Meu caro, eu não sei se agora o teu medo está
por dentro ou por fora do teu coração. Sei apenas que quem te conhece,
principalmente teus velhos amigos daqui, sofre com a tua desaparição. Quem sabe
abriste a porta que dá para o sertão da tua solidão, construída desde que te
descobriste apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem
parentes importantes e vindo do interior. Estranho: percorrendo os teus
escritos com os olhos de hoje, a palo seco, é como se tu tivesses planejado
tudo em minúcias, quando não tinhas ainda o olhar lacrimoso que deve nesta hora
estar fitando o Pampa. Maktub, estava escrito. Quem sabe, veio o tempo negro e,
à força, fez contigo o mal que a força sempre faz: tornaste-te infeliz, mudo,
nenhuma canção, nada mais.
Onde anda aquele que era alegre como um
rio, um bicho, um bando de pardais? Estará pedindo aos que com ele se importam
que saiam do seu caminho, que ele prefere andar sozinho, que deixem que ele
decida a sua vida? É que, para esses que tanto lamentam teu estado, em cada luz
de mercúrio eles vêem a luz do teu olhar, passam praças e viadutos e tu nem te
lembras de voltar. Será que foges do que é teu seguindo as paralelas dos pneus
na água das ruas, duas estradas nuas? As lembranças que aqui deixaste dizem de
um sujeito cheio de vida, culto e inteligente, avesso à amargura, ao silêncio e
ao mistério que cercam teu incerto paradeiro. Grana pouca? Esses casos de
família e de dinheiro eu também nunca entendi bem.
Se alguém vier te perguntar por onde
andaste, poderás argumentar que, enquanto todos sonhavam com o teu retorno, tu
te desesperavas nos não-lugares dos estacionamentos desertos e dos hotéis não
pagos. Ah, o egoísmo e a ganância do respeitável público, que te quer sempre no
palco, tudo outra vez, às favas a dor que sentes. Pois é, Seu Zé, poderias ter
dito o que disse teu colega Gonzaguinha: “ando tão mal que ando dando nó em
pingo d’água, só mato a sede quando choro um pouco a minha mágoa, mas a platéia
ainda aplaude e ainda pede bis, a platéia só deseja ser feliz”. Para muitos, só
existes quando tua voz se levanta para o puro deleite. O verso do Cacaso
poderia ser teu também: “quem me vê assim cantando, não sabe nada de mim”. Foto
3x4.
Mas, poeta, que tal deixar de coisa e
cuidar da vida, como disseste um dia? És ainda moço para tanta tristeza, senão
chega a morte ou coisa parecida e te arrasta para longe da tua rede branca e do
teu cachorro ligeiro e te leva ao punhal que corta, ao fantasma escondido no
porão. Desculpa o jeito meio tenebroso de falar, mas há tempo, muito tempo, que
estás longe de casa. Não poderás reclamar do amante que a gente da tua rua
arranjou ou da banana que a tua normalista linda te reservou pelas promessas
não cumpridas. Claro, é apenas o charme brasileiro de alguém sozinho a cismar,
mas eu quero é que este canto torto feito faca corte a tua carne, perdida nessas
ilhas cheias de distância. Blues, tango argentino, o que vai melhor agora com o
teu destino?
Mas, cara, a viagem é tua, o caminho é o
que escolheste. Quem sou eu para te dizer alguma coisa ou apontar saídas? Por
mim, voltavas, davas as caras de novo, de forma surpreendente como essa chuva
que cai agora sobre nossas cabeças nesta quente hora do almoço do primeiro dia
útil do ano. Não repara neste alinhavado, que só fica em pé com a força das
tuas belas palavras. É somente uma colcha de retalhos cosida com a terna linha
da saudade e do zelo para com aqueles que, como tu, valem a pena e fazem a vida
valer ser vivida. Uma voz angustiada que talvez reflita as vozes de outros tantos,
tontos de fazer dó, meu chapa, com o teu segredo, a tua mão fechada, a tua boca
aberta, o teu peito deserto, a tua mão parada, lacrada, selada, molhada de
medo.
Fonte: jornal O POVO, 6 de janeiro de 2014.
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