíaco e odiado, dentre outras fúteis novidades de consumo
imediato. Com o tempo, esfriava a comida, esquentava o vinho e aumentava o
silêncio. Como dois autômatos, esqueciam de si e das possibilidades que aquele
encontro lhes abria, mergulhados na vertigem de uma avalanche de notícias sem
futuro. Acordaram do transe com a chegada da conta, envergonhados da própria
besteira que ousaram sepultar com um beijo.
No motel
elegante foi pior. As tórridas preliminares desencadeadas entre eles ao longo
do caminho dentro do carro foram pouco a pouco substituídas, no tugúrio do
amor, pela mesma mania solitária, tola masturbação digital. Súbito, viram-se
nus lado a lado, com as costas coladas no espaldar da cama, as pernas
estendidas no lençol, as mãos nas novas maquininhas de fazer doido numa
compulsão de dar pena. As almas e os corpos em outra dimensão, o sexo
desmoralizado. Na volta, consideraram-se vítimas de uma terrível síndrome, a de
tentar sofregamente dominar o mundo, isolados e de olhos postos numa tela. “Não
basta ser”, constatou ele, “tem que estar na foto e on line”. Despediram-se, cada um para a sua banda, acostumados com
sua sorte.
Resignados,
retornam ao seu (i)limitado paraíso. A um toque, milhões de dados se lhes
oferecem. A segurança das senhas, das chaves, dos bloqueios. A navegação noite
adentro nos mares ora revoltos ora tranqüilos da rede mundial de computadores.
Não é mais preciso enfrentar a cidade lá fora, com seus medos e perigos; por este
portal, vai-se a qualquer lugar na rapidez de um átimo. Viajantes do
espaço-tempo comprimido, estão em todo e nenhum canto, suas muitas pegadas
visíveis nos céleres feixes de elétrons. A experiência da vida vivida trocada
pela representação da existência. Com seus inseparáveis tablets, ele e ela nas varandas dos seus apartamentos, interligados
por um dedilhar de teclas, distanciados por quilômetros, separados por
anos-luz.
Fonte: jornal O POVO, 9 de dezembro de 2013.
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